quinta-feira, setembro 23, 2021

Quinta, 23.

É uma autêntica desgraça para milhares de espanhóis que viram partir campos e casas reduzidos a lava incandescente que ameaça ficar por mais três meses destruindo tudo à sua passagem. A ilha parece estar toda ela em ebulição, como um braseiro monstruoso que as escuridões cálidas acicatam de fúria no sereno de noites imemoriais, perdidas nos confins de mundos inabitados ou povoados de assombrações dantescas. Felizmente não se regista nenhuma morte, mas os danos são incalculáveis. É toda a paisagem com seus elementos adornados por mão humana que se perde para torrentes de magma descendo ameaçadoras montanha fora. Tudo é escuro, o próprio ar irrespirável, a bela ilha virou um espaço de morte, silvado do murmúrio do fogo que se agita em labaredas horrendas, vestida de beleza e segredos, quando a natureza acorda para se manifestar virando a terra ao contrário e exibindo o mais extraordinário mistério.

         - A campanha autárquica prossegue oferecendo o mais burlesco espectáculo humano. Desde o Fanan às meninas cantadeiras, tudo se iguala em palhaçada e anedota de mau gosto e imperecível charlatanice. Se o nosso futuro não fosse tão sério, eu descia a terreiro vestido de cetim acobreado, castanholas e saia rodada, carnal e grosseiro, para me esgotar de cansaço e gozo até ao romper do dia da votação – o dia das trevas.  

         - Não sei que bicho me mordeu para atacar tanta coisa em sucessivos entusiasmos de trabalho. Talvez fosse a energia octogenária da Piedade que me transmitiu força, o facto é que de uma assentada podei as palmeiras e levei os ramos para o fundo da quinta juntando-os aos infestantes para queimar; tratei a mesa do terraço com verniz; apanhei o resto dos marmelos, uvas, figos, maçãs e, por fim, um ramo de odoríficas alfazemas que ofereci à minha empregada. E para findar a tarde – oh, supremo prazer! – meia hora de natação.