Quarta,
8.
Ontem,
desembarcado no Terreiro do Paço, sob chuva diluvial, indo a caminho do meu
dentista, parei na Brasileira. Era para ser entrada por saída. Contudo, os que
lá abancavam em tertúlia de toda ordem, já não me deixaram sair, palavra puxa
palavra, o alvoroço logo instalado para gáudio de toda a gente. Falava-se como
não podia deixar de ser de Trump. Eu intervim parecendo até que estou de
serviço à honorabilidade da sinistra personagem. Acontece que não estou
vinculado a nenhum partido ou maître à
penser, nem vivo de olho nos tachos que são cada vez mais apetitosos que por
aí se distribuem. Indo contra a corrente esquerdista que pontua por lá, disse
que o Presidente dos Estados Unidos não é melhor nem pior que os demais que
governam a Europa. Se ele mandou edificar muros, também os Austríacos e outros países
eslavos o fizeram, se ele age contra a globalização eu estou de acordo com ele,
se ele luta contra a União Europeia eu apoio-o, se ele criar um novo diálogo
com a Rússia voto nele, se ele conseguir erradicar os assassinos do Daesh,
assino de cruz. Porque há uma virtude que ele possui – conseguiu abalar o sono
dos dirigentes europeus, baralhar o discurso aldrabão da esquerda. No final,
apressado, levantei aústes. Um conhecido dirigente de esquerda, veio
bichanar-me ao ouvido: “Tu apareces pouco, devias aparecer mais vezes.”
- A França está confrontada com tantos
escândalos, que se assemelha a um desses países africanos sem rei nem roque. A
lume veio agora a acção de um polícia contra um rapaz negro de 22 anos. Segundo
a vítima, um agente, entre outros actos de violência, violou-o com o cabo de
uma vassoura. A besta está a contas com a justiça e o rapaz que todos dizem ser
impecável, no hospital. É claro para mim, que a selvática agressão, foi um acto
racista e de humilhação de todos os africanos de Aulnay-sous-Bois, um subúrbio
a noroeste de Paris. Deve ter sido para isto, que a Polícia aqui há tempos
reivindicou nas ruas o direito a poder ser mais interventiva. Mas as
estatísticas falam por si: um milhão de queixas foram apresentadas só no ano
passado contra os agentes da autoridade. E nós por cá? Quantos energúmenos no
interior de uma classe, grosso modo, decente e cumpridora da sua obrigação de
defender os cidadãos e justa nas acções de defesa da lei, coexistem como gado tresmalhado?
- A Penélope e o seu Ulisses continuam
a ser mordidos pelo Canard Enchainé.
O montante das falcatruas já andam pelos 680 e tal mil euros! A gente
admira-se, encolhe-se, revolta-se, mas depois deixamos o rei e a rainha de
Ítaca em paz. Afinal de contas, eles não são melhores nem piores que a maioria
dos seus pares na Assembleia e no Governo. Aquilo é uma chusma de ladrões que
actua com total impunidade. Também andam a morder os calcanhares do vulgar Sarkosy,
e ainda hão-de chegar a Alain Juppé de que amigos me dizem o pior. Como se
costuma dizer, a festa ainda vai no adro.
- Por lá ninguém escapa, a violência
em nome da democracia não conhece subtilezas. Agora veio a lume o
relacionamento entre Emmanuel Macron, o chico esperto da direita encostado ao
PS, com um tal Mathieu Gallet. Este, em tempos, foi amante de Frédéric
Mitterrand, ex-ministro da Cultura (leia-se o livro La Mauvaise vie) assumido homossexual. Que importância tem esta
vidinha olé-olé para a campanha que segue desalmada? Tudo. Porque introduz uma
nota romântica, um sopro de irrealidade, uma ternura de cama, um avanço de
promessas. Os segredos de alcofa sempre foram os mais autênticos e saborosos e
muitas vezes destruíram governos e trouxeram para a ribalta política uma colher
de pimenta negra que é a que menos mal faz à saúde... Aliás, um amigo meu
que trabalhou com Chirac, dizia-me outro dia em Paris, que ele também se deixou tentar pelo aroma
masculino e um dia confrontou-o, olhos nos olhos, para concluir que “foi só uma
vez” e como diz o ditado germânico: uma vez é nenhuma vez... E siga a dança!
- Se se confirmar a acusação da
Amnistia Internacional, segunda a qual em quatro anos foram enforcados nas
cadeias da Síria, a mando ou com conhecimento de Assad, 13 mil pessoas, entre
crianças e adultos, estamos perante um crime igual ao praticado pelo Daesh
quando assassinou milhares. Trata-se de um genocídio que não pode ficar impune.
O problema depois é saber quem rende o ditador. A experiência diz-nos que o
seguinte é ainda pior que o anterior.