quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Quarta, 8.
Ontem, desembarcado no Terreiro do Paço, sob chuva diluvial, indo a caminho do meu dentista, parei na Brasileira. Era para ser entrada por saída. Contudo, os que lá abancavam em tertúlia de toda ordem, já não me deixaram sair, palavra puxa palavra, o alvoroço logo instalado para gáudio de toda a gente. Falava-se como não podia deixar de ser de Trump. Eu intervim parecendo até que estou de serviço à honorabilidade da sinistra personagem. Acontece que não estou vinculado a nenhum partido ou maître à penser, nem vivo de olho nos tachos que são cada vez mais apetitosos que por aí se distribuem. Indo contra a corrente esquerdista que pontua por lá, disse que o Presidente dos Estados Unidos não é melhor nem pior que os demais que governam a Europa. Se ele mandou edificar muros, também os Austríacos e outros países eslavos o fizeram, se ele age contra a globalização eu estou de acordo com ele, se ele luta contra a União Europeia eu apoio-o, se ele criar um novo diálogo com a Rússia voto nele, se ele conseguir erradicar os assassinos do Daesh, assino de cruz. Porque há uma virtude que ele possui – conseguiu abalar o sono dos dirigentes europeus, baralhar o discurso aldrabão da esquerda. No final, apressado, levantei aústes. Um conhecido dirigente de esquerda, veio bichanar-me ao ouvido: “Tu apareces pouco, devias aparecer mais vezes.”           

         - A França está confrontada com tantos escândalos, que se assemelha a um desses países africanos sem rei nem roque. A lume veio agora a acção de um polícia contra um rapaz negro de 22 anos. Segundo a vítima, um agente, entre outros actos de violência, violou-o com o cabo de uma vassoura. A besta está a contas com a justiça e o rapaz que todos dizem ser impecável, no hospital. É claro para mim, que a selvática agressão, foi um acto racista e de humilhação de todos os africanos de Aulnay-sous-Bois, um subúrbio a noroeste de Paris. Deve ter sido para isto, que a Polícia aqui há tempos reivindicou nas ruas o direito a poder ser mais interventiva. Mas as estatísticas falam por si: um milhão de queixas foram apresentadas só no ano passado contra os agentes da autoridade. E nós por cá? Quantos energúmenos no interior de uma classe, grosso modo, decente e cumpridora da sua obrigação de defender os cidadãos e justa nas acções de defesa da lei, coexistem como gado tresmalhado?  

         - A Penélope e o seu Ulisses continuam a ser mordidos pelo Canard Enchainé. O montante das falcatruas já andam pelos 680 e tal mil euros! A gente admira-se, encolhe-se, revolta-se, mas depois deixamos o rei e a rainha de Ítaca em paz. Afinal de contas, eles não são melhores nem piores que a maioria dos seus pares na Assembleia e no Governo. Aquilo é uma chusma de ladrões que actua com total impunidade. Também andam a morder os calcanhares do vulgar Sarkosy, e ainda hão-de chegar a Alain Juppé de que amigos me dizem o pior. Como se costuma dizer, a festa ainda vai no adro.

         - Por lá ninguém escapa, a violência em nome da democracia não conhece subtilezas. Agora veio a lume o relacionamento entre Emmanuel Macron, o chico esperto da direita encostado ao PS, com um tal Mathieu Gallet. Este, em tempos, foi amante de Frédéric Mitterrand, ex-ministro da Cultura (leia-se o livro La Mauvaise vie) assumido homossexual. Que importância tem esta vidinha olé-olé para a campanha que segue desalmada? Tudo. Porque introduz uma nota romântica, um sopro de irrealidade, uma ternura de cama, um avanço de promessas. Os segredos de alcofa sempre foram os mais autênticos e saborosos e muitas vezes destruíram governos e trouxeram para a ribalta política uma colher de pimenta negra que é a que menos mal faz à saúde... Aliás, um amigo meu que trabalhou com Chirac, dizia-me outro dia em Paris, que ele também se deixou tentar pelo aroma masculino e um dia confrontou-o, olhos nos olhos, para concluir que “foi só uma vez” e como diz o ditado germânico: uma vez é nenhuma vez... E siga a dança!


         - Se se confirmar a acusação da Amnistia Internacional, segunda a qual em quatro anos foram enforcados nas cadeias da Síria, a mando ou com conhecimento de Assad, 13 mil pessoas, entre crianças e adultos, estamos perante um crime igual ao praticado pelo Daesh quando assassinou milhares. Trata-se de um genocídio que não pode ficar impune. O problema depois é saber quem rende o ditador. A experiência diz-nos que o seguinte é ainda pior que o anterior.