sábado, maio 13, 2023

Sábado, 13.

Quis oferecer um almoço aos meus amigos e pedi-lhes que escolhessem o restaurante. Uma calamidade! Caro e banal, com vários desastres pelo meio, como a troca de pedidos, os pratos mal apresentados, as sobremesas que vieram trocadas, um café caiu-me sobre as calças, e no final a conta tinha quase vinte euros a mais o que me levou a reclamar. Com o suplemento de o interior não estar aquecido, o frio ser desconfortável, num dia que não parou de chover, não houve um lampejo de sol, e a atmosfera ser de inverno cerrado.

         - A Michelle veio cá a casa jantar. Forma de os meus amigos lhe agradecerem o empréstimo da sua casa de campo, na zona de Land, em Biscarrosse. Passámos lá uma noite, quando descemos de Salamanca pela fronteira de Irun-Handaia. A moradia fica, por assim dizer, ao fundo da Land, um vastíssimo território coberto de pinheiros e outra florestação densa, e dá para o lago Parentis. A paisagem é admirável, serena, perigosa no Verão devido aos incêndios, e integra um conjunto de outras vivendas com características típicas de construção francesa. A Michelle deixou-me o seu quarto onde dormi a sono profundo depois da acumulação de estrada que já levava. Sobre o seu interior, não me pronuncio por agradecimento à sua proprietária. Sempre direi, todavia, que nada tem a ver comigo.  

         - Badalada ontem pela zona desumana de La Défence para me abastecer dos produtos naturais que uma célebre para-farmácia possui por preços abordáveis. O problema é o frio que não nos larga e para quem como eu veio de longas semanas de temperaturas altas, enfiar-me neste clima, é paralisar-me. O Robert disse-me hoje que não fora a minha chegada, a chauffage não estaria ligada. Forretice. Porque a Annie, no seu estado de saúde e idade, não deve ser submetida a este desconforto. Mas aqui é a pobreza que impera. Tudo é racionado, da comida à energia, da saúde à Internet. Por exemplo, quando almoçávamos, de súbito ele levanta-se. Pergunto que se passa, “o tempo grátis do parque de estacionamento está a terminar e se continuo tenho que pagar dois euros”, daí que saindo e voltando a entrar ficava com mais hora e meia gratuita. Outra: a mulher para se manter minimamente lúcida (sempre por breves instantes), tem precisão de café. Como tínhamos acabado de beber cada um o seu, eu chamei o empregado e pedi mais uma bica. Diz Robert: “Isso fica muito caro. Ela toma em casa.” Respondi, fulo: “Não fico mais pobre nem mais rico, não te inquietes.”  

         - Por falar em Annie. Ela celebrou os seus 92 anos, dia cinco, em Palmela. Mandei fazer um bolo de aniversário numa pastelaria da Quinta do Anjo e festejámos com dignidade o dia. Forma de falar. Na verdade o seu estado é já vegetativo, uma mimosa alface, que leva os dias a dormitar. Como ficou surda seguindo o marido, é problemático falar com os dois sem ser aos berros o que me cansa sobretudo no interior do carro em viagem. Mas admiro-a e tenho por ela uma profunda amizade e reconhecimento por aquilo que me deu, trocámos, vivemos juntos. É uma mulher corajosa, poucos como ela arriscavam um percurso de dias, com calor insuportável, através de três países. Quando não possui a cadeira de rodas, desloca-se com dois bastões daqueles que o esquiadores usam no desporto. Faz três passos e pára, cansada. O vírus da filha também entrou nela. Disse ao marido que passasse numa farmácia a comprar o necessário, concordou mas não o fez. É baldas, não quer gastar dinheiro, afirmando que “aquilo passa”. A Annie perdeu a memória e a que lhe resta dura uns minutos. Daí que esteja sempre a perguntar onde estamos, onde eu estou estando na sua frente, etc.. Pobre amiga, ou me engano muito ou é a derradeira vez que a vejo viva. Ela não é crente, eu sou. Digo-lhe que peço a Deus por ela, comove-se e aperta-me a mão: “Oh, Helderrrre! 

         - A nota sinistra que agitou por estes dias a França: a ameaça de morte do Presidente da Câmara Saint-Brevin-les-Pins (Loire-Atlantique). O autarca, Yannick Morez, que pediu a demissão depois de lhe terem incendiado dois carros e a sua casa, está no centro da fúria da extra-direita que se mostra contra o acolhimento e asilo político de imigrantes. Cada vez mais me parece que caminhamos para uma qualquer forma de ditadura, direita ou esquerda; temos os dias contados se não soubermos defender a democracia pondo de parte os interesses mesquinhos partidários, a arrogância, a extrema ganância pelos negócios, a noção de que o valor comum interessa a todos sem excepção. 

         - Ontem assisti, emocionado, por Stream em directo da Basílica de Fátima, à cerimónia da oração do Terço. As imagens que chegavam ao meu computador, eram magníficas, ampliando a beleza de uma noite consagrada a Maria. Muito teria a dizer sobre isso, mas de cada vez que começo fico mudo, as palavras não me saem, como se o que eu devia contar ficasse mergulhado no segredo que guardo desde 2010, quando estive ajoelhado na Capelinha das Aparições apenas uns escassos dez minutos.