quarta-feira, maio 17, 2023

Quarta, 17. 

Ramsés está no Grande Halle de La Villette. Há muitos anos que não ia por aquela zona de Paris, que sempre achei um pouco inóspita, fria, mineral. Desta vez como não passei do rés-do-chão e a exposição contorna várias salas escuras, não tive acesso aos espaços que antes visitara. Ramsès & l´or des pharaons está centrada em Ramsés II e no seu reino para a eternidade. O Faraó, depois de ter feito a guerra aos Hititas, acaba por casar com uma hitita e como viveu nonagenário, fez 110 filhos de várias outras esposas. Se juntarmos a isto, a capacidade de fazer guerras que chegaram até à Síria e acordos de paz, o grande homem pôde ainda dedicar-se à arte, ao seu Império, à construção da paz duradoura e, sobretudo, ao sentido estético da morte enquanto signo de passagem, testemunho do tempo, dimensão espiritual que perpectua através dos séculos a sua dinastia – a XIX. Com ele começou a erguer-se Tebas, nasceu Abou Simbel,  o tumulo da rainha Nefertari, uma grande parte de Karnac, a coluna de Luxor, necrópoles, santuários. A actividade artística foi notória a tal ponto que ainda hoje os vestígios que restam levantam admiração e impõem-no como o grande deus de um tempo onde só o Faraó era a divindade única e imortal.  Tudo o que vemos de boca aberta em La Villette, permaneceu sob os escombros, sepultado por terramotos, guerras e dilúvios. Graças ao dinamismo dos nossos dias, à paixão de sábios e cientistas, foi possível trazer à superfície a morte carregada do seu mistério, da sua inquietação, como nos fala o Templo de Tebas erigido por Ramsés II. A morte que tudo ilumina. 

O templo de Abou Simbel, na Níbia. 

Faraó Mérenptah, 13 filho de Ramsés II

Túmulo externo se Sennedjem sobre rodas de bois 

Cheahonq II que viveu 100 anos, representado com cabeça de falcão. 

Sarcófago de Ramsés II - a morte como descoberta da vida.  

Todo este mundo tive oportunidade de conhecer in loco. Nesse tempo, o museu do Cairo onde se encontrava o sarcófago de Ramsés, estava muito mal vigiado. Por todo o lado, muita gente roubava a céu aberto, as estruturas museológicas eram frágeis, as necrópoles estavam ao abandono. Era fácil a pilhagem, as peças amontoavam-se em qualquer canto, tudo estava à mercê do visitante vindo dos quatro continentes com o intuito de furtar. Os próprios funcionários dos museus, contribuíam para o desaparecimento de objectos a troco de uns míseros dólares. Felizmente que o Egipto como decerto também a Tunísia onde assisti a vários roubos, estão melhor protegidos e atribuem à sua história e à arte a função ímpar de perpetuação do seu passado. Só não fui a PI-Ramsés porque ainda nada se conhecia de real.  

         - Almocei num modesto restaurante da Cité Floreal, perto dos pobres mais pobres de Saint-Denis. Tomei, contudo, uma mesa equi-distante das mulheres e homens que, na sua generosidade, partilhavam as sandes e o café entre si. Eram na sua maioria maltrapilhos, as luvas rotas na ponta das luvas de malha, elas, os capotes sujos e desleixados, eles. Pelo meio, no centro da sala, imperavam os rufias à moda antiga, mas de portáteis último modelo. Curiosa fauna que não difere em nada daquela outra que aparece por certos lugares em Lisboa.     

         - Ressuscitei! Hosana! Dois acontecimentos contribuíram para isso: o sol inundou, finalmente, a cidade; Annie e Robert partiram para rally na Normandia. Vou ficar, portanto, quatro dias seul, (à portuguesa: sozinho, coitadinho), e espero expulsar desta casa a colónia de vírus que se instalou, abrindo portas e janelas, berrando: vade retro satanás! Être seule pour se retrouver!