quarta-feira, maio 10, 2023

Quarta, 10. 

Sobre a minha secretária deixei lida a História Deuteronomística de Josué. Ou seja a narrativa da escravidão dos israelitas no Egipto e o êxodo sob a patronagem  de Moisés a caminho de Canaã. Toda a descrição é assustadora, ensanguentada de crimes hediondos, sobre centenas de povos que viviam por aqueles territórios, sob a tirania de reis obsessivos, que Josué conduziu ajudado pelo seu Deus, YHWH. São textos incompreensíveis para nós, mas de onde sobressai já a ambição, o poder, a conquista pela guerra constante, subjugando pela força, espezinhando povos inofensivos, em nome de YHWH. À medida que iam dominando os povos e usurpando as suas terras e gados, tentavam a fusão religiosa impondo o culto de YHWH a par dos deuses que eles veneravam. A urgência em se estabelecerem na terra prometida, levou Josué a cometer sobre milhares de povos toda a sorte de crimes, guerras, mortes monstruosas que só de lermos nos afasta de Deus ou, como estamos apesar de tudo mais conhecedores e mais humanos, a pensar que o Deus que veneramos não podia nunca ser o mesmo que incentivou Josué a praticar tais monstruosidades. Porque Josué, iluminado por Moisés, não só conduziu os filhos de Israel, como os purificou. “Por volta desse tempo, o Senhor disse a Josué: “Faz para ti facas pétreas a partir de pedra afiada E, sentando-se, circuncida os filhos de Israel. E Josué fez facas pétreas afiadas e circuncidou os filhos de Israel no chamado Monte dos Prepúcios. (5: 2-3) Não obstante, eles tiveram sucessivamente a ira de Deus, que tanto os defendia como incentivava os povos subjugados, sobretudo quando os israelitas caíam na tentação de adorar também os muitos deuses que iam encontrando no caminho. “E Josué disse ao povo: “Não conseguireis servir o Senhor, pois ele é um Deus santo. E porque é ciumento (ciumento?), Ele não perdoará os vossos erros e os vossos actos de desregramento. Cada vez que abandonardes o Senhor e servirdes outros deuses, Ele virá fazer-vos mal e destruir-vos, em vez de vos fazer bem.” (24-19) Já perto do fim, o Senhor ordena a Josué: “E agora divide esta terra como herança para as nove tribos e para a meia tribo de Manassés. Dá-la-ás desde o Jordão até ao grande mar em direcção ao pôr do sol; o grande mar será a fronteira.” (13-7).  

         - Se falo no passado é porque estou em Paris. Depois de ter estado quatro dias no Porto e outros tantos na quinta, larguei o meu paraíso no carro do Robert (é a primeira vez que ele me visita em viatura), por Castelo Branco. Tinha prometido a mim mesmo não voltar tão depressa a esta casa, mas não resisti às lágrimas da Annie e prontamente esqueci o que me desgostou (sem que ela tivesse culpa alguma) há dois anos. Hugo, o filho, que esteve no centro do meu desconsolo, voltou para Taiwan e o Robert que não morre de amores por ele, inchou de satisfação. Paris, um pouco por todo o lado, parece um estaleiro com obras a decorrer a bom ritmo para receber os Jogos Olímpicos em 2024. Há muitos anos que não vinha nesta altura e, portanto, é para mim uma descoberta ver a cidade nos alvores da Primavera. Lembro-me noutros tempos da humidade viscosa que se pegava à roupa, aos colarinhos sujos quando regressava a casa vindo do centro, daquele ar sufocante que prendia a respiração dos parisienses e a minha particularmente. Porque Paris não tem mar, é uma cidade onde a razia das ruas se atropelam, o Sena não é suficiente para trazer o sopro rarefeito tão necessário ao equilíbrio. Viajar de metro hoje é um susto, sobretudo em hora de ponta que são praticamente todas. Chego depois de uma viagem de pelo menos dois mil e quinhentos quilómetros em pedaços para afrontar a chuva e o frio que aqui faz. 

A tempestade que nos recebeu à chegada, tinha tanto de belo como se assustador. 

         - Fui, todavia, colhendo os ecos relacionados com aquele que tem ar de (suprimo aqui o que escrevi, deixando para os leitores futuros a observação). Ninguém sai bem na fotografia da família socialista enquadrada no cenário dantesco onde Marcelo cresce no desespero de se evadir pela porta entreaberta das cumplicidades habituais.