Terça, 26.
Outro dia, pelas 10 da noite, estando eu sentado num pequeno café no aeroporto a aguardar a chegada dos meus amigos, sou sacudido por uma velha personagem que reconhecendo-me se precipitou para mim pedindo-me um abraço. Era o filho mais novo de um casal simpático que tinha um restaurante na Quinta do Anjo onde eu ia com frequência quando cheguei a Palmela. Abraçou-me forte. “Você está na mesma, o físico igual, lembro-me das histórias que contava, você tinha sempre histórias para contar.” Despejado o saco, reconheci o sorriso do rapaz de então, hoje quase intocável não fora a simpatia de circunstância que me obrigou a oferecer-lhe os meus óculos para lobrigar a realidade. “Você continua a escrever?” “Quando me deixam, sim.” Depois convidou-me a visitá-lo na sua quinta no topo do monte sobranceiro a uma terriola chamada Cabanas.
- A propósito. Na meia hora que estive a aguardar a chegada dos meus amigos, em face das chegadas, àquela hora tardia, era impressionante as toneladas de gente que brotava da boca escancarada. A capital sofria uma invasão nocturna, a todos os minutos passavam para o lado de cá centenas e centenas de turistas e naturais. Aqueles quintuplicavam estes e perguntava-me como pode Lisboa receber tanta gente. Que mistério se desenrola que nos deixa atónitos, aflitos mesmo, ante a invasão descontrolada de mundos que mal tocam o nosso, reconhecida no Chiado onde hoje estive, imagem da desordem, da descaracterização, montada na euforia das pedras todas colocadas pelos Governos num só lado – o turismo.
- Lionel contou-me que na unidade que dirige no hospital de Estrasburgo, há um padre que lhe disse não acreditar na existência de Deus. Será possível?
- Vou despachar-me porque vamos hoje a Caldas da Rainha ver Bordallo Pinheiro.