Quinta, 21.
Nunca me deu tanto prazer pagar a alguém pelo seu trabalho. Foi caro, mas valeu a pena. Ele veio por indicação do Sr. Correia que aqui todos os anos grada a terra. Terá setenta anos, mas o vigor, a honestidade, a simbiose entre eficácia e conhecimento é perfeita. Disse-me que já tivera dois enfartes, que anda vigiado, que arranjou uma rapariga com quem se entende muito bem, que não me atormente eu pela força e rapidez da entrega ao trabalho. Aconselhei-o a ser mais calmo, menos rápido. Riu-se. Mais uma vez digo: quando não tiver meios para trazer a quinta limpa e bela, entrego-a aos americanos por uma pipa de massa.
- Há um autor que descobri este ano e me enche de prazer lê-lo não só pelo que diz, sobretudo pela profundidade e simplicidade do que pensa: Robert Walser. Suíço de nascimento o que por si só seria um aborrecimento e me levaria a pô-lo de parte, mas porque através da sua obra e mormente os últimos anos passados num hospício, em Herisau, por depressão e esquizofrenia, interiorizou a ideia do momento como consubstanciação do instante. A vida feita de pequenos nadas, de recordações simples, o seu horror ao grande, a todos os que se tomam por importantes, quando na realidade não têm importância absolutamente nenhuma.
A registar:
“Só através dos erros se adquire traços de carácter interessantes... A maldade existe para criar contrastes e trazer vida ao mundo...”
“Nenhum escritor está obrigado à perfeição. Admiremo-lo com as suas fraquezas e as suas idiossincrasias.”
“As naturezas criativas são avessas à especulação. Isso distingue-as dos especuladores.”
- Quanto vale uma vida? Nada. Em França, um tipo habitué da Internet, foi morto com torturas, ofensas, humilhações. A assistir ao suplício consentido pelo infeliz, estiveram milhares sentados diante dos seus computadores. Ante isto, que dizer? Abre-se-nos um vazio imenso onde a morte parece dar sentido ao destino de uma vida.