sábado, agosto 02, 2025

Sábado, 2 de Agosto. 

Espera-me um mês agitado com entradas e saídas do hotel. Toda a azáfama que vier, acrescenta trabalho ao trabalho que por aqui nunca pára. Ando enredado em tanta coisa para resolver, para acudir, para terminar que ninguém faz ideia. Cheguei a uma fase da vida que devia ter direito ao descanso ou, pelo menos, a largos momentos de ripanço. No princípio, quando escolhi instar-me aqui, era para me dedicar na tranquilidade dos dias à escrita e ao silêncio seu companheiro. Sei agora, excluindo o silêncio, que nada disso fez consistência e se traduziu em realidade vivificadora. Vivo assaltado de preocupações, de urgências, disto e daquilo que é necessário fazer avançar. A ideia do campo idílico, nostálgico, adormecido na relva fresca, com os ocasos lânguidos, fixos no fundo do horizonte, emoldurados do brilho-sangue, foi uma imagem de apelo, é hoje um sinal de repelo. Há mais de um mês que Ana Boavida me espera, me pisca olho, me incentiva a ir ao seu encontro, jurando que tem ainda muito para me contar. Eu disfarço, faço-me bom, finjo não dar por ela no fio das horas, murmurante, cativadora, exaltada, desfiando o apetite e a excitação que há em mim e vai a pouco e pouco murchando, desligando-me da vida, a verdadeira, aquela que me leva para parte incerta, me desmultiplica, me seduz e prega na cruz do romance que faz que avança na minha cabeça doida, mas sem expressão nas palavras impressas na folha de papel do computador. Há, assim, uma divisão em mim. Estou parado, com a vida suspensa, no meio de duas margens: uma que me tem por cativo; outra cirandando num remoinho de ventos contrários me atira para o deserto interior como refúgio e santificação daquele que crê e não é atendido. Com efeito, não estou nem sou de lado nenhum. Vivo dividido entre dois mundos, como se sonhos fossem reais e os seres autênticos peças que se movem em torno de delírios consubstanciados em algo que só eu sei, do fundo do coração, quão amargamente sei. A criação é desassossego, é insatisfação, é viver sobre mundos que não descem dos céus nem sobem dos infernos. É como um micróbio que nasce e morre sem nunca verdadeiramente ter identidade. Depois, bem depois, em certos dias ou momentos, reinvento-me em cochilos de minutos, às vezes uma hora. Salto da atmosfera fechada, da incubação, e respiro, respiro o ar que as personagens, as palavras, os assomos de qualquer coisa, circunstância ou lugar traduzem, sintetizam-se em horas e dias de maturação e sobressaem da folha em branco como se algo humano tivesse nascido debaixo dos meus olhos cansados, num faixe de luz, cuja unidade é absoluta. Só então me chamo, me interrogo, faço o balanço que a solidão beatifica que escolhi por companheira, num enamoramento que venceu o tempo, a razia das horas e dos anos, e se precipitou no fio limpo e cristalino do silêncio.