domingo, agosto 31, 2025

Domingo, 31.

Às quatro da manhã despedi-me dos meus amigos. Voltei ao vale dos lençóis para acordar pelas oito e escutar a casa mergulhada num silêncio sepulcral. Depois de uma semana envolvido num vendaval de vozes, movimento, desordem senti que o vazio se instalava com dificuldade. Uma parte da manhã foi dedicada a repor a ordem, a recolocar nos sítios aquilo que os objectos sem o exprimir acham ser os lugares que lhes pertencem. A seguir veio o começo da rotina, essa arma com dois bicos, que tanto nos serve como nos gruda ao bocejo. Cerca do meio-dia tinha voltado o silêncio e achava-me de retorno aos circuitos pedestres, automobilísticos, à azafama que enche as horas porque os circuitos sensíveis não podendo parar entregam-se a uma qualquer forma de quotidiano  que dê expressão e continuidade à vida. 

         - Enquanto isso, em Gaza a guerra não tem tréguas. Não há uma alma que suspenda o ódio e a vingança de Netanyahu e da sua equipa assassina que banalizou a morte e fez dela um negócio rentável. O líder dos houthis do Iémen foi morto com mais uns quantos ministros num ataque aéreo levado a cabo por Israel. Assim como, foi assassinado a tiro o presidente do Parlamento de ucraniano, Andrii Parubil. São os dois lados de um mundo que se vai preparando para o pior. Eu não temo por mim, mas por todos os jovens que serão envolvidos numa guerra sem vencedores nem vencidos. 

         - Na Libéria, após meses de tensão, os manifestantes pró-presidente do Parlamento acusado de corrupção, deitaram fogo ao edifício. Os tumultos duram há semanas e são a expressão de descontentamento que grassa por todo o lado. 

         - Não sei como, tenho a piscina belíssima, água limpa e cristalina, temperatura fabulosa. É para lá que vou, depois de apor estas linhas diante dos olhos dos meus leitores. 


sábado, agosto 30, 2025

Sábado, 30.

Esta manhã levei os meus amigos a visitar a Gulbenkian. Não passei da sempre admirável Paula Rego, considerando que quase tudo o resto pouco interesse tem para mim. Como continuo a considerar que o grande alpendre e a pala do arquitecto nipónico, estão ali completamente desvirtuados. Uma chinesice como diriam no séc. XV os chineses quando do envolvimento dos jesuítas por aquelas paragens. 

         - Em breve tornarei à minha santa rotina. Esta vida airada não faz o meu género, sobretudo quando arrastada por dois adolescentes em continuo agarrados aos telemóveis e por uma mulher vietnamita cujo pensamento, modo de reagir e filosofia de vida está nos antípodas da nossa forma de olhar o mundo e tudo o que nos rodeia. Sendo médica, é pelo dinheiro que escolheu a profissão. Pelos vistos, em França, a coisa rende.  

          - “A democracia não cai às mãos de assaltantes, começa por cair dentro de si. É o mau governo, a desigualdade, a corrupção, a indiferença social e a arrogância dos democratas e das esquerdas que são o viveiro das ditaduras, das aventuras da extrema-direita, de todos os populismos deste mundo.” António Barreto, Público de hoje. 


quinta-feira, agosto 28, 2025

Quinta, 28.

A vida desorganizada, vadia, sem horários para nada, nem refeições às horas estabelecidas, está quase a terminar. Aqui em casa tropeço em chinelos, sapatos, ténis por todo o lado: cozinha, à entrada do salão, no início das escadas que nos levam aos quartos, à porta destes, assim como mesas e bancas cheias de loiça, o frigorífico a abarrotar como nunca esteve. Esta desordem, é frequente quando as novas gerações são criadas no desleixo familiar que tudo faz para não contrariar os filhinhos queridos. A educação nas responsabilidades, no respeito pelos pais, na vida em comum dentro e fora do lar, não se faz porque não se deve contrariar meninos e meninas que mais tarde farão dos progenitores capacho para o chão quando não bode expiatório de todas as exigências que, uma vez contrariadas, logo acabam em agressão, abandono dos pais em lares manhosos, hospitais, quantas vezes na rua. O neto da Piedade, a semana passada, ameaçou matá-la. Ela veio aí chorar e dizer-me que nunca terá coragem para chamar a Polícia e nunca o porá na rua. A isto chamam amor maternal. 

         - Há uma vantagem nesta forma de vida: o desligamento da realidade. Desde a semana passada que não sei o que é feito do meu país, o que aconteceu no mundo, que guerras começaram, que crises terminaram, quantos palestinianos mais morreram e ucranianos e russos e... Este interregno foi-me salutar, mas ilusório. Foi decerto uma forma de egoísmo, talvez de cansaço ou desilusão, de fuga para a frente de modo a reconstituir o equilíbrio indispensável capaz de criar os anticorpos que nos permitem a abertura da visão clara sobre os outros e nós próprios. É bom estar de volta à realidade e deixar para trás as fantasias que a obscuram e transformam os factos numa indiferença criminosa.  

         - Marcelo sempre imprevisível, considera Donald Trump “um activo soviético ou russo”. 

         - A noite passada foi terrível para a Ucrânia. Kiev atacada com mísseis, duas dezenas de pessoas mortas, a sede a União Europeia atingida. Um aviso claro de Putin à Europa com o apoio de Trump. A guerra aproxima-se, o ditador russo vai paulatinamente testando os meios e as oportunidades de sair vencedor. A UE e os EUA fazem aquilo que sempre têm feito: ameaçam com medidas económicas que pouco ou nada têm afligido Vladimir Putin. Um déspota tem sempre a faca e o queijo na mão, queira ou não queira o povo. 


quarta-feira, agosto 27, 2025

Quarta, 27.

Do longo passeio que nos levou a Caldas da Rainha, Foz do Arelho e por fim Óbidos, ficou-me uma triste impressão de um Portugal que não reconheço como sendo meu. Encheram vilas e cidades de automóveis, de gente ao jeito de novos-ricos, pacóvia, inchada de valores superficiais que derretem mal chegam ao calcetado. Pergunta-se como vive, com que dinheiro, o português médio a quem os preços elevados não assustam, o desnorte da paisagem, as estradas entupidas, as cidades entregues ao turismo que tudo submete e destrói, nada disso os inquieta, os revolta, os faz rever as opções que os sucessivos governos tomaram em seu nome. Óbidos é disso o exemplo mais fragrante. Há anos que lá não ia e foi com espanto e revolta que arrastei os pés pelas suas ruas, levantei os olhos a fachadas, vi pelo menos uma igreja transformada em espaço comercial, o conjunto da velha fortificação transfigurada num verdadeiro centro comercial a céu aberto, com toda a espécie de porcarias, inutilidades, porta sim, porta sim, numa gigantesca pocilga que me obrigou a desistir e ficar à conversa com o Lionel num banco de pedra, enquanto os restantes amigos subiam e desciam ruas e becos seduzidos por insignificâncias que não dão sentido nenhum à vida antes a reduzem a necessidades frívolas. Se me fosse possível dar um conselho aos meus leitores, diria para não porem os pés num sítio desorganizado, pateta e destruidor dos valores do passado tão necessários ao impedimento oco e desleixado e corrupto dos nossos dias. Aquilo é também a prova provada da cultura saloia dos presidentes de câmara, gente sem formação, sem cultura, sem o mínimo de bom-gosto para quem o importante é desmontar o passado construindo o futuro sobre os alicerces da propaganda, da vaidade, da corrupção e da imagem untada do horror. 


terça-feira, agosto 26, 2025

Terça, 26. 

Outro dia, pelas 10 da noite, estando eu sentado num pequeno café no aeroporto a aguardar a chegada dos meus amigos, sou sacudido por uma velha personagem que reconhecendo-me se precipitou para mim pedindo-me um abraço. Era o filho mais novo de um casal simpático que tinha um restaurante na Quinta do Anjo onde eu ia com frequência quando cheguei a Palmela. Abraçou-me forte. “Você está na mesma, o físico igual, lembro-me das histórias que contava, você tinha sempre histórias para contar.” Despejado o saco, reconheci o sorriso do rapaz de então, hoje quase intocável não fora a simpatia de circunstância que me obrigou a oferecer-lhe os meus óculos para lobrigar a realidade. “Você continua a escrever?” “Quando me deixam, sim.” Depois convidou-me a visitá-lo na sua quinta no topo do monte sobranceiro a uma terriola chamada Cabanas. 

         - A propósito. Na meia hora que estive a aguardar a chegada dos meus amigos, em face das chegadas, àquela hora tardia, era impressionante as toneladas de gente que brotava da boca escancarada. A capital sofria uma invasão nocturna, a todos os minutos passavam para o lado de cá centenas e centenas de turistas e naturais. Aqueles quintuplicavam estes e perguntava-me como pode Lisboa receber tanta gente. Que mistério se desenrola que nos deixa atónitos, aflitos mesmo, ante a invasão descontrolada de mundos que mal tocam o nosso, reconhecida no Chiado onde hoje estive, imagem da desordem, da descaracterização, montada na euforia das pedras todas colocadas pelos Governos num só lado – o turismo. 

         - Lionel contou-me que na unidade que dirige no hospital de Estrasburgo, há um padre que lhe disse não acreditar na existência de Deus. Será possível?

         - Vou despachar-me porque vamos hoje a Caldas da Rainha ver Bordallo Pinheiro.


sexta-feira, agosto 22, 2025

Sexta, 22.

A ONU há mais de um ano que tem vindo a alertar para a fome na Faixa de Gaza. Ontem, declarou oficialmente em tom sonoro, que a fome é uma realidade.  Mais de meio milhão de pessoas vive com fome em Gaza e o número poderá vir a aumentar nas próximas semanas.  Como de costume, Israel rejeita a análise que diz ser propaganda do Hamas. A verdade é que mais de meio milhão de palestinianos vive com fome e o número não pára de crescer. Segundo as Nações Unidas “somando Khan Yunis (29,5%) e Deir el-Balah (16%), a situação de fome poderá abranger cerca de dois terços da área total da Faixa de Gaza, um território de 365 quilómetros quadrados onde vivem mais de dois milhões de palestinianos”. O ataque de 7 de outubro causou a morte de cerca de 1200 pessoas e 250 reféns em Israel. Por sua vez, a ofensiva israelita em grande escala provocou mais de 62.190 mortes em Gaza, a maioria civis, segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza, considerados fiáveis pela ONU. Netanyahu, o mentiroso do regime, desmente e empurra para o HAMAS a culpa como se as modernas tecnologias não nos dessem a ver o iniludível.  

         - Como se o mundo estivesse bem e se recomendasse, eis que Trump abre nova frente de combate, desta vez ao narcotráfico. Mandou para a Venezuela três navios de guerra e 4500 soldados, Maduro mobilizou de imediato milhões de milicianos. Mais: duplicou para 43 milhões de euros a recompensa por informações que levem à captura do Presidente venezuelano, que acusou de ser um narcotraficante. 

         - No fundo, no fundo Trump pensa que pode comprar o Prémio Nobel da Paz. Meteu isso na cabeça e ninguém lhe tira a ambição por legítima. Os negócios para ele são uma forma de estabelecer a paz entre os povos. Ainda não se viu nada de construtivo, mas ele apregoa não sei quantos acordos de paz. O dois, Putin e ele, apoiam-se mutuamente. 

         - O tempo arrefeceu ligeiramente; os fogos continuam a reduzir a cinzas milhares de hectares de floresta. Há fogos que duram há semanas. Montenegro apresentou um plano para lhes fazer frente e de ajuda aos prejuízos. O senhor Brilhante do PS, passando por cima o desastroso serviço em 2017, contesta. O costume. O pós-fogos vai ser igualzinho a todos os outros na dupla PS/PSD que tem governado este pobre país. 


quinta-feira, agosto 21, 2025

Quinta, 21.

Nunca me deu tanto prazer pagar a alguém pelo seu trabalho. Foi caro, mas valeu a pena. Ele veio por indicação do Sr. Correia que aqui todos os anos grada a terra. Terá setenta anos, mas o vigor, a honestidade, a simbiose entre eficácia e conhecimento é perfeita. Disse-me que já tivera dois enfartes, que anda vigiado, que arranjou uma rapariga com quem se entende muito bem, que não me atormente eu pela força e rapidez da entrega ao trabalho. Aconselhei-o a ser mais calmo, menos rápido. Riu-se. Mais uma vez digo: quando não tiver meios para trazer a quinta limpa e bela, entrego-a aos americanos por uma pipa de massa. 

         - Há um autor que descobri este ano e me enche de prazer lê-lo não só pelo que diz, sobretudo pela profundidade e simplicidade do que pensa: Robert Walser. Suíço de nascimento o que por si só seria um aborrecimento e me levaria a pô-lo de parte, mas porque através da sua obra e mormente os últimos anos passados num hospício, em Herisau, por depressão e esquizofrenia, interiorizou a ideia do momento como consubstanciação do instante. A vida feita de pequenos nadas, de recordações simples, o seu horror ao grande, a todos os que se tomam por importantes, quando na realidade não têm importância absolutamente nenhuma. 

A registar: 

“Só através dos erros se adquire traços de carácter interessantes... A maldade existe para criar contrastes e trazer vida ao mundo...”

“Nenhum escritor está obrigado à perfeição. Admiremo-lo com as suas fraquezas e as suas idiossincrasias.”

“As naturezas criativas são avessas à especulação. Isso distingue-as dos especuladores.”

         - Quanto vale uma vida? Nada. Em França, um tipo habitué da Internet, foi morto com torturas, ofensas, humilhações. A assistir ao suplício consentido pelo infeliz, estiveram milhares sentados diante dos seus computadores. Ante isto, que dizer? Abre-se-nos um vazio imenso onde a morte parece dar sentido ao destino de uma vida. 


quarta-feira, agosto 20, 2025

Quarta, 20.

Abrir uma grande clareira de vazio e preenchê-la com a serenidade que traz o labor minucioso do pensamento. Foi o que fiz ontem. Não tendo deixado este espaço, sentei-me no salão e entreguei-me à leitura como se estivesse a soletrar pela primeira vez cada palavra. Momento mágico, assaz misterioso, que me envolveu todo o dia até à chegada da noite. Em sucessivas golfadas de silêncio e entrega, foi-me possível saudar a vida como bênção divina. 

         - Sem me alhear do que à minha volta se passa e do que vai pelo mundo. Aqui é a via-sacra dos fogos, a dor dos aflitos, a perda dos entes queridos, a paisagem varrida pela desolação, o aproveitamento assassino que de tudo isto fazem os partidos. Loas dou ao actual secretário-geral do PS que se posicionou contra o debate de urgência na Assembleia sobre os incêndios pedido pelo Chega, PCP e não sei mais quem, talvez o BE mas a menina está de férias e, graças a Deus, desapareceu do mapa (a dos cãezinhos, com aquela voz de oração, já voltou), por não querer participar na “chicana política”, garantindo que o seu partido não fará ao primeiro-ministro o que Montenegro fez a António Costa. O toque é inevitável. Bref

         - Enquanto uma embaixada de gente ilustre (ou como tal se julgam) europeia foi apoiar Volodymyr Zelensky na reunião para o fim da guerra na Ucrânia realizada anteontem na Casa Branca, espécie de endeusamento do enfatuado Trump, Putin, mais esperto e seguro, bombardeou várias cidades e Kiev. Eu sou dos que não espero nada de proveitoso destes encontros. O tirano russo, sabe que cala e acalma o actual Presidente dos EUA, oferecendo-lhe negócios chorudos – é simples e ganham os dois. 

         - Fui num pé e vim noutro. Às dez da manhã chegava a Sete Rios e por volta do meio-dia e meia estava em casa. Fui ao Bangladesch buscar as almofadas que entreguei à equipa de costureiros para fazer. Já somos velhos amigos e quando me despedi apertei a mão ao meu artista preferido - o que fez o toldo. Tive de me entender com ele em inglês o que o surpreendeu. “Você falhar inglês!” 

         - Ontem foi o primeiro dia que mergulhei na piscina de água cristalina de um azul magnífico. Não sei se ela se vai manter assim perto do azul do céu. Os skymers não me parece que estejam a funcionar correctamente. Seja como foi, a sensação de voltar a nadar, nu, sob o olhar terno das nuvens e o calor do Sol, incentivou-me a aceitar a vida sob o manto enérgico que espraie bafagens de felicidade e saúde. 


segunda-feira, agosto 18, 2025

Segunda, 18.

A tertúlia da Brasileira decaiu imenso desde os tempos áureos de antes do 25 de Abril de 1974 e nos vinte anos posteriores. Hoje não existe à parte dois ou três tipos que não podem passar um dia sem lá ir, entretidos a repetir discursos, lengalengas de caris que eles chamam de esquerda (entenda-se PCP) do mais arcaico que se possa imaginar e sem suporte ideológico e muito menos capaz de aceitar a opinião contrária. Um exemplo. Falavam dos fogos que assolam o país e tantos prejuízos têm causado e aflições a populações inteiras, remetendo para o actual Governo toda a responsabilidade, “porque Luís Montenegro não fez como António Costa que esteve ao leme nos períodos mais difíceis”. (Abro um parênteses convidando o leitor a ler o que escrevi, Sábado 16.) Disse que o camarada António Costa fez tão melhor nos fogos de 2017, em Pedrogão,  que 66 pessoas morreram queimadas e centenas ficaram feridas. Resposta: “Mas isso foi outro fogo.” E lá continuaram a defender o patrão. Então perguntei: “Quer dizer que há fogos maus para Costa e bons para Montenegro?” É esta qualidade de conversa que ali se desfruta. Não quero consumir o meu precioso tempo neste roçago inútil, daí que tenha espaçado e muito as idas ao Chiado. 


domingo, agosto 17, 2025

Domingo, 17.

Enfim, tenho a piscina cheia. Ficou engraçada com aquelas manchas de tinta azul ao lado de pedaços de outras sem tinta quase nenhuma, produzindo sob a água que o sol dinamiza em bruxuleantes brilhos que nunca param quietos, um efeito risível que não se compadece do falso surrealista que ousou pintá-la. Não me atirei ao primeiro mergulho, porque a água vinda de 80 metros de profundidade, era além de cristalina fria como ó caraças. Mas adverti a Mai Hong que chegará esta semana, que a pode usar a seu bel-prazer. 

         - O Corte Inglês já não é aquele sítio que António Barreto aquando da sua inauguração disse ser “o único lugar civilizado” em Lisboa. A degradação surpreende os nossos olhos e a vulgaridade no trato está instalada, fazendo de um lugar antes atencioso, uma grande barraca onde tudo é caro sob o aspecto de chique. Em Julho, cobraram-me em duplicado o montante das minhas despesas – estou até hoje à espera que me reembolsem do abuso. Desde então, e-mail vai, e-mail vem e o dinheiro continua do seu lado. Disse-lhes: “Às catacumbas (secção de pagamentos) nunca mais irei, porque não estou para ser atendido por um batalhão de gente sem preparação nem educação.”  

         - A grafia habitual de Valter Hugo Mãe, encontro-a com frequência em Machado de Assis, como nesta passagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas: “No dia seguinte, antes de me receitar nada... (pág. 59)” 

         - Nilton esteve aí ontem a reparar a torneira da mangueira grande que leva a água à piscina. Gosto imenso dele e da mulher, e apanhei para lhes oferecer uma taça de figos. Sentaram-se no lounge a comê-los, a conversa foi desfiando ao encontro do nada onde tudo renasce e se constitui matéria de vida. Disse-lhe: “Você admira tanto Bolsonaro que até quando se exalta tem os mesmos esgares.” Nunca o tinha visto rir com tanta vontade. Ele pertence à direita dos pobres que o apoiam, provando às esquerdas que não são donas exclusivas da verdade dos mais necessitados. Ou dito de outro modo: os mais necessitados não são necessariamente de esquerda. 


sábado, agosto 16, 2025

Sábado, 16.

Suponho que nada de importante teríamos de esperar daqueles dois trafulhas não fora os negócios que um e outro sempre desenvolveram ao longo dos anos. Putin e Trump são feitos da mesma matéria e ambos carregam a palmatória que rebaixa quem lhes faz frente. Um vivendo e mantendo um regime ditatorial, tem mais peso como prova a razia de mortes dos seus adversários mais próximos; o outro, impedido pelas leis democráticas, vai a pouco e pouco servindo-se da régua do amigalhaço para pôr na ordem quem lhe faz frente. Aos dois interessam os seus interesses pessoais. No panorama mundial, o único que se destaca em dignidade, mérito e competência, é Zelensky. Tudo o resto é arraia miúda sem préstimo. 

         - Por cá, temos de considerar que os fogos são normais. Servem um infindável mundo de interesses e atiram para a ribalta toda a mediocridade de políticos sem categoria nenhuma e até são espectáculo para televisões sem tema que preencha as horas infindáveis dos telejornais. Apreciei aquele autarca que em aflição disse o que o povo semeia por todo o lado: que isto é uma merda de gente. Já morreu uma pessoa, dezenas viram os seus haveres reduzidos a cinzas, a paisagem transformou-se num torrão preto, mas isso é normal e não deve tirar o sono nem o direito a férias a nenhum político. Que merda de país, hein! 


sexta-feira, agosto 15, 2025

Sexta, 15.

Esta manhã demorei-me uma boa hora na esplanada da Brasileira. Combinara com o CR (não é esse que nada tem a ver comigo nem me interessa minimamente salvo no apego ao trabalho persistente) que, como bom africano, ao cabo de sessenta minutos ainda não tinha chegado. Não se pode contar muito com estes buliçosos de mente sempre perdida em África, inadaptados por condição, perdidos entre europeus que nada têm a ver com eles. No entanto, correndo uma aragem fresca depois dos dias tórridos que temos vivido sentia-me bem ali, um entre os demais, estrangeiros naquele pedaço de chão que Fernando Pessoa sustenta em constante companhia para uma foto de passagem tirada à maneira. Ele que pouco frequentou aquele café, um século depois é uma espécie de deidade onde se sentam à sua mesa os ignorantes da imensa e preciosa obra que ele nos deixou. A mim, enquanto expandia o olhar sobre a multidão de pacóvios vindos das quatro partes do mundo em busca do sol e praia, tropeçando naquela figura esfíngica de chapéu e óculos, perna traçada e olhar compenetrado, disse para mim feliz pela manhã desocupada e fresca, limpa e solta: “Ai que prazer não cumprir um deve, Ter um livro para ler e não o fazer, Ler é maçada, Estudar é nada, O sol doura sem literatura” ... e por aí adiante, a cabeça largada ao encontro do poeta ali, só, a refazer os poemas cozidos na pele de cada passante... 


quarta-feira, agosto 13, 2025

Quarta, 13.

A China, bem vistas as coisas, não acrescenta nada com os seus robôs humanoides ao que os judeus, em 1850, criaram com o seu Golem. O impulsionador da figura nocturna, foi  o rabi Löw, que viveu em Praga por volta da mesma época. Quando cheguei a Praga, logo me dirigi à zona judaica – cemitério, antiga sinagoga, sinagoga de Pinchas e câmara israelita – uma vasta zona por onde deambulei várias horas e onde deixei numa incrustação mural no antigo cemitério, um papel com duas palavras magoadas pelo sofrimento e morte causados pelo Holocausto. Este Golem talvez tenha origem no Talmude e daí alguns rabinos próximos de Deus terem essa capacidade de criar uma tal figura em grande parte justiceira. O Golem do ilustre rabi Low ou Loew, era uma figura como qualquer outra, com um único senão que mais tarde veio a ser reconhecido como conveniente: não falava (aqui os chineses ganham aos pontos). Praga borbulhava de judeus, as cenas tidas por indecentes, nomeadamente, as sexuais obrigaram o rabi a tomar medidas severas. Um dia ele diz ao Golem:“Sabe que nós te fizemos com um pouco de terra. O teu dever é proteger os judeus de persecução. Tu te chamarás José e habitarás no Rabinato. Tu, José, cumprirás as minhas ordens. Irás aonde te ordenar, seja qual for o lugar e o instante, no fogo ou na água, mesmo que te diga para saltares do telhado ou entrares no mais profundo oceano.” A comparação com os humanoides chineses, talvez não seja de todo descabida. 

         - Não sei que diga. Uma mulher com problemas num rim, acaba de dar à luz na... rua! Falou para o Saúde 24 e foi aconselhada a meter-se no seu carro e ir ao hospital mais próximo. Esta gravidade e descrença na ministra e no SNS, calha bem às oposições que se estão nas tintas para a parturiente. Tantas cenas canalhas aconteceram no governo do que vive feliz em Bruxelas, mas a memória colectiva é fortemente combatida de modo a que só o presente interesse. Dito isto, o estado a que o SNS chegou, não é só culpa deste executivo ou do anterior, é um trabalho paciente de descrédito dos sindicatos, associações, partidos e interesses particulares do sector da saúde. Este e as companhias seguradoras, riem-se felizes. 

         - Aquela lei idiota que o homem de Bruxelas criou chamada auto-declaração por doença, permitiu ao trabalhador abusar a um ponto que hoje, patrões e médicos, pedem a este Governo que a altere. No que se vê, é que os doentes só tinham doença aos fins-de-semanas e pontes. Como é que um dito socialista, com largo tempo em cargos públicos, inclusive autarquias, desconhece deste modo o povo português! Os patrões foram prejudicados com uma lei que não conhece a realidade e, à boa maneira socialista, obrigados a pagar a quem não trabalha. A verdade é esta: somos um país de irresponsáveis. 

         - Muito calor. Só se pode pôr a cabeça de fora, depois das cinco. 


terça-feira, agosto 12, 2025

Terça, 12.

Para se salvar dos crimes cometidos na Faixa de Gaza e da corrupção que aguarda sentença e tem sido sucessivamente adiada, Benjamim Netanyahu não se importa de destruir a benevolência que o mundo tem tido com o massacre e humilhação de há meio século ao povo palestiniano. É um mentiroso compulsivo, tudo faz para se salvar e manter no poder, mesmo que para tanto tenha de destruir o belo território com varanda para o mar, que os capitalistas americanos e árabes tanto anseiam para gozar. Conseguiu que a maior parte das nações do mundo, paulatinamente, venham a reconhecer o Estado da Palestina. Ontem, matou mais uns quantos jornalistas da Al-Jazeera, assim como toda a equipa da emissora na Faixa de Gaza. O homem alucinou, não vê nem ouve os próprios israelitas a pedirem o fim da guerra. É um monstro igual aquele que o povo americano elegeu para presidente. A propósito deste. Anteontem, o canal 2 da televisão francesa, emitiu um programa que prova o envolvimento de Trump em vários domínios com a Rússia. Não é de agora. Já o pai dele teve negócios com o poder em Moscovo. 

         - Ontem passei na Brasileira. Pensava que o tema seria o episódio televisivo incluído no programa Cafés Históricos, mas não. Virgílio, de quando em vez, perguntava: “De quem se vai hoje falar mal?” Com razão. Ali ninguém se salva, às vezes até os presentes são chamuscados, mas sobretudo os ausentes saem destruídos. Em cada um daqueles artistas há um génio por despontar, um imortal a atravessar a bruma espessa da eternidade.  

         - A mim convêm-me às mil maravilhas esta frase de Fernando Pessoa: “Ser solitário para ser sincero e puro na alma. O homem ente colectivo – é um ser corrupto.”    

          - A minha conta de electricidade não pára de grimpar. Quem esfrega as mãos de contentamento é o patrão Xi Jinping ping ping. O capitalismo de Estado, por aquelas bandas, está nos píncaros. O ditador que matou milhares de pobres coitados, Mau Tsé-Tung, já deve ter dado várias voltas no caixão. 

         - A pouco e pouco as coisas vão-se resolvendo. Esta manhã fui com o carro à inspecção e veio de lá com o diploma de honra. 


domingo, agosto 10, 2025

Domingo, 10.

Putin não deve deixar a sua fortaleza por nada com medo de ser preso pelos crimes que tem praticado na Ucrânia. Daí Trump ter anunciado para sexta-feira um encontro com o ditador no Alasca. Vão entender-se sobre o fim da guerra na Ucrânia, cada um sentado no trono omnipotente que permite excluir a vítima principal, Zelensky, e entenderem-se segundo os seus interesses. Pensam que os dois são os senhores do mundo. Um, qual imperador, no fito de reunir o império perdido; o outro montado num ego inchado de maledicências que pretende encobrir com a chama olímpica do Prémio Nobel da Paz. O que preside aos destinos da América, é um pobre diabo que crê nas suas faculdades potenciadas na riqueza, no dinheiro que tudo comanda e subverte, não se dando conta da esperteza cínica e viperina do seu homólogo. Este, não obstante a marcação do encontro, prossegue os bombardeamentos como aconteceu a noite passada, provando que quer ganhar tempo e distrair o seu interlocutor. A Europa que devia estar atenta, está a gozar férias nos destinos paradisíacos onde não se pensa se não em sopas e descanso. 

         - A força da ideologia no governo da nação é tão forte, que a Justiça impera sob o jugo dos dois maiores partidos da clássica nomenclatura nacional: PSD e PS. O projecto-lei para a imigração, devia ser observado unicamente à luz dos códigos jurídicos e não da disputa ridícula entre o Presidente e o vice-Presidente do Tribunal Constitucional. Dizer que a decisão do TC quanto é sorte dos imigrantes é humana, é carregar sobre a interpretação da lei valores que lhe são implícitos e não precisam do cartão partidário para nada. 


sábado, agosto 09, 2025

Sábado, 9.

Se houve um extenso dia de trabalho de toda a ordem que terminou no fundo da piscina pelas nove da noite, foi quinta-feira. Não vou dizer que a pintura da dita cuja esteja uma maravilha, não está. Todavia, no estado de cansaço e dores de costas em que o fiz, mereço dizer a mim mesmo que és um valentão. “Helder, és um bravo rapaz!” Depois, no dia seguinte, fui observar a obra do artista e foi a grande desilusão. A piscina está transformada numa obra surrealista com aquelas manchas de azul dadas sem simetria nem sentido do traço. Tapei os estrados do tempo, as manchas dos ácaros e lodos, e transformei o tanque numa bandeira sem território nem vassalagem. Agora está a secar para daqui a oito dias poder enchê-la e mergulhar como quem se afunda num espaço de ninguém. 

         - É evidente que Benjamim Netanyahu tem o apoio que lhe permite abastecer-se de toda a Faixa de Gaza. Mesmo que o mundo, os israelitas, o seu próprio exército estejam contra, fala mais forte a força da cumplicidade, do compadrio, da corrupção e da ambição. Cada vez dou mais razão a Alexandra Lucas Coelho quando o ano passado disse que “Israel acabou. O futuro é da Palestina.” Eu tenho uma profunda simpatia pelo povo palestiniano. Um povo amachucado, humilhado, sem pátria e muitas vezes sem chão, que durante mais de cinquenta anos tudo suportou às mãos de governantes criminosos, que sempre o quiseram escorraçar da sua pátria, com a conivência da União Europeia, de alguns Estados árabes e da América. Para toda esta gente, o povo palestino não passa de um monte de dejectos que é preciso enterrar. 

         - Até agora, 11,00 horas, não se conhece se Putin abandonou os bombardeamentos à Ucrânia tal como lhe impôs o cómico Trump. É caso para dizer, que o ditador russo tem o peixe autocrata na mão. 


quinta-feira, agosto 07, 2025

Quinta, 7.

São dilacerantes as imagens que continuam a chegar da Faixa de Gaza. Todos os dias morrem crianças e adolescentes à fome sem que isso toque o coração dos que se dizem crentes em Israel. O deus da ceita religiosa que apoia Netanyahu não se compadece. Contudo, há que assacar também responsabilidades àqueles que fornecem as armas ao Governo ortodoxo. No interior da classe governativa assim como no Exército, há quem pense que a ideia de Israel em se instalar no território que não lhe pertence e cuja ambição levou ao genocídio dos palestinianos, não é bem vinda. Honra seja feita ao primeiro-ministro esloveno, Robert Golob, o primeiro entre os 27 países da UE, a embargar armas a Israel.  Este ao menos não é cúmplice do Holocausto palestino. 

         - Ontem, no programa Cafés Históricos da Europa realizado pela SIC, tocou a Portugal. A Brasileira esteve em destaque, com o grupo dos tertulianos chefiados pelo António Carmo e para o qual eu havia sido convidado e recusei. Tenho acompanhado  a série, do meu ponto de vista de grande qualidade, mas que desceu um tanto porque ninguém atendeu com préstimos culturais e valores históricos, ao reduto “intelectual” daquela instituição. O que se ouviu foram banalidades, e nada se disse do passado do café como refúgio e impulso para a liberdade de que hoje beneficiamos. Centrar a Brasileira em Pessoa só porque Lagoa Henriques esculpiu a imagem do Poeta sentado à mesa de café, é muito pouco e merecia bem mais. De resto, basta comparar a intervenção de intelectuais e artistas noutras paragens da Europa por onde o programa se deteve, para que nem comparação possa existir. Hoje o estabelecimento é uma máquina de fazer dinheiro que o senhor Miguel (o único que disse coisas acertadas) quis honrar sem, contudo, o conseguir. É sobre os costados de tantos artistas e intelectuais, jornalistas e pessoas simples, que ali esgrimiram a revolta e a indignação a um poder absoluto que reinou durante cinquenta anos, que hoje a sua memória fornece o lucro fabuloso que os estrangeiros ignorantes ali deixam. 

         - Levantei-me cedo com o intuito de apagar as manchas negras que desfeiam a piscina. Acontece, porém, que o dia acordou cinzento, e grandes manchas de água impediram o trabalho. Esperei que o Sol rompesse o que aconteceu por volta do meio dia altura impossível para começar a minha tarefa.  Fá-la-ei daqui a bocado quando o calor descer.  


quarta-feira, agosto 06, 2025

Quarta, 6.

Ontem o dia e a noite foram insuportáveis. Foi para mim o segundo mais quente e sufocante desta série de dias de altas temperaturas. Apesar de dormir de janela aberta, nem por isso tive um sono calmo e duradouro. 

          - Oleg veio trazer-me a caleche. É mais um ucraniano honesto e competente a somar aos muitos que por aqui têm passado com particular saudade pelo Roman que Deus o tenha no eterno descanso. Quanto lhe devo, perguntei. Nada. Em que mundo vivo eu? 

         - Como se previa, o autócrata desprezível Netanyahu, amantizado com Trump e muitos outros políticos hipócritas, vai expandir o seu naco de terra para a Faixa de Gaza, numa apropriação criminosa que espero os países decentes se oponham. Tal como tem vindo a fazer na Cisjordânia, aí irão nascer colonatos de luxo à beira-mar para americanos ricos, seguindo a cartilha do rei do mundo. 

         - Há outro criminoso que se quer apoderar de território ucraniano – Vladimir Putin. O prazo dado pelo soba americano para entrar em negociações de paz, termina sexta-feira se o dito cujo cumprir a palavra o que não é certo, nem tem sido. Perante a incógnita, o exército russo devasta zonas importantes de forma a ficar com o quinhão maior. Os oblates de  Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporijjia quer o ditador anexar à Rússia. Se tal acontecer ou o rufia ceder, é uma derrota para um povo digno que se soube bater pela defesa e integridade da sua pátria. Espero, também aqui, que o mundo se una contra esta enfiada de espúrios que hoje exercem o poder. 

         - Recorda-se hoje os 80 anos do lançamento das primeiras bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui. Há quem tente desculpar os seus autores atendendo à personalidade e política de Josef Estaline. Nesse grupo não me encontro eu, porque não esqueço os 240 mil japoneses reduzidos a cinzas e quem se atreveu a tamanho horror. O Japão, esse país onde o bom-senso impera sobre o assunto, tem sido um exemplo de honorabilidade para a Comunidade Internacional e a hipocrisia dos EUA no tocante à difusão das armas nucleares. “A base para alcançar um mundo sem armas nucleares é a compreensão correta do facto da bomba atómica”, disse o primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, acrescentando: “Liderar a comunidade internacional para alcançar um mundo sem armas nucleares é a missão do Japão como único país que sofreu a bomba atómica na guerra e que aplica os três princípios não nucleares” a saber: não produzir, não possuir e não permitir armas nucleares no seu território. 


terça-feira, agosto 05, 2025

Terça, 5.

O HAMAS divulgou vídeos dos reféns que retém desde 7 de outubro de 2023. Imagens impressionantes, que nos revoltam, nos fazem descrer dos homens e nos põem a pensar até onde pode ir a banalidade do ódio e o desinteresse pela vida humana. A verdade é que elas são tão assustadoras e insuportáveis, como as que vemos do lado oposto, com crianças a morrer de fome, cadáveres espalhados sob e sobre os escombros das vilas e cidades destruídas pelo ódio de Netanyahu e seus companheiros. Não anoto isto com a ligeireza de quem se exprime e fica feito, mas de quem sofre e tem transtornos nocturnos, desistências psíquicas, ante o drama de uma região, de um povo inocente, que sempre fora reduzido, humilhado, espezinhado pela soberba dos israelitas como se fosse um montão de gado que para ali está. Aliás, ainda ontem, preto no branco, o primeiro-ministro mostrou ao que vem ao dizer que controlaria toda a Faixa de Gaza, apropriando-se de um lugar que o idiota da América quer transformar num sítio para endinheirados passarem o fim de vida e férias douradas. É este desprezo que me revolta e devia revoltar qualquer ser humano.  

         - Ao que diz o Púbico online, cerca de 42 mil hectares foram consumidos pelo fogo. Os incêndios não dão descanso a bombeiros e populações que habitam em vilas e aldeias perto das serras. São o flagelo sazonal que leva Portugal a abrir noticiários todos os anos nas televisões estrangeiras e o retrato do que acontecera em anos precedentes. Todos nós já vimos este cenário, ele é o registo da incompetência dos sucessivos governos e das autarquias que não actuam contra os criminosos que ateiam os fogos e as indústrias que esfregam as mãos de contentamento com as madeiras que dai resultam. O território, anos após planos e discussões continua igual, sem fiscalização nem cumprimento dos estudos feitos para prevenir e evitar esta desgraça. Uma boa parte dos incêndios este ano como em anos anteriores, são fogos postos. É isto Portugal.  

         - Um mal nunca vem só. Depois do descarrilamento das minhas finanças, eis agora o carro que geme em vários pontos do sistema. O Oleg veio buscá-lo esta manhã para o pôr sólido de forma a passar na inspecção. Estou, pois, apeado e com um programa carregado.

         - Um pormenor sem importância nenhuma. Pedro Nuno Santos, diz que não renuncia “para já” ao lugar de deputado. Pudera! Foi a política que lhe permitiu começar a ganhar um salario decente e foi ela que lhe abriu a propriedade de várias casas (sem falar no apetite por carros de alta cilindrada). Ora! Então o homem é ou não é socialista?! 


domingo, agosto 03, 2025

Domingo, 3.

Eu não aceito defender Israel porque um punhado de terroristas, que Netanyahu fingiu durante muitos anos ignorar, atacou barbaramente umas centenas de raparigas e rapazes que se divertiam numa festa e os fez reféns volvidos dois anos. Contra eles, matou Netanyahu, Trump, a UE, e outros mais para cima de 56 mil palestinianos, parte dos quais crianças, muitas destas à fome. Estou em parte com António Barreto quando afirma: “O Governo de Israel tem todo o direito a defender a sua existência, cabalmente legalizada há décadas, mas não tem o direito de massacrar outros na maneira como está a fazer em Gaza e se prepara para fazer na Cisjordânia. Tem o direito de atacar o Hamas e o Hezbollah, assim como os governos da região que os apoiam, mas não tem o direito de massacrar um povo. O Governo de Israel raríssima democracia (democracia? Registemos a observação) naquela região do mundo, não tinha o direito de infligir esta derrota ao seu povo e à democracia do seu Estado.” 

         - Ontem e hoje, sob calor tórrido, na hora em que ele mais queima, andei lá fora a dar serventia ao Nilton. Decide, não sem me queixar, esvaziar a piscina depois de ter gastado para cima de cem euros em produtos que não podiam ter qualquer feito sobre a água atendendo o seu estado de dois anos parada e às altas temperaturas. Aceitei a oferta do Nilton para limpar as paredes e o fundo e, nesse propósito, com duas bombas conseguiu-se quase despejar o tanque. Agora, 14,30, espero por ele e pela apaixonada que sempre o acompanha. O fundo é um lodaçal que vai ser aspirado pelo ralo para o exterior. Todavia, ao olhar as paredes e o lado baixo da construção, verifico que há sítios onde a tinta desapareceu e começo a cogitar se, ante a beleza e o esforço do conjunto, não devo retocar aqueles espaços. Mas esse trabalho, vou eu próprio fazê-lo. 

         - A expressão “qual é que é” está por todo o lado. Nas bocas dos ignorantes, dos ricos, dos ditos cultos, até dos professores, para não falar nas dos políticos, jornalistas, apresentadores, etc. etc..  

         - Há um crime hediondo que não é a primeira vez acontece no nosso país: a decapitação. Desta vez ocorreu entre dois imigrantes que se conheceram na Internet, um nigeriano, outro africano. Ambos estudavam em Portugal e aqui viviam há algum tempo. Foi marcado encontro. Logo o africano, de 34 anos, começou a seduzir o nigeriano de 27, que não esteve com meias medidas e avançou para ele decepando-lhe a cabeça com a faca da cozinha. Uns dias depois, foi entregá-la dentro de um saco de plástico no Hospital de S. José sem dizer que estava envolvido no caso. Ficou preso. 


sábado, agosto 02, 2025

Sábado, 2 de Agosto. 

Espera-me um mês agitado com entradas e saídas do hotel. Toda a azáfama que vier, acrescenta trabalho ao trabalho que por aqui nunca pára. Ando enredado em tanta coisa para resolver, para acudir, para terminar que ninguém faz ideia. Cheguei a uma fase da vida que devia ter direito ao descanso ou, pelo menos, a largos momentos de ripanço. No princípio, quando escolhi instar-me aqui, era para me dedicar na tranquilidade dos dias à escrita e ao silêncio seu companheiro. Sei agora, excluindo o silêncio, que nada disso fez consistência e se traduziu em realidade vivificadora. Vivo assaltado de preocupações, de urgências, disto e daquilo que é necessário fazer avançar. A ideia do campo idílico, nostálgico, adormecido na relva fresca, com os ocasos lânguidos, fixos no fundo do horizonte, emoldurados do brilho-sangue, foi uma imagem de apelo, é hoje um sinal de repelo. Há mais de um mês que Ana Boavida me espera, me pisca olho, me incentiva a ir ao seu encontro, jurando que tem ainda muito para me contar. Eu disfarço, faço-me bom, finjo não dar por ela no fio das horas, murmurante, cativadora, exaltada, desfiando o apetite e a excitação que há em mim e vai a pouco e pouco murchando, desligando-me da vida, a verdadeira, aquela que me leva para parte incerta, me desmultiplica, me seduz e prega na cruz do romance que faz que avança na minha cabeça doida, mas sem expressão nas palavras impressas na folha de papel do computador. Há, assim, uma divisão em mim. Estou parado, com a vida suspensa, no meio de duas margens: uma que me tem por cativo; outra cirandando num remoinho de ventos contrários me atira para o deserto interior como refúgio e santificação daquele que crê e não é atendido. Com efeito, não estou nem sou de lado nenhum. Vivo dividido entre dois mundos, como se sonhos fossem reais e os seres autênticos peças que se movem em torno de delírios consubstanciados em algo que só eu sei, do fundo do coração, quão amargamente sei. A criação é desassossego, é insatisfação, é viver sobre mundos que não descem dos céus nem sobem dos infernos. É como um micróbio que nasce e morre sem nunca verdadeiramente ter identidade. Depois, bem depois, em certos dias ou momentos, reinvento-me em cochilos de minutos, às vezes uma hora. Salto da atmosfera fechada, da incubação, e respiro, respiro o ar que as personagens, as palavras, os assomos de qualquer coisa, circunstância ou lugar traduzem, sintetizam-se em horas e dias de maturação e sobressaem da folha em branco como se algo humano tivesse nascido debaixo dos meus olhos cansados, num faixe de luz, cuja unidade é absoluta. Só então me chamo, me interrogo, faço o balanço que a solidão beatifica que escolhi por companheira, num enamoramento que venceu o tempo, a razia das horas e dos anos, e se precipitou no fio limpo e cristalino do silêncio.