segunda-feira, setembro 07, 2020

Segunda, 7.
São 10,53 e acabo de chegar da Indochina. Ou a mim me parece dado que saí pelas sete e meia e só agora retorno. Comecei por fazer o check-up anual, depois como tinha-me esquecido do frasquinho com a dita cuja, fui tomar o pequeno-almoço à Luísa Todi (croissant, meia de leite, um copo de água), e logo arranjei líquido suficiente para a análise; voltei ao laboratório, entreguei o tubo e fui ao Auchan fazer compras. De seguida, meti gasolina no carro e, num posto já perto da vila, estive que tempos à espera que um simpático casal de proveta idade acrescentasse ar aos pneus, lavasse os vidros, cobrisse o depósito do limpa vidros e, por fim, farto de esperar, arranquei rumo a este paraíso e a este silêncio sagrado de onde espero sair só amanhã para Lisboa.  

         - Dito isto, quer-me parecer que as análises obtidas por e-mail, traduzem o estado em que se encontram os Centros de Saúde. Há meses que parecem estar dedicados exclusivamente à Covid – 19, deixando para trás milhares de consultas presenciais, doenças a ferver em lume brando, angustias conformadas. A realidade encarrega-se de negar o Mágico para quem tudo decorre com normalidade, aproveitando a maré do coronavírus para fazer magia propagandística do SNS operacional e disponível para todos. Não desejo ao meu pior inimigo adoeça nesta altura. Já basta as doenças mentais que cresceram com o isolamento da pandemia, assim como a falta de assistência espiritual e psicológica que devia estar superactiva nesta altura. A estrutura de apoio dizem-nos que está operacional. Com efeito, existe um ministério, secretarias de Estado, uma Ordem dos Médicos, hospitais, médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar e estes milhares de operativos onde estão? “Notre monde civilisé n´est qu´une grande mascarade: On y rencontre des chevaliers, des moines, des soldats, des docteurs, des avocats, des philosophes, et que ne rencontre-t-on pas encore?” Schopenhauer, Douleurs du monde, pág. 203, Ed. Rivages.  

         - À funcionária da caixa no super, surpreendi-me eu dos poucos clientes e disse que passarei a considerar a segunda-feira para as minhas compras semanais, acrescentando: “Assim não tenho que aturar o mau humor e deselegância das pessoas por terem de dar passagem aos prioritários. - Isso foi culpa do Governo ao abolir as caixas prioritárias. – Porque pensa que os portugueses são civilizados, mas segundo um deputado de esquerda, não passa de uma raça má e egoísta. – Estou absolutamente de acordo, concluiu ela.” Bravo, João Corregedor! 

         - Com a canícula que não nos larga, voltaram em força os fogos ao centro de país. Vários incêndios decerto criminosos, dão muito trabalho aos bombeiros e dizimam hectares de floresta. Não nos faltava o crescente aumento de casos de coronavírus, ainda mais esta praga difícil de controlar.  


         - Vazio enorme sem a companhia da escrita que parece ter-me abandonado definitivamente. Apesar de considerar as 20 páginas de O Matricida como um bom trabalho, inopinadamente, o livro de Frederico Pedreira, mergulhando no mesmo universo da memória, mas infinitamente mais robusto e divertido, trouxe-me o confronto com a complexidade que eu imprimo à escrita quando com ela mergulho no mais fundo de mim ou da natureza humana que me rodeia. Perco-me nesses abismos sombrios para voltar à superfície mais submerso no destino que me coube recriar. Tudo é o que calhou ser e o seu contrário. Aqui reside a dificuldade que me absorve à exaustão.