Segunda,
7.
São
10,53 e acabo de chegar da Indochina. Ou a mim me parece dado que saí pelas
sete e meia e só agora retorno. Comecei por fazer o check-up anual, depois como
tinha-me esquecido do frasquinho com a dita cuja, fui tomar o pequeno-almoço à
Luísa Todi (croissant, meia de leite, um copo de água), e logo arranjei líquido
suficiente para a análise; voltei ao laboratório, entreguei o tubo e fui ao
Auchan fazer compras. De seguida, meti gasolina no carro e, num posto já perto
da vila, estive que tempos à espera que um simpático casal de proveta idade acrescentasse
ar aos pneus, lavasse os vidros, cobrisse o depósito do limpa vidros e, por
fim, farto de esperar, arranquei rumo a este paraíso e a este silêncio sagrado
de onde espero sair só amanhã para Lisboa.
- Dito isto, quer-me parecer que as
análises obtidas por e-mail, traduzem o estado em que se encontram os Centros
de Saúde. Há meses que parecem estar dedicados exclusivamente à Covid – 19,
deixando para trás milhares de consultas presenciais, doenças a ferver em lume
brando, angustias conformadas. A realidade encarrega-se de negar o Mágico para
quem tudo decorre com normalidade, aproveitando a maré do coronavírus para
fazer magia propagandística do SNS operacional e disponível para todos. Não
desejo ao meu pior inimigo adoeça nesta altura. Já basta as doenças mentais que
cresceram com o isolamento da pandemia, assim como a falta de assistência
espiritual e psicológica que devia estar superactiva nesta altura. A estrutura
de apoio dizem-nos que está operacional. Com efeito, existe um ministério,
secretarias de Estado, uma Ordem dos Médicos, hospitais, médicos, enfermeiros,
pessoal auxiliar e estes milhares de operativos onde estão? “Notre monde
civilisé n´est qu´une grande mascarade: On y rencontre des chevaliers, des
moines, des soldats, des docteurs, des avocats, des philosophes, et que ne
rencontre-t-on pas encore?” Schopenhauer, Douleurs
du monde, pág. 203, Ed. Rivages.
- À funcionária da caixa no super,
surpreendi-me eu dos poucos clientes e disse que passarei a considerar a
segunda-feira para as minhas compras semanais, acrescentando: “Assim não tenho
que aturar o mau humor e deselegância das pessoas por terem de dar passagem aos
prioritários. - Isso foi culpa do Governo ao abolir as caixas prioritárias. –
Porque pensa que os portugueses são civilizados, mas segundo um deputado de
esquerda, não passa de uma raça má e egoísta. – Estou absolutamente de acordo,
concluiu ela.” Bravo, João Corregedor!
- Com a canícula que não nos larga,
voltaram em força os fogos ao centro de país. Vários incêndios decerto
criminosos, dão muito trabalho aos bombeiros e dizimam hectares de floresta. Não
nos faltava o crescente aumento de casos de coronavírus, ainda mais esta praga
difícil de controlar.
- Vazio enorme sem a companhia da
escrita que parece ter-me abandonado definitivamente. Apesar de considerar as
20 páginas de O Matricida como um bom
trabalho, inopinadamente, o livro de Frederico Pedreira, mergulhando no mesmo
universo da memória, mas infinitamente mais robusto e divertido, trouxe-me o
confronto com a complexidade que eu imprimo à escrita quando com ela mergulho
no mais fundo de mim ou da natureza humana que me rodeia. Perco-me nesses abismos
sombrios para voltar à superfície mais submerso no destino que me coube
recriar. Tudo é o que calhou ser e o seu contrário. Aqui reside a dificuldade
que me absorve à exaustão.