sábado, setembro 05, 2020

Sábado, 5.
Almocei com o João Corregedor num restaurante que não conhecia próximo da Praça do Comércio. João diz-me que está a pensar escrever um ensaio sobre o modo como hoje o jornalismo é exercido. Para isso quis ouvir-me. Assim dissertámos pelo menos duas boas à mesa, tendo ele estranhamente pouco desafiado as minhas convicções, mesmo quando estas resvalaram contra a China, Rússia. A dada altura perguntei-lhe, à parte a liberdade, que mais de visível nos trouxe meio século de democracia? Calou-se muito compenetrado, sem resposta. Eu prossegui: continuamos a ter dois milhões e meio de pobres; a vida do resto dos nossos compatriotas é limitada, pequenina, sem rasgos económicos ou culturais; tudo o que eu ouvi contar nos comícios do MDP/CDE como valores alienantes do povo a combater, está hoje realçado e avivado a um ponto que fez da maior parte dos portugueses seres alienados: futebol, Fátima, família; nunca o capitalismo esteve tão florescente, nunca houve tantas centrais de advogados a trabalhar para fazer de corruptos e criminosos homens honestos e tementes a Deus; todas as grandes directivas para abolir a escravidão dos trabalhadores, foram frustradas e quase todas as suas lutas abafadas ficando para a sobrevivência dos sindicados o anual aumento de uns patacos do salário; a saúde está como se vê; o apoio à dita terceira idade com os lares transfigurados em esconderijos e antecâmaras da morte; a indústria quase desapareceu; transformaram o país no bastião do turismo como salvação da pátria; não há planos, anda tudo à deriva sem controlo nem fiscalização; a educação não é um modo de se alcançar a sabedoria, mas o feitiço do ordenado chorudo; somos hoje um povo de patetas com a reformulação das nossas vidas a fazer-se nos espaços televisivos para atrasados mentais; a Justiça não funciona, o seu custo é inacessível à maior parte dos cidadãos; o tecido social e a relação das pessoas entre si, degradou-se imenso; o Estado, as câmaras, os organismos oficiais, gastam sem controlo o dinheiro dos nossos impostos de ano para ano mais elevados, levando cada um de nós a trabalhar em exclusivo para o Estado três meses no ano; somos cada vez mais analfabetos, mais coitadinhos e parece que nos exultamos com isso; a velha máxima, “pobrezinhos, mas honrados” virou “pobretes, mas alegretes”; há nestas sucessivas governações pós-25 de Abril uma enorme leviandade, aproveitamento partidário e pessoal, de costas voltadas aos ideais democráticos e à solidariedade, respeito pelos cidadãos, pela actividade política e governação da polis, no equilíbrio e na igualdade, no labor e no culto do bem comum, tudo substituído pelo baixo jogo manipulado segundo os interesses de uma classe política em défice democrático há muito, que esconde as falhas, o desvario, a incompetência, inclusive, somos maltratados pelo funcionário público que quer impor o seu poder sabendo de antemão que nada lhe acontece, não perde o salário nem é despedido...

         - Grande calor. Andei a limpar a piscina. Primeiro zonzo depois, pés na água, revigorado. Como as despesas não param, parece-me que o relógio automático das horas de tratamento da água está avariado, trabalhando a desoras para a eléctrica chinesa. A felicidade e a joie de vivre, apesar dos azares, reside na leitura de A Lição do Sonâmbulo de Frederico Pedreira e São Paulo de N. T. Wright.