Sábado,
5.
Almocei
com o João Corregedor num restaurante que não conhecia próximo da Praça do
Comércio. João diz-me que está a pensar escrever um ensaio sobre o modo como
hoje o jornalismo é exercido. Para isso quis ouvir-me. Assim dissertámos pelo
menos duas boas à mesa, tendo ele estranhamente pouco desafiado as minhas
convicções, mesmo quando estas resvalaram contra a China, Rússia. A dada altura
perguntei-lhe, à parte a liberdade, que mais de visível nos trouxe meio século
de democracia? Calou-se muito compenetrado, sem resposta. Eu prossegui:
continuamos a ter dois milhões e meio de pobres; a vida do resto dos nossos
compatriotas é limitada, pequenina, sem rasgos económicos ou culturais; tudo o
que eu ouvi contar nos comícios do MDP/CDE como valores alienantes do povo a
combater, está hoje realçado e avivado a um ponto que fez da maior parte dos
portugueses seres alienados: futebol, Fátima, família; nunca o capitalismo
esteve tão florescente, nunca houve tantas centrais de advogados a trabalhar
para fazer de corruptos e criminosos homens honestos e tementes a Deus; todas
as grandes directivas para abolir a escravidão dos trabalhadores, foram frustradas
e quase todas as suas lutas abafadas ficando para a sobrevivência dos
sindicados o anual aumento de uns patacos do salário; a saúde está como se vê; o
apoio à dita terceira idade com os lares transfigurados em esconderijos e
antecâmaras da morte; a indústria quase desapareceu; transformaram o país no
bastião do turismo como salvação da pátria; não há planos, anda tudo à deriva
sem controlo nem fiscalização; a educação não é um modo de se alcançar a
sabedoria, mas o feitiço do ordenado chorudo; somos hoje um povo de patetas com
a reformulação das nossas vidas a fazer-se nos espaços televisivos para
atrasados mentais; a Justiça não funciona, o seu custo é inacessível à maior parte
dos cidadãos; o tecido social e a relação das pessoas entre si, degradou-se imenso;
o Estado, as câmaras, os organismos oficiais, gastam sem controlo o dinheiro
dos nossos impostos de ano para ano mais elevados, levando cada um de nós a trabalhar
em exclusivo para o Estado três meses no ano; somos cada vez mais analfabetos,
mais coitadinhos e parece que nos exultamos com isso; a velha máxima,
“pobrezinhos, mas honrados” virou “pobretes, mas alegretes”; há nestas
sucessivas governações pós-25 de Abril uma enorme leviandade, aproveitamento
partidário e pessoal, de costas voltadas aos ideais democráticos e à
solidariedade, respeito pelos cidadãos, pela actividade política e governação
da polis, no equilíbrio e na igualdade, no labor e no culto do bem comum, tudo
substituído pelo baixo jogo manipulado segundo os interesses de uma classe
política em défice democrático há muito, que esconde as falhas, o desvario, a
incompetência, inclusive, somos maltratados pelo funcionário público que quer
impor o seu poder sabendo de antemão que nada lhe acontece, não perde o salário
nem é despedido...
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Grande calor. Andei a limpar a piscina. Primeiro zonzo depois, pés na água,
revigorado. Como as despesas não param, parece-me que o relógio automático das
horas de tratamento da água está avariado, trabalhando a desoras para a
eléctrica chinesa. A felicidade e a joie
de vivre, apesar dos azares, reside na leitura de A Lição do Sonâmbulo de Frederico Pedreira e São Paulo de N. T.
Wright.