quarta-feira, setembro 16, 2020

Quarta, 16.
O maior escândalo social que desde sempre impera no nosso país, é a falta de respeito, de cuidados devidos aos anciãos, de agradecimento por uma vida de trabalho colaborando com os seus descontos para toda a colectividade. Este flagelo, não acontece com o governo dito socialista, vem desde o 25 de Abril. Os sucessivos executivos, preocuparam-se com a propaganda, com o imediato, com o que vai à televisão barafustar, inventaram um país de sucesso, aplaudiram o PIB, foram reconhecidos lá fora como sendo pessoas competentes, capazes de criar uma pátria equilibrada, onde toda a gente, velhos e novos, tivessem honra e dignidade – tudo uma grande e insultuosa mentira. O país continua como sempre foi: desigual, indiferente aos outros, montado na aparente riqueza que esconde a miséria que a Covid – 19 pôs a nu. Não bastam os dois milhões e meio de pobres, fora os milhares que vivem no limiar da dignidade, há também esta chaga que os governos (todos) pretendem chutar para debaixo da cama. Indignam-se com a Ordem dos Médicos que foi fiscalizar o lar de Reguengos! Pudera ela pôs a nu o que lá viu, seis meses depois do primeiro estrondo do coronavírus: residentes sem água, comida ou medicamentos, abandonados à sua sorte, ao calvário das doenças, da morte anunciada. Eu se fosse governante, não dormia descansado com o peso na consciência de ter concidadãos a morrer na indiferença da família e daqueles que deviam por lei e moral cuidar dos mais fracos e indefesos. Nunca apoiarei os planos de desenvolvimento que redundam no espectáculo e cagança de alguns, enquanto a maioria não tem o mínimo para viver decentemente e uma morte tranquila quando chegar a sua hora.

- A manhã acordou exalando um perfume outonal. O céu encoberto, ligeira aragem tépida, silêncio pesado mais rente à terra. Prossegui o trabalho ao portão sem que ninguém tivesse passado na hora que lá estive a escovar as bactérias que se agarram como lapas ao muro. O resultado da experiência com lixívia dirá o casal e direi eu, não foi brilhante. Seja como for, branqueou um pouco de modo a aceitar mais facilmente a cal. Tal como ontem, voltei a casa revigorado e sentei-me à mesa de trabalho com o croché que avançou página e meia. A técnica - se me é lícito falar assim -, consiste em escrever por ali fora, sem preocupações especiais, deixando para o final do capítulo a revelação, a limpeza ou o caixote do lixo. Escreva qualquer coisa, dizia Sartre a Beauvoir quando ela se lamentava de secura criativa.