quarta-feira, setembro 30, 2015

Quarta, 30.
Na despedida de Francisco da América, em Filadélfia, o Papa celebrou missa para um milhão e meio de fiéis. Tema escolhido: a violação pelos sacerdotes de menores, raparigas e rapazes, sobretudo estes que parecem ter a preferência dos eclesiásticos. A missão foi amplamente realizada, por quanto ele se apresentou removendo os temas caros aos americanos e não deixando de falar e de fazer pensar os políticos comodamente instalados na mediocridade.

         - Por cá a ladainha e a via-sacra da campanha para as legislativas prossegue. Não se ouve uma ideia, um projecto, qualquer coisa que nos alerte para o vislumbre de um político original, que pense pela sua própria cabeça e não seja o anoceliadelfo de centenas de propagandistas a pregar por essa Europa fora. Todos pretendem servir-nos a tradicional sopa requentada. 

         - Fui apresentar ao meu médico o resultado dos exames anuais. Ele observou todos os parâmetros das três folhas e mais o electrocardiograma e depois levantando-se e estendendo-me a mão: “Parabéns. Está óptimo.” Eu, no íntimo, de mim para mim: “Mais uma vez escapaste aos medicamentos “para o resto da vida” dos velhinhos: diabetes, colesterol, tensão alta, que tanto enriquecem as farmacêuticas e são os meninos de ouro dos clínicos.

         - Passando no Rato, entrei na Camisaria d´Ouro, velho estabelecimento da minha meninice. Tenho de substituir o sobretudo que anda tão coçado que a própria Annie já não me pode ver com ele. Para um em cachemira como o anterior, vou ter que despender pelo menos 500 euros. Bom. Toda aquela zona lava-me quando por ali vou de recordações, das boas. Na pastelaria Dione onde entrei (em pensamento porque estava hoje fechada) com o mesmo coração solto e traquinas de há décadas (o coração não envelhece), foi como estivesse a tomar a bica com o Alberto, o João, o Pedro, a Nani, o Afonso, a Betinha, a Lalande... Descendo a Pedro Alvares Cabral, cruzei-me com o homem do BPN, Oliveira e Costa, muito envelhecido, magro, minguado de corpo, que me olhou de tal modo que pensei que ia parar para me cumprimentar ou para me suplicar um euro. Em frente ao liceu, sentei-me a meio da manhã para mastigar um doce e beber um chá. Coisa moderna, ali instalada há pouco tempo, mas já com a agudeza de mercado aprendida sem curso nem esforço. Depois espreitei para a loja que dantes era de penhores e onde eu uma vez aconselhei a Isabel a pôr as joias num momento de aflição. Pouco resta como se costuma dizer “do meu tempo”. Todavia, o ar fresco da manhã, iria dizer que é o mesmo, assim como as sombras de luz que sobrevoavam o imenso espaço dito do Rato e me puseram a olhá-las com os olhos da amizade e da ternura que encheu a minha adolescência. Desci ao Chiado e, quando me sentei a uma mesa do convento da Santíssima Trindade, só, perdão, sozinho, pedi tudo o que tivesse colesterol. Queria compensar o cadáver do esforço de rigor gustativo e romper com a norma austera do meu viver.


         - Há sempre algo que se nos atravessa no caminho e nos subjuga de beleza. O olhar é secundário. Apenas precisamos de eternidades de silêncio e sorver as estrelas do infinito luminoso que nos cerca.