domingo, setembro 27, 2015

Domingo, 27.
Pensando melhor, até não é tão mau manter os partidos em campanha eleitoral por este país fora. Esta não devia ser de dois meses, mas de um ano. Porque, afinal de contas, as campanhas não são só reveladoras do carácter dos seus líderes, como denunciadoras das mentiras e desprezo pelas pessoas. O retrato disso é o súbito aumento de clínicas e hospitais que passaram de duas autorizadas até aqui na Grande Lisboa, para trinta e sete a fazer as famosas colonoscopias. Durante meses e anos, centenas de pessoas tiveram que dormir na rua, passar horas em filas, ao frio e à chuva, na sua maioria idosa, para conseguir a senha que  permitia fazer o exame. Nem vale a pena perguntar como foram estes tipos desumanos e arrogantes descobrir de um dia para o outro tantos locais especializados no exame. Está na cara. Eu que tinha alguma consideração pelo ministro da pasta da Saúde, perdi-a completamente. Gostava de saber o que leva um homem daquele gabarito a prestar-se a estes jogos nojentos que põem em risco a saúde, são humilhantes e não dignificam o ser humano. Ainda por cima são testemunho da ligeireza e irresponsabilidade de como se faz política em Portugal. É por estas e por muitas outras que eu não voto.

         - Terminei os Textos Filosóficos de Cícero. Levei quase um mês a estudá-los, porque o seu tradutor e apresentador, em profícuas e esclarecedoras notas de rodapé, remetia constantemente para outros autores que grosso modo encontrei na minha biblioteca e sobre os quais tive de reler páginas ou passagens sublinhadas. A generosidade de partilha do professor J. A. Segurado e Campos equipara-se em sabedoria e inquietação intelectual a Marco Túlio Cícero e sai-se das suas páginas com a nítida sensação de riqueza e profundidade face à vida e a nós próprios. Porque a filosofia antes de ser a amálgama de labirintos incompreensíveis que hoje é, era um modo de viver que aspirava à nossa felicidade e nos preparava para a morte. Pierre Hadot tinha razão ao afirmar que la grande majorité des écrits philosophiques de l´Antiquité, c´est qu´ils correspondent à un jeu de questions et de réponses (as célebres estruturas aporéticas), parce que l´enseignement de la philosophie, pendant presque trois siècle, c´est-à-dire depuis Socrate jusq´au premier siècle av. J-C., s´est presque toujours présenté selon le schéma question-réponse. Por outras palavras, em diálogo permanente entre o essencial da descoberta do outro e de nós mesmos.

         - Esta manhã, na missa dominical, postou-se na minha frente um homem quadrado, alto, espadaúdo, que ocupou o rectângulo que eu tinha do altar. Todo ele expelia um insuportável odor lascivo, que descia pelo corpo enorme, de grossas mãos e espáduas largas, envolvendo-me em pensamentos pouco consentâneos com o lugar e o momento... Ao longo da liturgia, transformou-se num ser minúsculo, rendido à oração, exemplo de fiel conhecedor do Evangelho, e quando chegou aquele momento que traz ao templo o desassossego na forma de saudação à direita e à esquerda, o homem voltou-se para mim, num tom doce, evolvente: “a paz do Senhor”. A minha mão, ficou por instantes a boiar na dele, e o seu olhar profundo, inquietante, fixou o meu sem que nenhum de nós adivinhasse a travagem instantânea das batidas cardíacas. As igrejas são muitas vezes lugares de misteriosos encontros.