Quarta, 2.
Ninguém imagina o trabalho solitário, a
concentração que exige a revisão de um romance. Sobretudo quando ele é longo e
foi escrito durante dois anos e meio e envolve o destino de um diverso número
de personagens. Não são só as gralhas, a acentuação, o discurso coerente do
todo que é preciso analisar, é também as datas, os nomes que de súbito se
trocam, os lugares, a construção da personagem que tem de ser coerente até ao
fim para que o mundo ali contado pareça vivido, acontecido, real. Se eu
acredito na história, se eu a vivi escrevendo ou escrevendo a vivi, foi porque
aquele mundo tem razão de existir, passou por ele uma imensidão de almas que
sofreram, tiveram desesperos, sentiram o cosmos a pulsar e foram efectivamente
reais nos dramas quotidianos, nas alegrias, nos silêncios, no amor e nas
traições, na dor e na morte... A inspiração não é para aqui chamada, sendo ela
para mim um mistério.