Quinta, 3.
Registo a hipocrisia dos homens do
futebol relativamente aos refugiados que fogem para esta Europa governada por
papagaios. A ”nossa” selecção, antes do jogo, fez um minuto de silêncio pelos
infelizes que mendigam o direito ao asilo que lhes é negado por políticos
desumanos e preocupados com os seus umbigos. Fingindo que não são parte do
problema, os desportistas gananciosos e exuberantes nos gastos, que ganham num
ano aquilo que a maioria dos fugitivos não auferem numa vida, quiseram dar um
ar da sua graça caritativa. A mim não me embusteiam eles, como me não me
convencem os chefes de Estado e primeiros-ministros da zona do euro quando,
acordando tarde e a más horas, se desdobram em lágrimas de crocodilo abrindo as
portas das suas prisões douradas àqueles que o destino não sepultou nas
profundezas do mar Mediterrâneo. E foram já milhares ao longo destes três
derradeiros anos. Quanto a nós, aprendemos com as televisões a arte do
espectáculo da misericórdia. São inúmeros, de súbito, os actores a entrar em
cena. O problema é que qualquer espectáculo exige persistência, assistência,
domínio. De contrário, adereços, guarda-roupa, cenários e toda a parafernália que
acompanha uma peça teatral, entra em ruptura e é o todo que depois se
representa a si próprio em estado de decadência.