Segunda, 12.
Os
números são o que são e variam segundo a contagem das autoridades ou a dos
manifestantes. Ontem porém, umas e
outros coincidiram: em Paris estiveram quase dois milhões de pessoas e no resto
da França milhão e meio. Ao todo desceram à rua gritando contra os atentados ao
jornal humorístico Charlie Hebdo entre
três milhões e meio a quatro milhões de franceses. Do nunca visto nos tempos recentes!
Todavia, a revolta não se circunscreveu a França. Um pouco por todo o mundo
ouviram-se palavras de indignação e tumulto pelo ataque traiçoeiro levado a
cabo por fanáticos a soldo daquilo que ainda não existe – o Estado Islâmico. Quarenta
chefes de Estado e primeiros-ministros juntaram-se a François Hollande e
desceram à rua de braço dado. Bonito. Todos reivindicam o direito à liberdade
de expressão e à liberdade tout court.
Pena foi que tivessem excluído o partido de Marine Le Pen. Com esta atitude mancharam
aquilo que com justiça reclamam.
- A pergunta que ficou suspensa foi
esta: e depois? Esta interrogação é dirigida aos políticos medíocres que nos
governam. Eu acredito que a democracia é mais forte que todos os extremismos,
mas já não estou seguro seja relativamente aos dirigentes sem horizontes e
mentes entorpecidas por valores de nenhuma grandeza. Nós portugueses sabemos
isso. Durante o Estado Novo a cumplicidade entre a Igreja e o Estado fez de nós
um país de tristes e atrasados mentais. O que certas elites muçulmanas
pretendem pela força da morte, é instalar um estado religioso onde os valores
da tolerância fiquem subordinados a leis cuja interpretação depende dos seus
livres-arbítrios. É verdade que a religião católica onde eu me encontro, é a
mais tolerante e humana a tal ponto que levou o seu contributo à declaração dos
Direitos do Homem, mas não é menos verdade que sob a sua bandeira acolhe-se um
sem-número de parasitas, clérigos e leigos, que dela se servem para
entorpecer o dinamismo social que os tempos modernos exigem e o ser humano
enquanto pilar do mundo reclama. Que os dezassete mortos do dia oito deste mês
sejam os santos que do altar do martírio iluminem as consciências e tragam à
terra a justiça, a solidariedade e a comunhão dos valores universais, sem
esquecer que na origem deste horroroso desarranjo mundial está a política
americana levada a cabo por um homem fanático, bêbado e desajeitado chamado George
W. Bush.
- Andei sábado pelo Chiado (nós
chegámos na véspera já tarde) a veranear por entre livros velhos. A dada
altura, um homem bem vestido e de ar aristocrata, perante o preço que lhe pediu
o feirante, revoltou-se: “dez euros! Por esse preço como um almoço e ainda me
sobram dois euros!” Talvez o homem tivesse razão. Em Paris, os melhores autores
da Gallimard, estão nos avançados das livrarias a um euro!