segunda-feira, janeiro 12, 2015

Segunda, 12.
Os números são o que são e variam segundo a contagem das autoridades ou a dos manifestantes.  Ontem porém, umas e outros coincidiram: em Paris estiveram quase dois milhões de pessoas e no resto da França milhão e meio. Ao todo desceram à rua gritando contra os atentados ao jornal humorístico Charlie Hebdo entre três milhões e meio a quatro milhões de franceses. Do nunca visto nos tempos recentes! Todavia, a revolta não se circunscreveu a França. Um pouco por todo o mundo ouviram-se palavras de indignação e tumulto pelo ataque traiçoeiro levado a cabo por fanáticos a soldo daquilo que ainda não existe – o Estado Islâmico. Quarenta chefes de Estado e primeiros-ministros juntaram-se a François Hollande e desceram à rua de braço dado. Bonito. Todos reivindicam o direito à liberdade de expressão e à liberdade tout court. Pena foi que tivessem excluído o partido de Marine Le Pen. Com esta atitude mancharam aquilo que com justiça reclamam.

         - A pergunta que ficou suspensa foi esta: e depois? Esta interrogação é dirigida aos políticos medíocres que nos governam. Eu acredito que a democracia é mais forte que todos os extremismos, mas já não estou seguro seja relativamente aos dirigentes sem horizontes e mentes entorpecidas por valores de nenhuma grandeza. Nós portugueses sabemos isso. Durante o Estado Novo a cumplicidade entre a Igreja e o Estado fez de nós um país de tristes e atrasados mentais. O que certas elites muçulmanas pretendem pela força da morte, é instalar um estado religioso onde os valores da tolerância fiquem subordinados a leis cuja interpretação depende dos seus livres-arbítrios. É verdade que a religião católica onde eu me encontro, é a mais tolerante e humana a tal ponto que levou o seu contributo à declaração dos Direitos do Homem, mas não é menos verdade que sob a sua bandeira acolhe-se um sem-número de parasitas, clérigos e leigos, que dela se servem para entorpecer o dinamismo social que os tempos modernos exigem e o ser humano enquanto pilar do mundo reclama. Que os dezassete mortos do dia oito deste mês sejam os santos que do altar do martírio iluminem as consciências e tragam à terra a justiça, a solidariedade e a comunhão dos valores universais, sem esquecer que na origem deste horroroso desarranjo mundial está a política americana levada a cabo por um homem fanático, bêbado e desajeitado chamado George W. Bush.


         - Andei sábado pelo Chiado (nós chegámos na véspera já tarde) a veranear por entre livros velhos. A dada altura, um homem bem vestido e de ar aristocrata, perante o preço que lhe pediu o feirante, revoltou-se: “dez euros! Por esse preço como um almoço e ainda me sobram dois euros!” Talvez o homem tivesse razão. Em Paris, os melhores autores da Gallimard, estão nos avançados das livrarias a um euro!