quarta-feira, janeiro 21, 2015

Quarta, 21.
Prazer imenso quando desço do quarto pela manhã e encontro ainda na lareira a arder o resto de um bom cepo da véspera. Olhamo-nos olhos nos olhos e nessa introspecção recomeçamos o diálogo que ficou suspenso na noite anterior.

         - Fui ver o filme sobre Turner. Oh, quanto me lembrei das minhas manhãs de domingo, em Londres, o frio que apanhava ao atravessar o Tamisa para entrar do outro lado na Tate Gallery e ficar horas estático a contemplar a magia das telas povoadas de profundos bosques adormecidos ou revoltos mares ensandecidos! A bela e encantadora Tate de outros tempos! Aos domingos quase deserta, com o seu café rente ao jardim, onde abancava depois para tomar a bica com um scone e ver correr as horas mágicas como nunca mais as vivi assim plenas de encanto e juventude, sossego e contemplação. Ia lá quase todas as semanas ao encontro do meu tio Turner e de cada vez era sempre o mesmo fascínio, cheio de novas descobertas, consentâneo com o meu estado de alma metafísico que me levou a escrever suponho o meu primeiro artigo assinado no jornal A Capital.         
         O filme se tivesse de o classificar diria que é interessante. Mike Leigh, o realizador de Mr Turner, embora, talvez, não tivesse o intento de recriar o século XIX, o facto é que lhe deu no filme um charme que nos atira: decores e escolha das casas, paisagem e indumentária. A interpretação de Timothy Spall, muito realista, mas a lembrar Charles Laughton, alguém escreveu não me lembro onde e com razão. As duas horas e meia que passamos seguindo os passos do extraordinário artista, deixa-nos confortáveis e enche-nos plenamente. O lado, digamos, psicológico é o que mais nos surpreende. Turner que dominou a luz, não deixou no momento de morrer de dizer que “o sol é Deus”. Ele sabia de que falava.