quinta-feira, dezembro 04, 2025

Quinta, 4.

Neste entretanto, veio em meu auxílio o último volume publicado Toute Ma Vie de Julien Green. É curioso que em vários momentos difíceis da minha vida, Green fez-me companhia introduzindo uma espécie de luz ora intensa, ora matizada pelas suas próprias agruras. Com ele tenho passado longos serões e, para minha fatalidade, numa semana avancei 200 páginas naquela letra miúda que tanto mal faz aos meus olhos. Não se trata de uma distração, é puro saber varrido pelos dias onde a presença de Deus e do Diabo são constantes, sexo e amor numa salada de emoções difíceis de compatibilizar, mas onde a sensibilidade, o espírito, a cultura do autor faz-nos próximos dos seus dias, ou antes dos seus anos. É uma vida descarnada. Do ponto de vista meramente literário, nunca a literatura conheceu um testemunho tão humano e plangente. Corajoso escritor que, tendo vivido em assunção antes e no pós-Segunda Guerra, nem por isso se escondeu atrás de uma moral hipócrita que endeusou, por exemplo, François Mauriac, Martin du Gard, Gide, Jacques Lacretelle  e tantos outros da sua geração. 

         - E como vai o mundo, irmã Agnes? Tenebroso. Desde que o tresloucado Trump assumiu o poder, as nações paralisaram e a humanidade está em permanência de alerta ao imprevisto. Ele que persegue o Nobel da Paz, instaura desassossego, morte, conflitos, desordem e temores por todo o lado. São uns a seguir a outros os países tratados de assassinos e miseráveis, fedorentos e drogados. À Venezuela pretende invadi-la com o pretexto de sacudir os gangues da droga e assim impedir o espaço aéreo de um país soberano. Não gosto minimamente de Maduro e do seu regime, mas não deixo de lhe dar razão na defesa que faz do seu território. Na Faixa de Gaza diz que o plano de paz por ele estruturado continua de pé e no entanto, de ambos os lados, HAMAS e forças israelitas, prosseguem os atentados e as mortes de civis e crianças. Na guerra da Ucrânia, quer implementar os objectivos de Moscovo, negoceia directamente com Putin, sem chamar à mesa das negociações o principal interessado, Zelensky. Esta semana opinou e decidiu barrar a entrada nos EUA a uma dúzia de povos e escorraçar os que estão há muitos anos sob a bandeira americana. E ainda o caso dos mexicanos que foram tratados abaixo de cão. Quem mais rejubila é Putin e o seus negócios; esfrega as mãos de contentamento pelo estado de graça que Trump lhe proporciona, chegando a avisar a Europa que está pronto para a guerra.  

         - Por cá é a habitual política de chinelo. No balancear da campanha para as presidenciais, arribam os interesses corporativos e pessoais de assalto ao Ministério Público que acusam de tudo e o seu contrário, como se os executivos do poder, PS e PSD, nada tivessem a ver com a degradação da justiça, Os meus leitores conhecem o que penso dos governos de António Costa cujas desgraças ainda hoje somos vítimas e do seu papel em Bruxelas para o qual suponho não ter qualificações à parte ser uma espécie de secretário da senhora von der Leyen. Contudo, nada disto me obsta a ficar do seu lado na intentona que o levou a pedir a demissão de um governo maioritário, montada pelo Ministério Público que criou um casulo de suspeitas que agora se vieram a revelar falsas. É esta leveza de acções, este escapar dos segredos dos dossiers, este empurra para lá e para cá, que transformou todo o edifício judicial num monte de lixo.