terça-feira, dezembro 23, 2025

Terça, 23.

O verdadeiro, o autêntico retrato do país e dos nossos governantes, ficou afixado na série de entrevistas ao assalto a Belém. Esta linguagem pode parecer rude e inapropriada, mas reflecte, sem qualquer respeito, a impressão com que fiquei do pouco que vi e escutei – verdadeira feira da ladra, ódios, ambições  pessoais, desrespeito pelos portugueses, choldra, descoberta de sumidades que se encobrem atrás de figuras sem grandeza e personalidade. A democracia cairá com gente deste jaez.  


segunda-feira, dezembro 22, 2025

Segunda, 22.

As coisas complicam-se entre a Venezuela e os EUA. Trump julga-se o senhor do mundo com capacidade e poder para o dominar ou subjugar. Até agora impediu as frotas aéreas de cruzar os céus do país, atirou a matar sobre embarcações que diz serem dos piratas da droga, apreendeu cargueiros com combustível, ameaça depor Maduro. Tudo isto, diz ele, para proteger a América do peso das drogas. 

         - Há instantes, andei a distribuir bolos-reis pelas pessoas que durante o ano me ajudam nos trabalhos da quinta: Piedade, José Manuel, Correia (com o tractor), Oleg mecânico do carro. Com este último, sendo ucraniano, tive uma conversa sobre a rendição que se prepara em Washington e Moscovo. Ele é de opinião que Zelensky não cederá nenhum bocado de território para a Federação Russa e disse isto com uma tal veemência que parece ter chegado aos ouvidos do ilustre presidente do seu país. 

         - Isto de ser advogado, palrador televisivo, criador de factos e tradutor de normas políticas, pareceres, elogios a este e àquele, num país pobrezinho, rústico, onde quem tem olho é rei, dá um conforto financeiro de em dois anos ver a conta bancária crescer 700 mil euros!!!

         - Enquanto isto, os sem-abrigo, nos últimos nove anos, cresceram 260 por cento! Rica democracia tão desigual que em 50 anos não conseguiu abolir a pobreza que se mantém sólida nos dois milhões e meio de pobres.  


domingo, dezembro 21, 2025

Domingo, 21.

Lá fomos, sob chuva e trânsito medonho, a Alcabideche para assistir à missa de corpo presente em louvor do Guilherme Parente. Não conhecia aquelas paragens e muito menos a empresa americana que me dizem tomou conta do negócio da morte e tudo o que ela envolve e como produto o corpo humano associado ao acontecimento social no momento da descida à terra. Não sei quanto é que aquilo custou, sei que o serviço foi impecável. Ponho de parte tudo a que assisti, e quedo-me pelo final quando a filha do Guilherme, Maria, agradeceu aos presentes a presença. Nas suas costas estava uma tela do pai invocativa da ressurreição de Lázaro (João, versículo 11) por quem o artista tinha especial devoção. Acontece que a Maria escolheu aquele quadro-presença do pai e só depois veio saber que Guilherme faleceu no dia de S. Lázaro, 17 deste mês. Não há coincidências, há mistérios que não se explicam e são por isso mesmo aqueles que nos cobrem de esperança. 

         - Os nossos inteligentes e honrados políticos que em Bruxelas trabalham que se desunham, renderam-se às leis jurídicas, e não compreenderam, mais uma vez, que Putin não parará na retoma da Ucrânia e quererá acabar com a União Europeia e fazer voltar ao império soviético os países que o tresloucado (como eles dizem) Gorbatchov permitiu separar da grande Rússia. Quem traduz a burrice, é Teresa de Sousa quando considera que “Era uma decisão política (o apoio financeiro à Ucrânia), não era um debate jurídico como alguns quiseram fazer querer. Fredrich Merz e Von der Leyen defenderam este mecanismo. Uma maioria ampla de países-membros estava disposta a apoiá-lo, mas bastou Orbán e um homenzinho da Flandres para obstar. Assim não são os milhões da Rússia congelados nos bancos Belgas que aguentarão os custos da guerra, mas os impostos dos países membros da UE. Putin e Trump, Orbán e De Wever, e mais uns quantos rejubilam. Quanto mais cretinas forem as decisões europeias, melhor para a reviravolta que está a acontecer no mundo.  


sexta-feira, dezembro 19, 2025

Sexta, 19.

A maior praga do capitalismo é a exploração e a dos novos-ricos a exibição. Vem isto a propósito da aglomeração de uns quantos Maserati esta semana na Baixa. Obrigados a parar nos semáforos do Rossio, aceleravam os motores e debitavam um ruído insuportável pelos escapes – maneira de os transeuntes parar para os admirar. A polícia que, portanto, os devia multar, ficou estupefacta. 

         - Outro dia, aproximei-me de um quiosque na Av. da República e logo fugi quando li o que a foto regista. Debandei não fosse o cheiro nauseabundo perseguir-me... A esquerda – Livre, BE, a dos cãezinhos – adoram a universalidade da cidade.

          - Luís Montenegro passou um atestado de menoridade ao Ministério Público. Depois de mais de um ano e queda de um governo, veio o parecer da inventora Spinumviva. Afinal a montanha pariu um rato. Tudo o que a oposição andou a dizer contra a sua idoneidade, caiu com o processo pura e simplesmente arquivado. Admiram-se? Eu nem um pouco. A democracia em Portugal é um campo de batalha que não dá tréguas. Vale tudo para subir ao púlpito do poder. Que tristeza!  

         -  O único estadista europeu que se distingue da maioria amorfa, é o chanceler alemão. Todos estão reunidos mais uma vez para salvar a Ucrânia, e todos não pensam senão em si mesmos. Zelensky com grande dignidade, apela à ajuda convicta que expulse Putin das suas fronteiras, mas os senhores da UE preferem reuniões, discussões, almoços e jantares – são a imagem de um rebanho tresmalhado. Luís Montenegro diz banalidades. António Costa exibe sempre aquele sorrisinho que ainda não chegou ao sorriso pateta de Durão Barroso mas para lá caminha. 

         - Almocei com o João e a companheira do filho. Repasto agradável que só aceitei porque o vi muito em baixo. Amanhã vamos assistir à missa de corpo presente em despedida do Guilherme Patente na igreja de Alcabideche.  Mas já hoje soube da morte do poeta Gil de Carvalho. Sem palavras. 


quinta-feira, dezembro 18, 2025

Quinta, 18.

Faleceu o meu querido amigo Guilherme Parente, afundando-me ainda mais na depressão que tantas mortes me causaram. A nossa amizade remonta à saída da minha adolescência  e foi não só construída pelo seu enorme talento artístico, mas também pela sua personalidade boa, afável, edificante. Admiro a sua pintura, o seu jardim encantado de onde nunca saiu e nele ficou nos espaços das telas até ao fim da vida. Deu-me a triste notícia o João quando tinha acabado de sair da Fnac onde estivera com o Filipe. Logo me dirigi à igreja de S. Domingos para uma prece em sua intenção. Todos se vão, numa espécie de urgente debandada, deixando-nos abandonados num mundo a cair aos bocados, sem Deus, prisioneiro dos bens materiais, sem ética nem espírito construtivo,  que não identificamos como nosso, tais e tantas são as batalhas que nos reduzem ao silêncio e à escravidão. Descansa, enfim, em paz meu saudoso amigo. 

Num dos nossos muitos almoços. 



terça-feira, dezembro 16, 2025

Terça, 16.

Quando tudo tomba à nossa volta, que devemos fazer? Foi a saudosa Annie que partiu a 25 do mês passado, a Clara Pinto Correia, a Piedade que está nas últimas, um vizinho que saiu de casa e foi atropelado à sua porta por um condutor que se pôs em fuga, e não sei mais quem que eu conhecera ou com quem me cruzara alguma vez. Fui-me abaixo com este cerco de vazio que me tomou e tudo tenho feito para retomar o ritmo da vida de então. Assim, ontem, sob chuva torrencial fui a Lisboa solucionar a questão dos óculos que não ficou resolvida da última vez que estive na Fabrica dos Óculos, ao Chiado. Desta vez, entendi que não valia a pena lá retornar, posto que o trabalho é para profissionais competentes e, a conselho do Carlos Neto, enfiei numa loja do ramo, perto do Saldanha, dirigida por dois oftalmologistas e ali mandei fazer outros óculos das lentes à armação. Paguei 600 euros e espero reclamá-los ao primeiro estabelecimento. Talvez por andar sensível, o facto de não poder ler com os dois olhos (fecho o esquerdo), criou-me uma pequena depressão e devido ao esforço picadas no cérebro. Desde Maio que venho sofrendo deste incómodo para quem os dias passam entre leituras e escrita, é desmoralizante. Também retomei hoje a piscina. Lá reencontrei os velhotes, de língua afiada contra os políticos, tratando-os de “cabrões, o que eles querem é tacho”. Este epiteto, atirado por um bando de velhos nus, torna-se cómico e não transporta senão uma risada a quem ouve. Outro problema que não foi resolvido foi a passagem dos documentos criados no anterior Macintosh para o novo. Vou amanhã almoçar com o Filipe (meu anterior criativo) que me garantiu tudo fará para arrumar o assunto.

         - Até porque a enfiada de leituras, entre Julien Green e o último volume de Bíblia traduzido do grego por Frederico Lourenço, somam 1774 páginas. É obra!   

         - O ex-adjunto da Ministra da Justiça, professor universitário, Paulo Abreu, de 38 anos, foi detido por crimes de pornografia e abuso sexual de menores. Fala-se em mais de 500 crimes. Parece que uma boa parte foram executados do seu gabinete ministerial. Surpreendidos? Eu nem um pouco. Basta ouvir falar, naquela lengalenga que nunca mais acaba e é sempre a mesma só divergindo o papagaio, os candidatos a Belém. É tudo tão pobre, parece até que à medida que o tempo passa, a palração torna-se toda igual, amassada, untada, acabada num pez odorífero insuportável.  

         - A propósito. O professor Marcelo voltou a surpreender-nos. Declarou que não quer nada do seu cargo presidencial: carro, combustível, motorista, secretária, gabinete, reforma. Até nisso é original e desinteressado das mordomias oferecidas gratuitamente (que diferença entre Cavaco, Soares, Eanes). Apenas fica com a reforma de professor universitário. Quanto ao mais, o futuro está traçado: aulas na universidade da Califórnia, uma parte do ano lá, a outra cá, a biblioteca pessoal vai para Celorico de Basto de onde é originário, a basta. 


domingo, dezembro 14, 2025

Domingo, 14.

Há duas coisas de que faço a máxima parcimónia: comer e medicamentos. Fujo das duas como o diabo da cruz. Todavia, deu-se o caso de as dores que tinha no pescoço não abrandarem. Então, sexta-feira, tenho encontro com o João na Brasileira, entrei na farmácia ao lado para falar com uma farmacêutica. Depois de ouvir as queixas e os remendos que fui pondo para as sarar, deu-me um anti-inflatório muito publicitado na TV: o Voltarem. São umas pastilhas do tamanho da unha mindinha, transparentes, rolantes, que fizeram o milagre de afugentar as dores. Tomei duas daquelas insignificantes coisas e logo o mal se foi. Continuo como sempre me aconselhava o Tó de fazer e só amanhã suspenderei o milagroso bicho. Dito isto, olhando e tornando a mirar aquele minúsculo insecto, lembro-me das experiências que por vezes faço no meu corpo. Um exemplo. Uma sopa já traçada que não quero deitar fora, experimento como reage o estômago dando-lhe uma colher apenas da panaceia. Então não é que o corpo se recente e embora não tombe desmaiado diz-me que recebeu mal a visita da peçonha. É de admirar a Ciência que com uma espécie de pulga-comprido, produz saúde.  

         - Agora ando em maré de mulherio; os rapazinhos e os homens secretos de olhares românticos, desapareceram. Ontem, uma copeira, que não me recordo de a ter visto, embora ela diga que me conhece, encetou comigo um diálogo maluco que começou pedindo-me que adivinhasse a sua idade. Olhei-a: rosto redondo, sorridente, lábios finos olhar cortante de quem está habituada a enfrentar o imprevisto, pequena de formato, voz insinuante e leitosa. “Uns vinte anos.” Ela sorriu, insistiu para que a mirasse bem, e por fim disparou: “trinta e cinco.” Na realidade parecia mais nova, mas para mim era-me completamente indiferente a idade e tudo o mais, porque não sou atraído por palpites nem me derreto por quem se me atravessa ao caminho carregando o sortilégio do imprevisto. O que se seguiu, é dos tempos presentes: as mulheres adquiriram a arte do engate e são mais eficazes que os homens. Penso, contudo, que eles cedem mais depressa à tentação da cama que elas. Elas rondam o quarto, sentam-se aos pés da cama, olham em redor, admiram o enfeite dos lençóis, e deixam para depois o que parecia a ele ser satisfeito de imediato. 

         - São já 12 a vítimas mortais de ataque terrorista contra a comunidade judaica na Austrália e pelo menos 29 pessoas foram feridas. Um grupo anti-semita atacou quem estava na praia de Bondi, Sydney, passando a tiro quem encontravam. Mais de mil crentes estavam no areal em celebração do Hanukkah do Chabad, um movimento judaico hassídico (que dá coragem religiosa, alegria piedosa).  


quinta-feira, dezembro 11, 2025

Quinta, 11.

São muito curiosas estas greves que dão fins-de-semana prolongados, pagos, contra os desarranjos e prejuízos para a maioria dos trabalhadores do sector privado que fica sem ganhar por culpa dos “revolucionários” sindicalistas. Eu também não ponho a minha assinatura em alguns dos enunciados da futura lei, mas penso que seria necessário deixar chegar ao fim as conversações para ver o seu desenlace. Assim é um tour de force inútil que só serve as manigâncias partidárias. Por aqui, reina a animação. Tudo está aberto e os trabalhadores camarários e outros, gozam o dia em compras de Natal. Que país! 

         - Outro dia passei na Brasileira. Um dos moços simpáticos que servem às mesas, veio para mim e disse: “Sente-se, faça-nos companhia.” Por ali me quedei, com efeito. Entretanto, turistas ia chegando e ele, no seu inglês que para o caso mais não seria exigido, lá se ia desenrascando. Veio-me à memória aquela frase de Bismarck, o terrível chanceler austríaco: “O dom das línguas é um dom de empregado de café.” 

         - O Fertagus é sempre para mim a galera de observação. Quando cheguei à gare para obliterar o bilhete, encontro uma negra pequena de porte, nem gorda nem magra, de olhos esverdeados que me fixou num  isto de interesse e desafio. Disse-lhe: “Estava à espera que a máquina não funcionasse!” Ela riu-se e disse: “Gosto de ver essa luz verde a acender e a apagar. – Que não seja por isso – respondi – pode aqui ficar até à meia-noite.” Nesse momento o comboio pára e eu dirijo-me para ele. Ouço, então, nas minhas costas: “Vai para onde?” Não respondi e entrei. No interior ela pergunta-me se conheço Foros de Amora, digo-lhe que não e ela, sem mais aquelas, convida-me a ir ao seu bairro. “É muito amável” e enfio os olhos no jornal. Reparo que ela não tira os seus de mim e quando chegou à estação, tornou: “Venha conhecer a minha casa.” Para não a decepcionar, atirei: “Noutra altura.” 

         - Outro dia o Jornal Público trazia este título: “O que me dá tesão no meu trabalho é eu ser o meu rato de laboratório:” Quem o afirma, é uma autora brasileira que pelos vistos tesão não lhe falta. Esta geração dos ditos escritores, cheios do talento de que o vazio os abastece, expõem-se à saciedade ao empolamento de si mesmos, como se a literatura fosse um meio de ser alguém surfando a onda da ociosidade dos tempos presentes. 

         - Às vezes, ao ligar o televisor, dou com um professor universitário que explica a nossa língua. A simpática personagem é cativante na forma e no conteúdo, mas surpreende-me quando diz: “Quais é que são...” Eu, não sendo catedrático, diria “Quais são...” pura e simplesmente. 

         - Temo que Zelensky tenha de capitular face aos EUA e à Rússia. Ele é a cópia de De Gaulle e o melhor estadista que o mundo tem. Mundo entregue a um monstro sem preparação para o cargo nem deontologia, abrasado pela loucura dos negócios como inspiração divina. 

         - Com esta beleza tive tudo o que quis. Por isso hoje, estando saciado, dou-me ao luxo de não querer nada. 


Foto tirada pela Annie em Óbidos.

terça-feira, dezembro 09, 2025

Terça, 9.

Todo o santo dia o Céu num choro convulsivo e eu recolhido no aconchego das palavras de Julien Green. 

         - Há uns dias que ando cheio de dores no pescoço, resultado, seguramente, de muitas horas de escrita e leitura. Ontem o Vítor quando falámos sobre o lançamento do seu livro, Imagens de Dom Sebastião, no Palácio da Independência e a que eu não pude assistir,  lembrei-lhe que na nossa juventude, o vi uma vez com o mesmo problema e perguntei-lhe como o tinha solucionado, resposta aplica Voltarem – o medicamento dos dias de hoje. Fui sempre relutante a adquirir fármacos publicitados na TV por indicação do que nos diziam em casa. Contudo, esta manhã, sob chuva torrencial, precipitei-me para a farmácia. O farmacêutico conhece-me, foi da mesma opinião do meu amigo. Chegado a casa, untei a parte dorida e agora, às 15,30 já quase não sinto dores. 


segunda-feira, dezembro 08, 2025

Segunda, 8.

A China não se levanta do enorme incêndio de há duas semanas ocorrido em Hong Kong. Pelo menos 150 pessoas pereceram e centenas de feridos. Grande parte do trágico acidente deveu-se ao bambu com que antes se erigiam os prédios, mas também à corrupção (ela está por todo o lado, mesmo nos regimes comunistas) que impede as populações de a denunciar nas ruas ou fazê-lo duma forma ciciante devido ao cinismo do Governo. 

         - Assisti por fastio ao debate entre António Seguro e Catarina (não sei quê perdi o sobrenome). Aquele confronto devia servir às universidades de estudo e realidade do Portugal de hoje. Contudo, ele diz-nos porque razão os portugueses reduziram o BE a lixo de beira de estrada. Espero, sinceramente, que Seguro seja o nosso Presidente da República. 

         - Black que eu pensava ter repugnância aos ratos não ousando comê-los, ontem ofereceu-me o espectáculo à porta da cozinha enfiando em três tempos um simpático ratinho que eu imaginara tinham há anos desimpedido este espaço. Foi a entrada para logo emborcar uma malga de ração seca e molhada. Anda sempre esfomeado, mas a barriga pende já o que me vai obrigar a reduzir-lhe as doses. A namorada que não me largava a porta, desde que teve dois filhos e eu por duas vezes os fui deixar no vizinho que adora gatos e tem, inclusive, a ajuda da Câmara para os alimentar, nunca mais aqui pôs os pés. Mas Black, fiel à escolha que fez do seu dono, aqui permanece aparentemente feliz. Espera-me ao portão e no caminho até casa, dá-me sapatadas nas pernas.  

         - A vida retomou o seu ritmo em Paris. Annie, querida amiga, ficou enterrada no cemitério de Cambrai em mausoléu de família. Robert regressou a Paris e, por momentos, ocupa-se em organizar a casa a seu modo. Vai passar o Natal com o filho da mulher a Strasbourg enquanto a Laure passará com a irmã em Carcassonne. Disse-me que o nosso relacionamento é para continuar, insistiu que eu devia ir passar algum tempo a Paris, mas eu tomei um certo recuo porque nada é como foi em quase quarenta anos. Entretanto, Françoise, reclama a minha presença no apartamento vizinho daquele onde o nosso anafado José Sócrates viveu. 

         - No fertagus que me remeteu a casa, sentados nos bancos para prioritários, uma branca e um negro em frente dela. Ela praticamente estava nua: uma mini-mini saia, um decote que não servia senão para expor as mamas grandes e tesas, as coxas grossas, os dois envolvidos numa marmelada que levava as senhoras africanas a desviar o olhar não de cansaço, mas de vergonha. Olhei o preto pelos seus vinte e cinco anos e aqueles olhos de vencedor, pareciam expandir a loucura de ter atravessado o Oceano para encontrar a branca esborrachada, rainha dos seus sonhos, orgulho da sua raça e condição.


sábado, dezembro 06, 2025

Sábado, 6.

É uma tristeza abrir os jornais e constatar a pobreza moral a que Portugal chegou. A corrupção está por todo o lado, o abandono das pessoas à sua sorte contínuo, instalou-se uma espécie de aceitação ou lassitude que tudo engrandece transformando a sociedade numa comunidade de gente rendida, gasta, impotente. Aqui e ali, puxando a brasa à sua sardinha ideológica, alguém grita que no tempo da outra senhora também havia corrupção e compadrio, para desculpar ou encobrir o que hoje impera sem interrupção em todo o país. Os arautos das doutrinas humanistas, não querem ouvir falar dos dois milhões e meio de pobres que vergonhosamente persistem, da juventude alienada a valores supérfluos, deitada numa fantasia que a vai fazer sofrer e aderir a ideais extremados, os pobres escumalha na extremidade da sociedade que os dispensa por demasiado caros e inoportunos, os velhos deixados à antevisão da miséria, os imigrantes – como me dizia no fertagus uma santomense – vivem pior aqui que nos seus países, deixados à sua sorte por aqueles que pregam a doutrina do humanismo e dos Evangelhos (“vinde a mim os infelizes”), para depois taparem os olhos quando os vêem na rua com mantas de cartão a cobrirem-se do frio, da vergonha e slogans que lhes prometem aquilo que sabem nunca alcançarão. A esquerda chique não passa disso mesmo – um punhado de fala-baratos, que não descola do tempo do fascismo, não compreende a sociedade de hoje, vive embrulhada no conforto das suas ideias ocas, sonhando com a ressurreição de Marx, Lenine e Estaline. Não se aguenta, é insuportável, vazia, faz dó. É dela que saem os Venturas e os ditadores que em breve governarão o mundo. Fala, rapaz, estás cada vez mais de direita – bichanam os que estão cada vez mais de esquerda. 

         - O nosso almirante, candidato a Belém, saiu-se com esta: "Se a ministra da Saúde está a falhar, o primeiro-ministro também está", portanto ele se encarregará da sua substituição. Dou-lhe um conselho: Não vá por aí se chegar a Presidente da República – comem-no vivo. E se António Costa voltar com o seu Ministro da Saúde, vai ter de cumprir o que diz. Não me admira que na segunda volta, os comunistas apõem o homem das vacinas. 

         - Vimo-nos livres daquela figura sinistra, viúva de muitos séculos, mas não nos vimos livres do imposto Mortágua, dito IMI, mais uma bela obra da encardida geringonça. Já agora, uma pergunta inocente: porque razão no tempo da geringonça não houve greves e muito menos gerais como a que nos anuncia o PCP que consigo empurrou outros sindicatos? O direito à greve, devia ser repensado, porque ele é feito segundo os interesses políticos dos partidos e nunca dos trabalhadores que, querendo trabalhar até porque não o fazendo não recebem, ficam impedidos. Outra pergunta ainda mais inocente: porque é que ao longo dos tempos, tantos sindicados foram aparecendo quando antes praticamente haviam dois valentes: CGTP  e UGT?  

         Que dizer do apoio da FIFA a Trump - uma vergonha a demonstrar de que lado está a associação dos futebolistas e seus interesses comuns.

         - O senhor José andou aí e fez um trabalho notável ao dizimar de raiz as silvas, algumas grossas como pulsos, serpenteando sobre as laranjeiras. Custa-me caro, privo-me de muita satisfação, mas não choro o dinheiro que lhe passo para as mãos. 


quinta-feira, dezembro 04, 2025

Quinta, 4.

Neste entretanto, veio em meu auxílio o último volume publicado Toute Ma Vie de Julien Green. É curioso que em vários momentos difíceis da minha vida, Green fez-me companhia introduzindo uma espécie de luz ora intensa, ora matizada pelas suas próprias agruras. Com ele tenho passado longos serões e, para minha fatalidade, numa semana avancei 200 páginas naquela letra miúda que tanto mal faz aos meus olhos. Não se trata de uma distração, é puro saber varrido pelos dias onde a presença de Deus e do Diabo são constantes, sexo e amor numa salada de emoções difíceis de compatibilizar, mas onde a sensibilidade, o espírito, a cultura do autor faz-nos próximos dos seus dias, ou antes dos seus anos. É uma vida descarnada. Do ponto de vista meramente literário, nunca a literatura conheceu um testemunho tão humano e plangente. Corajoso escritor que, tendo vivido em assunção antes e no pós-Segunda Guerra, nem por isso se escondeu atrás de uma moral hipócrita que endeusou, por exemplo, François Mauriac, Martin du Gard, Gide, Jacques Lacretelle  e tantos outros da sua geração. 

         - E como vai o mundo, irmã Agnes? Tenebroso. Desde que o tresloucado Trump assumiu o poder, as nações paralisaram e a humanidade está em permanência de alerta ao imprevisto. Ele que persegue o Nobel da Paz, instaura desassossego, morte, conflitos, desordem e temores por todo o lado. São uns a seguir a outros os países tratados de assassinos e miseráveis, fedorentos e drogados. À Venezuela pretende invadi-la com o pretexto de sacudir os gangues da droga e assim impedir o espaço aéreo de um país soberano. Não gosto minimamente de Maduro e do seu regime, mas não deixo de lhe dar razão na defesa que faz do seu território. Na Faixa de Gaza diz que o plano de paz por ele estruturado continua de pé e no entanto, de ambos os lados, HAMAS e forças israelitas, prosseguem os atentados e as mortes de civis e crianças. Na guerra da Ucrânia, quer implementar os objectivos de Moscovo, negoceia directamente com Putin, sem chamar à mesa das negociações o principal interessado, Zelensky. Esta semana opinou e decidiu barrar a entrada nos EUA a uma dúzia de povos e escorraçar os que estão há muitos anos sob a bandeira americana. E ainda o caso dos mexicanos que foram tratados abaixo de cão. Quem mais rejubila é Putin e o seus negócios; esfrega as mãos de contentamento pelo estado de graça que Trump lhe proporciona, chegando a avisar a Europa que está pronto para a guerra.  

         - Por cá é a habitual política de chinelo. No balancear da campanha para as presidenciais, arribam os interesses corporativos e pessoais de assalto ao Ministério Público que acusam de tudo e o seu contrário, como se os executivos do poder, PS e PSD, nada tivessem a ver com a degradação da justiça, Os meus leitores conhecem o que penso dos governos de António Costa cujas desgraças ainda hoje somos vítimas e do seu papel em Bruxelas para o qual suponho não ter qualificações à parte ser uma espécie de secretário da senhora von der Leyen. Contudo, nada disto me obsta a ficar do seu lado na intentona que o levou a pedir a demissão de um governo maioritário, montada pelo Ministério Público que criou um casulo de suspeitas que agora se vieram a revelar falsas. É esta leveza de acções, este escapar dos segredos dos dossiers, este empurra para lá e para cá, que transformou todo o edifício judicial num monte de lixo.  


quarta-feira, dezembro 03, 2025

Quarta, 3 de Dezembro.

Com imensa dificuldade tenho conseguido encarar a vida depois do falecimento, dia 25 de Novembro, da minha querida amiga Annie. Conhecemo-nos quando fui enviado a Paris fazer uma série de reportagens sobre a condição dos emigrantes algum tempo depois do 25 de Abril de 1974 e desde então fomos aperfeiçoando e desenvolvendo um relacionamento de uma nobreza sem igual. Ela tinha sempre as portas abertas da minha casa e eu a dela ou antes as dela. Os telefonemas eram consecutivos, as viagens que fizemos juntos muitas, as discussões sobre arte, literatura, política nunca se afastaram dos nossos encontros.  Por vezes ela era como eu dizia uma socialista tirânica, mas passados alguns minutos éramos uma só pessoa na sagrada amizade que nos ligava. Sei que está no lugar eterno que pelo muito que deu aos outros merece; e também sei que de lá velará por mim. Dizendo-se agnóstica, quando eu lhe dizia que pedia a Deus que a protege-se, respondia: “És o único que me fala assim. Obrigado, Helderrr.” Acredito que agora, confrontada com a realidade, nessa ressurreição a que todos aspiramos, o teu agradecimento pelas minhas preces, seja retribuído em louvores pelo nosso reencontro.  Um beijo, terna amiga. 

Há três anos em visita ao museu Rodin, Paris. 


Há dois anos aqui em Palmela.