Quarta, 12.
Ontem fui sob chuva torrencial passar a manhã ao Gama Pinto. De cada vez que lá vou, reforço a sensação de que não falta pessoal – médicos, enfermeiros, auxiliares -, mas, pelo contrário, o que não há é organização. Que trapalhada com o meu processo, a mesma que encontrei com outra senhora e mais um casal completamente perdidos nos corredores do hospital. A eles e a mim, obrigaram a repetir exames, a esperar naquela algazarra da sala de entrada, como se as nossas vidas estivessem à mercê das suas reivindicações, dos seus erros processuais, da sua autoridade macaca. Espero, enfim, que esta tenha sido a derradeira, pois ontem assinei o documento para a intervenção cirúrgica.
- Enquanto esperava, era na Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que pensava. Que brava Mulher, que inteligência, que força, que honestidade! Depois da balda, da anarquia do ministério dirigido por Manuel Pizarro, sendo esta a pior função do Executivo, faça ela o que fizer, terá sempre a classe toda contra; e no manejo político da sacanagem estabelecida, venha quem vier depois dela, nunca a Saúde encontrará sossego e os doentes tratamento digno, atempado e humano. Os lóbis privados são muito fortes e aqueles que defendem o SNS vão de arrasto no engodo de obterem ganhos das sobras.
- Quando deixei o Gama Pinto, sempre sob chuva persistente, fui almoçar ao C.I.. Parece que precisava de me compensar da ocasião e do que havia vivido antes, e, por isso, fiquei um tempo sentado a observar os telhados de Lisboa cintilantes aos primeiros raios de sol timidamente assomados. O meu cérebro não parava, iam e vinham ideias, imagens, pensamentos demorados sobre algo não completamente identificado, como se o mundo girasse em cima de uma esfera e o sossego fosse uma miragem. Claro que tinha trazido o croché, embora soubesse que não iria trabalhar nele. A escrita precisa do silêncio exterior e do interior, necessita de encontrar o lugar, o minuto sagrado onde o seu ofício se estabeleça e as palavras orações perdidas no tumulto interior, brotem. Não foi o caso ontem. De resto, o mundo, este que nos coube e o que virá para as novas gerações, não pressagia nada de harmonioso. Em parte porque as democracias não se sabem defender dos seus próprios carrascos, aqueles que as apregoam do fundo da corrupção, do ódio, da indiferença dos que nela votaram convencidos que eles seriam os seus guardiães.
- Com a dupla Trump/Musk cada americano que denuncie um imigrante ilegal, recebe de prémio mil dólares! Palavra de um especulador imobiliário e de um arrivista de feira. Dois ascos desprezíveis.
- Não conto deixar este reduto divino hoje. Enquanto Deus me permitir, é aqui que quero viver envolto na magia e no silêncio deste lugar abençoado. Depois aqui há sempre tanto trabalho e para o executar tenho de pedir à minha zona lombar autorização. Esta situação, ainda reforça mais o meu entusiasmo pela complicação que a idade ou o jeito que dei, me oferece. Toda a vida vivi sem problemas de saúde, e, por isso, talvez seja chegado o tempo de me irmanar com todas e aqueles que nunca conheceram um dia livre de sofrimento.