Quinta, 4.
Diz-se que o futuro a Deus pertence. Pela minha parte a Ele entrego não só o porvir, como o presente com tudo o que dia a dia o vai enchendo de fragilidade, temores, esperança e serenidade. Não sei até quando terei capacidade para tratar e fazer o muito trabalho que uma quinta demanda, sobretudo quando o dinheiro não abunda para pedir ajudas externas. Até à data tenho tido saúde e forças para arcar com este projecto. Mas até quando? Em certos dias, ou antes, em certas madrugadas, sou tomado do pavor que ronda aquele espaço de tempo entre o acordar e a sensação que estou mergulhado no sono com pesadelos e antecipações sinistras. Felizmente que à noite regressa o dia e logo todas as preocupações se derrubam ante o resplendor da manhã e da natureza quando abro a janela do quarto. É um momento único, ímpar, mágico, sagrado. Não tenho ilusões, já não sou mais o jovem e jeune-homme de então, tenho de me render às evidências. De contrário, farei as figuras trágicas que se vê acontecer a Ronaldo. Lutarei, tudo farei para me manter saudável e activo, pois estou absolutamente convencido que a vida de apartamento na cidade, com idas ao centro comercial e demoras a ver quem passa sentado nos bancos dessas catedrais de consumo, carcome as pessoas, desmotiva-as, fecha-as num circulo de monotonia e tristeza que nenhum filhinho querido restabelecerá. Ainda que os meus ritmos no campo sejam o inverso dos da cidade, com deitas cedo e levantas madrugadoras, nesta altura para fugir ao rigor da canícula, começando com regas e terminando com labor de vária ordem, e cansaço às nove da manhã, o facto é que ao olhar o caramanchão de hortênsias, apesar do calor, difunde beleza e serenidade quando me detenho, feliz, a admirar a pulcritude sem idade onde o tempo espreguiça voltado para a eternidade...