Quinta, 12.
Dias admiráveis de luz. O frio purifica-os como introduz nos frutos o açúcar tão desejado. Tenho a quinta sonolenta, dorme o sono solto dos cansados do Verão de pouca memória. Um manto espesso de geada cobre-a durante a noite e às primeiras horas da manhã o cobertor de sol destapa o aconchego da noite e estende a manta de mil semidiâmetros celestes. Não há ruído que nos perturbe, um silêncio terno abafa as revoltas e introduz nos corações uma centelha de esperança. Os pássaros vieram com o cio dos gatos, atravessam a grande velocidade o espaço cheio da erva que a chuva criou. No caminho de terra batida, ainda não se observam os cineastas americanos que hão-de alterar este paraíso. Mas já se sente a loucura e a desordem que o grande capital traz. Os especuladores deixam-me na caixa do correio o convite à venda da quinta e da casa; nos meus vizinhos mais inocentes contactos directos, mãos cheias de euros para que se deixem seduzir a partir. Indiferente ao tumulto, as mulheres de Zuckerberg que desde há dias vindimam a quinta do meu vizinho, entoam a ladainha do facebook na forma aciculada de vozes irmanadas no insulto, na inveja, no ciúme. Mas nada perturba o silêncio que teima em ser rei e senhor da terra, do ar, dos filamentos que descem do céu limpo, aberto ao êxtase de quem em comunhão com ele se entrega ao gozo embriagante da vida rasgada dos céus vastos de um azul imaculado.