Terça, 3.
Que mundo, meu Deus! Apesar da abundância, da vida aparentemente mais feliz, da liberdade de cada um viver viajar para aonde lhe apetecer, dos avanços da medicina e da ciência, do conhecimento em geral, o homem não perdeu o sentido de posse, de inveja, de lucro a todo o custo, da exploração dos mais fracos, da ingratidão, do posto como lugar de domínio e controlo, de costas voltadas à igualdade, à fraternidade, à interajuda e ao reconhecimento do outro como seu irmão. Daí o desarranjo do mundo de hoje, onde as guerras proliferam, o sofrimento impera, a esperança morreu e o quotidiano é um empurrar para a morte milhões e milhões de pessoas, a destruição da terra, o zumbido dos canhões e dos mísseis anunciando o holocausto e o anúncio de outro mundo onde nós não estaremos para a gigantesca tarefa do enxugar as lágrimas, do varrer das cinzas, do recomeço.
- Assim, todos os dias, o ribombar dos canhões, os gritos de liberdade, de injustiça e escravidão são o flagelo que projecta em cada olhar a estupefacção e o medo. Ontem os ucranianos, os palestinianos, os haitianos, os arménios; hoje os romenos, os sírios, os georgianos, os libaneses... Todos, bem vistas as coisas, pretendem o reconhecimento da sua verdadeira identidade. Aqueles que vivem em democracia, pelo voto; os que estão sob outras quaisquer formas de controlo, pela violência. Por sobre todos eles, esgrimindo os seus interesses, estão a Rússia, os EUA, a China. Estes senhores do mundo, mais não desejam que ter o controlo daquilo que não lhes pertence, mas é objecto da sua lambugem – as riquezas naturais de cada país. Por este monstruoso domínio, constroem-se estratégias, liquidam-se adversários, dividem-se povos, destroem-se cidades e vilas, matam-se milhares, impõem-se ideologias à matracada. Até quando? E como vai acabar esta voracidade? Os Evangelhos seriam infinitamente mais compreensíveis de aplicar, porque a sua doutrina é desprendida de tudo o que expõe o ser humano à humilhação, à divisão, à saciedade.
- Tiblíssi está a ferro e fogo devido ao resultado das eleições que deram a vitória, não esclarecida, ao governo derretido de simpatias por Putin, contrário à entrada do país na NATO e UE. Há muito que a Geórgia faz esforços para entrar na União Europeia, projecto que o déspota do Kremlin não aprova. Este foi mais um dos antigos países da URSS, ou seja do império que Putin quer restaurar e vai fazê-lo se a Europa não compreender o que está em jogo. Eu tenho simpatia pelos georgianos e gostaria de visitar o país no próximo ano. Se entretanto, Putin, não vier a invadi-lo como fez à Ucrânia que, recorde-se, começou por ter para cima de um milhão de ucranianos em Kiev a gritar pela UE.
- A realidade, infelizmente, é esta: onde a política entra, destrói tudo. (Lembra-me o conceito de Lenine já aqui anotado: “Se queres acabar com a religião, introduz nela a política.) Veja-se o caso de Évora em vias de se tornar a Capital Europeia da Cultura. Os pacóvios querem tudo dominar, mas não possuem cultura, saber, equilíbrio, dignidade. Paula Garcia, signatária do programa Évora 2027, mereceria todo o respeito – não senhor, foi obrigada a demitir-se por saturação e esquemas e interesses criminosos alheios aos objectivos traçados e aprovados.
- Dia feliz. Deixei de ir à piscina para realizar todas as empreitadas programadas. Para isso, houve que optar por não sair deste espaço onde o seu proprietário é tão livre como os pássaros. Ontem, debandei para afazeres em Lisboa, realizados à pressa, para me ir instalar na FNAC e trabalhar três horas no romance. Uma passagem que me atormentava foi desbloqueada por sortilégio do trabalho e de muito pensar; mesmo para o seu criador, este imprevisto, trouxe a magia da criação. Contudo, no trabalho desta manhã, criei um novo imbróglio que não sei como resolver.