Segunda, 17.
Quando me preparava para sair, desceu das alturas uma corda de chuva forte e grossa, acompanhada de trovões assustadores. Recolhi o nariz e já não voltei a pô-lo de fora durante todo o santo dia. Aqui fiquei ocupado com os meus afazeres habituais, de tempos a tempos embalado pelo ruído dos pingos da água batendo nas vidraças do salão onde me quedei de lareira acesa. Nem o Black ousou sair, embrulhado no sono de horas na sua manta quente.
- Lá fora, quero dizer, por lugares ensandecidos pelos vozeirões dos políticos vendendo a banha da cobra habitual, pastoreiam as ideias maceradas que passam de boca em boca como pregões contaminados da mentira e dos ódios requentados. O país, as pessoas, o rumo da democracia não lhes importa, posto que a esperança de alcançarem o poder esteja na dobra de um dito, de uma aldrabice, de uma trapaça, de uma promessa, de um voto perdido no sonho harmonioso de um país em flor. Há pachorra para tudo isto? Não há. Venha o futebol com jogos em cadeia, os concertos dia e noite, as televisões em altos berros oferendo milhares nos concursos da sorte, sigam por meses a conversa fiada dos apresentadores de cultura no Google nas manhãs chuvosas, inunde-se de Norte a Sul este rectângulo de rezas, esmolas, sermões aos coitadinhos que vivem nas ruas, dormem ao relento, entregaram a vida ao cuidado de um povo hospitaleiro, ao bando das esquerdas seus protectores, que tanto os adora desde que os veja à chuva e ao frio e assim alimente os seus ideais e ideologias de uma disfonia espasmódica...
- Sobra ainda aquela obsessão do inquérito parlamentar a Luís Montenegro que irá contaminar, como tantas outras aberrações, a campanha legislativa. A viúva mártir do BE, aliada à virgem sofredora pelos cãezinhos e gatinhos, adoram os inquéritos que substituem com vantagem para elas os tribunais. Porque o espectáculo de orgulho partidário, de vingança, dias, meses, anos mantém vivos os talentos pidescos do homem do Chega e de muitos outros “representantes do povo” sôfregos de poder. Eles nem se dão contam, rendidos como estão ao ego que os inflama, do ridículo de toda aquela mise en scène. Fez muito bem o primeiro-ministro recusar expor-se daquele modo arrogante, baixo, reles, onde o apuramento da verdade não interessa, sendo importante apenas e só a exibição do horror tribunício demagógico.
- Para que conste. Segundo a OMS, mais de 7,7 milhões de pessoas morreram com covid-19 e 777 milhões foram infectadas. Mundialmente foram vacinadas contra o coronavírus 13,6 milhões de pessoas. Horror! Horror!
- Para que fique registado. “A propósito de Daniel Day, com os pés em chaga no Big Ben (o homem que escalou ao famoso relógio londrino, em protesto contra o que os israelitas têm feito aos palestinianos), também pensei nos vendilhões do Templo. E hoje mesmo li que Israel e os EUA tentaram vender os palestinianos de Gaza ao Sudão e à Somália.” Alexandra Lucas Pires., no Público de sábado.