quinta-feira, maio 08, 2025

Quinta, 8.

Ontem ao chegar à Brasileira, ouço da parte das meninas que nos servem, a surpresa de me verem. Diz-me uma: “Já tinha perguntado por si, já tinha saudades de o ver, anda muito afastado.” Respondo: “Não digam isso porque começo já a chorar.” Sim. Enternece-me a gratidão dos outros no que à minha pessoa diz respeito e, conhecendo-me como me conheço, logo disfarço a lágrima que surge empurrada pela estima e afecto embalados nas palavras. Ali estivemos – João, Carmo, Virgílio e a brasileira que agora cuida do ilustre escultor – em amena cavaqueira. Pouca gente, poucos clientes dentro e fora do legendário café. Pelo meio-dia, levantámos amarras. O Carmo e eu descemos o Chiado, o João deixei-o para trás de modo a não ter que almoçar com ele e assim perder o meu dia para a escrita no romance. Daí que a paragem tivesse sido na Fnac, onde desci com a grande livraria de dois andares sem vivalma. Motivo: a greve dos trabalhares da CP que (julgo) vai até dia 14 deste mês. Por isso, os menos conhecedores da riqueza da Fertagus, cobiçada pelos comunistas para a incendiarem de greves e rebaldaria, se interrogavam como pude eu arribar à minha cidade natal. Com efeito, as gares estavam vazias, uma infinita quantidade de viajantes diários (uns milhares de milhares), tinham ficado privados de sair para os seus empregos. Diz o Governo que isto é manobra dos sindicados (hoje são não sei quantos, antes havia só a Intersindical e a UGT) e todos combinados, sem qualquer respeito pelo “nosso povo”, varrem das vias ferroviárias todos os comboios e nem um circulou ontem e hoje. Eu já aqui expressei a necessidade urgente de rever a lei da greve, porque os sindicatos são ontem como hoje, correias de transmissão dos partidos. Estes servem-se dos trabalhadores e os trabalhadores, sem qualquer ética, atiram para o desespero aqueles que nem podem fazer greves, não só porque não lhes é permitido, ainda porque se as fizerem não recebem o mísero salário. 

         - Foi o caso do meu amigo muçulmano, que trabalha no Corte Inglês e mora julgo na Amadora, desloca-se em cadeira de rodas, labora sentado nela, e teve que alugar um Uber para ir trabalhar que lhe saiu “muito caro”, Perguntei se a empresa pagava a deslocação, respondeu-me com um sorriso aberto no seu rosto simpático e escuro: “Olha! Não queria mais nada!” Calei-me, envergonhado. Espero que este atentado à liberdade e à dignidade dos que pagam impostos, passes sociais, levantam-se de véspera, e são tão maltratados por grupos secos, ácidos e oportunistas às mãos dos capatazes de esquerda que por eles velam e ordenam respeitinho, sirva para dar força a Luís Montenegro e à sua equipa. Por mim, votarei nele. Antes tinha votado no IL (sempre com aquele rabinho liberal à solta que não aprecio) e agora pretende privatizar tudo até o ar que se respira, Esta gente é louca, não sabe o que diz e muito menos o que faz. Que Deus lhes perdoe tanta estupidez. 

         - Voltei à natação. Com uma faixa livre só para mim, estendi-me e por uma hora não parei. A seguir ao almoço, atirei-me a rapar à erva e tenho trabalho para umas semanas. As máquinas não há meio de me conhecerem e, como esta tarde aconteceu, não aceitaram as minhas ordens e os meus métodos de as equipar. No fim, quem venceu foram elas. Como sempre. 

         - Ontem, pela tarde fora, no pequeno café da Fnac, Ana Boavida, vá-se-lá-saber porquê entregou-me mais uma parte da sua vida. De resto, outra coisa não tem acontecido ao longo destes últimos três anos e das 260 páginas escritas. Amigos perguntam-me se não é chegada a hora de lhe pôr fim, respondo que não tenho pressa, não escrevo para ganhar a vida, a escrita para mim é sagrada, e tenho por hábito respeitar os sopros, as crises de temperamento, os dias menos simpáticos, os silêncios, as tergiversações, as revelações a conta gotas, sacadas com paciência e consideração pelas personagens.