Terça, 22.
Voltemos então à Gulbenkian. Não há saloio nenhum que não se deslumbre com a obra de Kengo Kuma, engawa (em japonês e alpendre na nossa martirizada língua), empurrado pelos media que são quem hoje lança as modas e as “desmodas” (para utilizar a expressão de jean Cocteau). Francamente, não vejo o que é que aquele alpendre imenso, que corre em paralelo à galeria da antiga Arte Moderna, faz ali. A mim parece-me um abcesso no conjunto harmonioso da arquitectura existente. Se ele foi concebido para ser um alpendre, portanto um lugar de onde se observa e desfruta de algo, os nossos olhos não têm muito para onde se estenderem, embora destas obras o jardim do paisagista Vladimir Djurovic seja francamente uma obra de arte. Contudo, no dia em que lá fui, estando a chuviscar, observei como a fila imensa de visitantes se perdia sob aquele espaço, revestido por painéis cerâmicos brancos de três tons de luz matizada, era útil... Os entendidos falam de requalificação do espaço, introduzindo do meu ponto de vista um envolvente japonizado que ali não acolhe conformidade. A entrada que no museu antigo dava directamente para as salas de exposição e restaurante, está hoje enfeitada com a célebre “pala” que tanto tem dado que falar e fotografar. É interessante pela volumetria, um certo ar de voo, a ondulação que provoca e a beleza que se desprende à medida que nos vamos aproximando. Por mim, era ali que as alterações deviam terminar.
O interior quase não foi mexido. A grande galeria da entrada, que alberga a obra de Leonor Antunes (já lá irei), e as pequenas mezanino adjacentes, ficaram como eu as conhecia. As alterações, estão nos andares de baixo onde existe o bengaleiro, os wc, a vasta sala de exposição. Pouco tenho a dizer das muitas divisões que atravessamos como cão por vinha vindimada, tal a banalidade do que hoje se define por arte. Ali imperou, segundo julgo saber, a moda da paridade de género que eu julgava existir apenas no Parlamento. Mas, não. Está por todo o lado e o resultado é aquela mostra que nada nos diz porque nela imperou a imposição da mulher. Não é a qualidade das artistas do sexo feminino que está em causa, mas sim a mulher que emerge da revolta contra os bastardos maridos e homens que a têm condenado à subalternidade. Conclusão: desde a obra de Leonor Antunes de uma simetria gráfica curiosa, que joga com a luz e nos multiplica o olhar, aos muitos quadros que enchem os espaços, houve a preocupação de realçar a mulher e não a artista, o valor intrínseco da sua arte, em desabono do mérito. Todavia, aqui e ali, admiramos uma ou outra peça de artistas consagrados: Maria Capelo, António Dacosta, Gabriel Abrantes, um ou outro mais.
Já no exterior, sobretudo quando entramos pela R. Marquês Sá da Bandeira, experimentamos a satisfação da descoberta e da vivência de um espaço amplo, os imensos aromas entram-nos nos pulmões depois de nos coçar o nariz: eucaliptos, cedros, alfarrobeiras, loureiros, alecrim, murta, loureiros e não sei mais quantas espécies de árvores que já vêm do grande paisagista que foi Gonçalo Ribeiro Teles e António Viana Barreto que foram quem desenhou e construiu o parque inicial da Gulbenkian. Nesta parte do jardim, Djorovic, fez nascer a poesia e um certo clima de feição que nos introduz na beleza do espaço e nos convida a admirar o movimento das árvores, os reflexos da luz, a serenidade do lago, num movimento de cadeiras à mercê do visitante. Talvez também uma abertura, o jardim estendido por recantos abertos para passeios pedonais, sempre com a grandeza do “alpendre” de um lado e aquele canto da cidade do lado de fora dos seus muros baixos, embelezados por peças de escultura em ferro que o tempo irá adornar com a maestria do sol e da chuva.