sábado, junho 21, 2025

Sábado, 21.

Eu sou muito metódico. Organizo-me em função de objectivos, com margem apesar de tudo para imprevistos e estes me incomodarem. Perguntei outro dia ao João Biancard, hoje com proveta idade, o que mais o incomoda na vida. Ele respondeu a alteração abrupta dos meus ritmos, a desistência de projectos subitamente adiados ou suspensos, o atraso de alguém para quem as horas não contam. Eu estou com ele. Esta manhã fiquei muito incomodado com o senhor que tem vindo cá limpar com a roçadora a erva seca. Ontem, tendo chegado com a mulher, uma rapariga simpática, uns trinta anos mais nova, ouvi-o dizer para ela: “Aqui é que nós passávamos um bom dia com o nosso filho a nadar.” Pois bem, esta manhã, saí para o mercado dos pequenos agricultores quinze minutos depois das oito – hora combinada para início do trabalho e ele sem vir. Na volta, encontro a mulher a aparar os arbustos da entrada juntamente com ele. Digo-lhe que aquele não era o projecto combinado, mas sim limpar em volta da quinta de modo a que o Sr. Correia pudessem trabalhar com o tractor sem danificar as macieiras (ontem o veiculo teve uma pane). Amuou. Nesse entretanto, a rapariga vem falar-me, dizendo que em vez de estar em casa só e gostando de plantas, ia desimpedir-lhes as ervas ruins. Disse-lhe que não gostava de misturar as coisas e apliquei aquele velho ditado: “trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”. Todavia, se há alguém a quem devo atribuir esta triste situação, é a mim. Porque sou demasiado comunicativo, tomo toda a gente por igual, sou incapaz de ser grosseiro. O resultado, com certas educações, rapidamente se instala a familiaridade, o tu-cá-tu-lá, misturando tudo: sentimentos, à-vontade, liberdade, aproveitamento. 

         - O dia acordou claro e um vento ligeiro cirandava em torno da casa. Não fazia calor, havia até uma ligeira neblina suspensa no horizonte. Quando desci para o pequeno-almoço, ao abrir a porta, dou com as hortênsias que durante a noite tinham rejuvenescido, catitas e de sorriso aberto. São elas que me amparam os dias, são elas que me iluminam as manhãs, é nelas que repouso o cérebro e enterro os desaires frágeis da existência. 

         - O tema do dia, são os ataques dos neonazis e a construção de uma rede internacional para derrubar pela extrema direita a democracia. Não duvido de uma tal construção que se sente impulsionada por Donald Trump. São violentos, atacam inocentes, não respeitam as leis, tudo fazem para se impor pela força. Contudo, são uma vantagem para uma certa esquerda dando-lhe espaço, visibilidade, discurso e acção de ordem vária. Porque esta é tão violenta como aquela, usa a força das palavras, o poder da argumentação, o ódio, a messiânica missão de impor ideologias, que mais não são que democracias disfarçadas de ditaduras. Portugal, noutros tempos, também conheceu esta mesma arbitrariedade por parte dos grupos extremistas de esquerda. Portanto, muita atenção a uns e outros. O que soubemos que se passou no interior do Bloco de Esquerda no tocante ao desprezo pelas suas funcionárias grávidas e outras que largaram o partido, indica-nos o rumo que facilmente nos leva para o outro lado – o despotismo.