Quarta, 8.
A manhã serena de trabalho, foi acompanhada do murmúrio da chuva lá fora e do farfalhar da lenha na lareira. Ontem, contudo, o dia decorreu sob uma espécie de bênção, abancado no ritmo de afazeres que se estenderam até tarde e onde houve de tudo: um prato confeccionado para arquivo, grandes leituras, duas horas no romance, arrumações no andar de cima, uma segunda passagem ao portão para estender o manto vegetal que atravancava a abertura, estendal e recolha da roupa para a Piedade passar a ferro. Por sobre as horas de quietação que um sol fraco cobriu, a sensação de flutuar sobre a vida estendida no tapete confortável da morte. E estes versos de Goethe, citados por Pierre Hadot, em N´oublie pas de vivre:
Se na vida quiseres passar um bom bocado,
Não tens de te preocupar com o passado;
Aborrece-te o menos que puderes,
Aproveita o presente o melhor que souberes,
Ignora o ódio, a outros ou aos teus,
E deixa o futuro nas mãos de Deus.
- Em Portugal é norma sentenciada pelo Parlamento, que os vultos nacionais tenham de andar em bolandas sob o parecer das ideologias vigentes e dos interesses partidários. Calhou, desta feita, hoje, a Eça de Queirós. Os seus ossos, foram desenterrados e vieram de Tormes de charola para Lisboa onde, após cerimónia hipócrita que só aos deputados diz respeito, depositados na sepultaria de Santa Engrácia, dita Panteão Nacional. Eu estou com o historiador António Araújo quando diz que era preferível uma placa evitando deste modo a transladação. E dou-lhe a palavra: “Não me parece forçoso ou necessário exumar o esqueleto de alguém e depois transportá-lo para um templo laico, numa revisitação algo mórbida do seu funeral pretérito.” De igual modo pensa Ramada Curto, director da Biblioteca Nacional de Portugal, que vai mais longe “o que me preocupa são os números da iliteracia. Preocupa-me a mim e devia preocupar os políticos de todos os quadrantes” acrescenta. Bem vistas as coisas, levar alguém para o Panteão é só uma decisão política e nenhuma outra mais. Assim, Eusébio da Silva Ferreira e noutro extremo Umberto Delgado foram lá armazenados pela Assembleia da República. Por outro lado, não deixo de observar o facto de Eça de Queirós, em vida e nos seus escritos, ser bastante crítico do Parlamento. Ironia do destino. Eu tenho a sua obra completa, em 30 volumes, encadernada, que me foi oferecida por Sousa-Pinto então dono dos Livros do Brasil e João da Palma-Ferreira com quem trabalhei anos a fio naquela editora.
- Tudo o que agora se discute no Parlamento sobre a lei dos solos, já o meu amigo e vizinho John, perante o meu juízo de improvável construção de um ramo de Hollywood para aqui sendo área agrícola, me respondeu: “o dinheiro compra tudo”. Assim, estou do lado da viúva do BE por querer evitar a alteração da lei actual, julgo do tempo de Passos Coelho. O PS, naturalmente, diz que quer corrigi-la de modo a que não se transforme em “ilhas”. Os autarcas e os camaradas construtores e especuladores de solos e imobiliário, esfregam as mãos não por causa das frieiras, mas pela antevisão dos bolsos recheados.
- Li com muito interesse a entrevista que Adalberto Campos Fernandes, o meu Ministro da Saúde, deu ao Público de hoje. Ele inúmera muito coisa que estava mal e assim continua, mas a dada altura tem a coragem de afirmar: “A ministra (Ana Paula Martins) fez algo que é importante. Fez um acordo com os enfermeiros, com os médicos, com o INEM. Portanto, tem procurado estabilizar as relações de trabalho.” Noutro passo, ele diz algo com que concordo, mas não com o fel que lhe introduz a extra-esquerda: BE, Livre, PAN. “Os portugueses têm de pagar pelo sistema de saúde público 18 mil milhões e, depois, mais 12 mil milhões na área privada.” Acorda de súbito já no final a entrevistadora querendo saber o que pensa do recurso aos privados proposto pelo PSD/CDS: “Faz sentido nesta perspectiva: todos os cidadãos que pagam os seus impostos e cumprem as suas obrigações para o Estado exigem respostas e têm direito a essas respostas. Não têm que ser responsabilizados pelo que funciona bem ou mal.” Adalberto Campos Fernandes dixit.
- Um forte abalo sísmico ocorreu no sopé dos Himalaias com repercussões no Nepal, Índia e Butão. Até ao momento, foram contabilizados 120 mortos, milhares de casas foram destruídas. O sismo teve uma magnitude de 6,8 na escala de Richter.