quarta-feira, abril 30, 2025

Quarta, 30.

Falando do “nosso povo” quando posto perante qualquer problema que saia do rame-rame da sua existência, quero dizer, do futebol, das telenovelas e concursos, da vidinha rasteira a que se acomodou, da família enquanto criação de um ideal nunca cumprido e por vezes decepcionante, logo o primeiro impulso, é correr aos supermercados a abastecer-se do que lhe vier à mão, sem esquecer as toneladas de papel higiénico, e acreditar sem pensar em tudo o que encontra escarrachado nas redes sociais que devoram como se fossem máximas para a vida. É uma gente que não pensa, que age por impulso, como se fossem crianças abandonadas à sua sorte, perdidas num deserto ou numa escuridão do fim do mundo. É tão triste pertencer a um povo assim ignorante, sem capacidade de reflectir, acreditando nos arautos da desgraça e da incomunicabilidade, hoje políticos doidos que o manipulam a seu bel-prazer e ambição, usando-o e descartando-o quando muito bem lhes apraz.  

         - Se não vejamos. Tratando-se “o apagão” de um acontecimento (eles dizem evento) nunca antes ocorrido, era natural que governantes e governados o encarassem com estupefacção e inquietação. Por outro lado, tanto para uns como para outros, o facto de se ter perdido todo e qualquer contacto – telefónico (fixo e móvel), rádio, televisão, e-mail, whats-app, paralisação de comboios, aviões, indústria e comércio -, era razão suficiente para redobrar de apreensão. Por momentos, estou em crer, foi o pânico governamental como em todas as infras-estruturas ligadas à energia, aos transportes públicos, às autarquias, enfim, a toda a rede social que vigia todos e cada um. Noutro sentido, sendo o problema não só português como espanhol e francês, com o nuclear à mistura, as apreensões redobraram. Se a tudo isto acrescentarmos a situação política do mundo e particularmente da Europa, temos o ensaio que se adivinhava nas consciências e cérebros dos mais esclarecidos. De resto, para os nossos vizinhos, nada está fechado: sabotagem, assalto cibernético, corte de tubos algures, que sei eu! As televisões, mostraram Espanha paralisada, pessoas a dormir no chão nas gares de caminho de ferro, nos aeroportos, onde calhava porque ninguém podia antever não só o que tinha acontecido, como quando tudo voltaria à normalidade. 

         - E eis que entram os políticos impacientes  por ter a derradeira palavra. Devo dizer que, como fui dormir tranquilamente às 10,30, só de manhã me chegou o aviso do PROCIU, numa altura em que por todo o lado a vida estava refeita e os cidadãos a respirar de alívio. Todavia, a imagem perfeita desta classe de governantes que nos calhou no nosso malogrado destino, ficou estampada ontem, na entrevista que o apresentador (e escritor já agora) do telejornal da SIC fez ao Ministro da Presidência, António Leitão Amaro. Que tristeza! Que sensação horrenda de haver pertencido àquela classe! Aqueles momentos, foram a prova provada da vassalagem do jornalismo a esquemas ínvios, soprados ao auricular, que a competência do ministro facilmente derrubou, deixando a descoberto a pouca preparação do entrevistador que viu, nas ventas, desmascaradas as suas falsas afirmações. As mesmas que o PS do esquerdista dirigente, cada vez mais em sintonia com o Chega, vem disseminando apenas porque não possuem, e outro, um programa de governo sólido e coerente. Portugal, foi dos três países afectados, aquele que mais cedo e melhor saiu da situação. Luís Montenegro e os seus ministros, o pessoal da energia e concomitantes, foram exemplares. Só a CP dos camaradas, apesar da tragédia, continuou com a greve que tantos prejuízos e chatices acrescentaram ao “nosso povo”. Eu conto que na hora do voto os portugueses percebam as figuras miseráveis desta gente; e que os socialistas expulsem por incompetente e desajeitado, o seu secretário-geral. Dito isto, é evidente para mim que há muita gente a enriquecer com a energia, basta ver com atenção a nossa factura de electricidade. Depois, manda a verdade que se diga, vivemos esmagados pelo lucro de uns e as ideologias de outros. 

         - Fui, aleluia, à natação. Acabado o pousio imposto pela oftalmologista, corri à piscina e durante uma hora, com faixa livre só para mim, pude refazer a massa muscular que tanto bem me faz. Desapareceram as dores lombares, os músculos da perna que os rapazes e os homens ditos machões tanto namoram, ficaram mais distendidos, a saúde inundou-me de vigor. Os velhotes lá estavam como Deus os fez, a discutir o apagão – melhor isso que futebol.  

         - Da piscina fui directamente para o restaurante, ao encontro de um rapaz que há muito desejava encontrar-se comigo para discutirmos a hipótese de ajuda nos trabalhos da quinta. Não sei que idade terá, mas pareceu-me um vulcão não só na forma de falar como nos movimentos corporais. Disse-lhe que prefiro pagar mais uma hora por trabalho bem feito, que menos na presa aldrabada. Encolheu-se. Contudo, há sempre algo que escapa da nossa natureza mais escondida. Quando mais tarde telefonou a agendar o dia, despediu-se com “um abraço”.  


terça-feira, abril 29, 2025

Terça, 29. 

Dizem os jornais que 400 mil pessoas acompanharam o cortejo fúnebre do Papa Francisco desde a Basílica de S. Pedro à Basílica de Santa Maria Maior onde repousará para a eternidade. Eu conheço bem a distância por, pelo menos duas vezes, ter feito o percurso. A separá-las está não só o Coliseu, como as artérias centrais que atravessam o centro e mais além a célebre Fonte de Trevi e ali perto a monumental escadaria da Praça de Espanha encimando com a igreja Santissima Trinità dei Monti. A população acumulava-se, de um lado e outro das artérias, compungida e silenciosa, outra tanta seguia atrás de féretro. Nunca se tinha visto nada assim. Mesmo com o Papa João Paulo II que, decerto modo, foi popular. 

         - Justamente. Lembro-me de ter registado nestas páginas a estada de Francisco no Brasil. Ante tudo o que vi, pareceu-me espectáculo a mais e achei, e continuo a achar, que Deus se manifesta melhor e mais profundamente no silêncio por ser essa a sua linguagem. Eu sei que estando no Brasil e conhecendo-se os atributos dos brasileiros, talvez doutro modo não podia ser. Seja como for, é para mim evidente que os dois papas marcaram a Igreja com a sua personalidade, embora ache que Francisco nunca se despegou da missão para que foi incumbido pelo Espírito Santo. Era político na medida em que o mundo concreto não chegava aos políticos ou era por eles ignorado; e apenas e só quando os mais desfavorecidos eram postos de lado; ou acima do humano se sobrepunha a ganância de uns quantos; ou o poder era radical; as guerras e o desprezo do outro destruíam o que havia de mais sagrado na natureza humana. Levou a Palavra de Jesus a muitos cantos do mundo, mas fê-lo como missão, com sacrífico da sua saúde, desprezando a propaganda copiada dos governantes sem programa, sem critérios, sem perspectivas, puros sanguessugas que se agarram à mentira para obter o que não lhes pertence. João Paulo II era mais político. Tendo vivido sob o regime da ex-URSS, estava-lhe no sangue uma secreta revolta que os anteriores donos do Império Russo ainda não desistiram de voltar a unir. Aliás, estou a agora a lembrar-me de um famoso encontro do papa polaco com o astrólogo Stephen Hawking. A dada altura falaram sobre o famoso big bang. A discussão aqueceu e vai daí diz-lhe o Papa Karol Wojtyla: “Vamos ver se nos entendemos, senhor Hawking: tudo o que vem depois do big bang é seu; o que está antes é meu.” Não é tão engraçado e definidor de uma personalidade forte? 

Stephen Hawking defensor fervoroso de novos mundos na mecânica quântica. 

 

          - O mundo, tal como hoje o encontramos, parece descair para o colapso. Tantos crimes, tantas tragédias misteriosas, uma geração a crescer na insatisfação, no uso da banalidade de toda a espécie como representação da vida sustentada por valores morais e religiosos, sociais e compassivos. Em França, por exemplo, quase todos os dias há assassinamentos entre jovens liceais; nos EUA o uso de armas sendo autorizado, é causa por tudo e nada, de assassinatos; em Vancouver onze pessoas morreram quando um condutor avançou sobre a multidão que assistia a um espectáculo filipino; no Irão estão contabilizadas 65 mortes na explosão de sábado passado no porto comercial. E passo. 

         - Ontem, pelas onze da manhã, o dia fechou-se e logo a seguir encerrou a vida tal qual a conhecemos desde há cem anos. Um apagão pôs tudo e todos às escuras e com o avançar da noite suspensos do inusitado acontecimento. Eu experimentei um certo gáudio por não ter energia que fizesse funcionar o computador, o frigorífico, a televisão, o rádio, a Internet, enfim, qualquer meio que me devolvesse a pacatez quotidiana dos serões. Havia em mim uma sensação de passividade, de ronronamento, de estaticidade. Enquanto fez dia, após o jantar, sentei-me lá fora no terraço a ler. Li até às nove e meia. Pelo meio tentei saber o que se passava, mas também não tinha Vodafone, e até o fixo se calou e a água na torneira caía em bico. Então voltei para dentro, acendi velas e lamparinas no salão e deixei-me esvair numa espécie de santidade que o altar em que transformara o interior me proporcionava. Às dez e meia, perguntei o que estava eu ali a fazer, afundado em fantasias cerebrais, algumas que não se contam a ninguém e subi para dormir. Adormecei de pressa e acordei célere e verifiquei que o aparelho que tenho na mesa de cabeceira já respondia pela voz da TSF às minhas perguntas e, sobretudo, mais uma vez decifrava o povo que somos. A suite para amanhã porque o texto vai longo. 


domingo, abril 27, 2025

Domingo, 27.

Pronto, enterrado o morto, vite vite que começa a ser hora de encontrar substituto. Os cardeais atropelam-se em declarações, em passeios públicos por Roma, em entrevistas aos órgãos de informação, em preces divinas... Há por todo o lado um certo dandismo eclesiástico. 

         - Entre nós, vá-se-lá-saber-porquê do Expresso à Rádio Renascença, a vedeta religiosa que acolhe a unanimidade é sua excelência reverendíssima o cardeal de Setúbal. Que está como os demais em Roma com o pensamento fotocopiado na personalidade do Papa Francisco. Diz sua sublimidade que anda em meditação pela capital italiana a escutar, e destaca a importância de ouvir as expectativas dos fiéis, como o próprio Papa fazia nas suas caminhadas em São Pedro. Juntinho a Jorge Bregoglio, acrescenta: “A Igreja não deve voltar atrás no caminho de mudança iniciado por Francisco, temos que continuar, como diz o Papa: 'Adelante'". Está lá tudo, só falta o Conclave nomeá-lo. 

         - A sintonia é perfeita. A Mairie de Seine-Saint-Denis, nos arredores de Paris, de executivo comunista, não permitiu que a bandeira fosse erigida a meia-haste por morte do Papa Francisco. Diz o respectivo deputado, senhor Alexis Corbière em nome da laicidade. Pois. 

          - O Papa Francisco fez Jesus Cristo mais humano, a humildade de Jesus mais próxima de cada um de nós. 

         - Fui comprar o jornal. Como a fila era grande e o tempo para mim escasseia sempre, disse à bondosa funcionária que iria embora sem pagar. Quando, enfim, ficámos frente a frente, ela atirou: “Você nunca faria isso. – Não sei porque diz isso. - Ora! Vê-se na sua cara. – E que vê? – Olha-se para si e vê-se logo que é uma pessoa como deve ser. – Isso está na cara? – Sim. Não se esqueça que atrás de um balcão aprende-se muito sobre as pessoas. Passa tudo por aqui.”   

Vida de gato selvagem. 


sábado, abril 26, 2025

Sábado, 26.

Enfim, o Papa Francisco repousa em paz na Basílica de Santa Maria Maior que expõe a imagem da Virgem Salus Populi Romani que ele tanto venerava. Para as cerimónias fúnebres, vieram os presidentes de toda a parte do mundo e nem faltou o gangster Trump que, como todos os outros, não entende nada da civilização europeia, parecendo baratas tontas num meio que lhes é estranho. Muitos milhares durante os três dias que o corpo ficou em câmara ardente na Basílica de S. Pedro, vieram recolher-se (forma de falar porque nem lograram parar com apenas dois segundos impostos diante do caixão aberto).  

         Operaram-se, todavia, dois milagres sob a bênção do Papa Francisco que em vida tanto batalhou para acabar com a guerra na Ucrânia. O encontro de Volodymyr Zelensky Presidente da Ucrânia e Donald Trump dos EUA na Basílica de S. Pedro; seguido de conversações com Macron da França e Starmer do Reino Unido, sob o olhar do Papa Francisco. Talvez seja desta que a paz aconteça. 

De notar o ar triste e sério de Zelensky, um homem à altura das suas responsabilidades e o mais importante Presidente deste século.  

Macron e Starmer, dois líderes subitamente inteligentes numa Europa adormecida. 
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Estes dois imbecis não contam para coisa nenhuma. 


sexta-feira, abril 25, 2025

Sexta, 25.

Somos o país que somos, temos os partidos que merecemos, a pobreza e analfabetismo que se conhece, mas não nos faltam dirigentes com lata bastante para se desdizerem a cada hora. Aí está mais um facto que os faz renascer. Desta vez tem a ver com o falecido Papa Francisco. Estamos de luto e Luís Montenegro decidiu que um país de luto não deve - decerto por coerência -, festejar, dançar e saltar enquanto durar a funestação. Logo toda a dita esquerda lhe saltou em cima e, invocando a parte da filosofia social de Bergoglio que lhe convém, opôs-se porque o 25 de Abril coincide com o programa do Vaticano e é a data que nos trouxe a democracia. Já agora, se me dão permissão, direi que por aqui está tudo aberto, é um dia como qualquer outro. Quando perguntei ao rapaz do Lidl se não ia às comemorações festivas, ele foi peremptório: “Ó meu amigo, quero lá saber disso!” Repliquei por graça: “Não diga isso alto porque ainda lhe chamam fascista.” Resposta: “E eu nas tintas.” 

         - Ontem fui à Brasileira. Encontrei os do costume, mais um pintor que não aparece com frequência. Estando também o João Corregedor, e não sendo possível ter com ele qualquer conversa que não seja sobre política, abancou o abarracamento. Aquela gente só conhece dois modos de ser: esquerda e direita. Fora destes extremos, não consentem mais nenhum outro. A sociedade, ou é de esquerda ou de direita. Pobres coitados. Vivem sem imaginação, com duas talas nos olhos, sem liberdade e vastidão para abarcarem o mundo que os rodeia e eles não se deram conta que mudou muito. Estão, por assim dizer, na parada do quartel - esquerda, direita, volver. 

         - Apanhei a meio (penso uma repetição) o espectáculo de Agir sobre as canções de Abril. Foi o melhor contributo de todos para a celebração da data. Um artista fabuloso, que pouco aparece nos ecrãs, preferindo as televisões a mediocridade que assola o país de Norte a Sul. Dizem elas, as TVs, que é disso que o povo gosta. 

         - Celebrar Abril, a Democracia insistem as esquerdas. Pois sim. Todavia, do pouco que vi e dos fragmentos que passaram nos telejornais, de democracia quase nada. A que se assistiu foi à clássica guerrilha que os partidos, servindo-se da efeméride, aproveitam para o assombro degradante dos valores que o 25 de Abril de 1974 nos ofereceu. A ganância do poder, o ódio vomitado, os interesses de classe, a arrogância, a miséria humana deliquescida na Assembleia Nacional, é a imagem podre de uma democracia que se vai fragmentando aos bocados. Não gosto de maiorias, mas espero que a AD que tem governado com dignidade, decência e oportunidade, consiga ter margem suficiente para prosseguir o seu programa. 


quarta-feira, abril 23, 2025

Quarta, 23.

Ainda esses tempos dourados da nossa juventude eterna. Muitos foram os colegas com quem convivi durante os quatro anos de aprendizagem. Do Centro Universitário, os que ainda hoje guardo comigo, lembro o Vítor Oliveira, a Gi, o António Carlos Carvalho que me levou mais tarde para o jornalismo, Alexandre Ribeirinho nosso mestre ilustre, a Alexandra, a Maria João; da Rádio Universidade todos os que citei ontem, mais o Balsinha que entrou directo para a televisão e faleceu há uns anos, o Fernando de Sousa que foi correspondente em Bruxelas, o Zé Manuel Nunes, o Fialho Gouveia que saiu quando eu entrei, e passo o Cartaxo e Trindade por ser desonesto e respeitar a sua morte, e tantos outros cujos rostos conservo tendo esquecido os nomes. Sem olvidar a dona Berta que me dactilografava os textos todas as semanas, em papel amarelo da instituição, e tinha uma paciência cristã na adivinhação e interpretação da minha caligrafia.  

         - Deixei-me desabafar: sempre nutri uma camaradagem e profunda amizade e simpatia pelo Zé. São raras, raríssimas, as vezes que folheio um livro meu. Faço-o agora para transcrever o que escrevi no terceiro volume do Diário publicado Nas Margens da Inquietação, a propósito do meu primeiro livro A Ruptura, que viria a ser prémio anual do Diário Popular para o romance.  

22 de Janeiro de 1979 – “O meu amigo José Manuel Nunes convidou-me para ir ao Contraponto que mantém com elevado nível na RDP. Ao chegar ao estúdio decorria uma mesa redonda sobre a Reforma Agrária. Enquanto esperava, outro remedio não houve que ouvir a lengalenga do costume, rosário conhecido de falsidades e atropelos elementares. A seguir entrei eu. O Zé fez as perguntas que eu imaginava e lá me desenrasquei-me como pude. O mais gratificante veio depois, microfone fechado, quando ele me disse: “Sabes, o livro é sobretudo muito sereno.”  

23 de Janeiro de 1979 – “Ao regressar a casa depois de ter jantado com o Luís na Brasileira, liguei o rádio para ouvir a emissão do Zé. Tudo quanto ele disse, a forma como disse, a escolha dos excertos, a música, as opiniões, deixaram-me profundamente abalado e agradecido e este sensível e culto homem que fez da cultura um instrumento de beleza e dignificação da pessoa humana, que me apetece dizer: “A Ruptura deixou de me pertencer e passou a ser propriedade sua.” 

          - Há um coro de falsidade e hipocrisia a desaguar em Roma para assistir às cerimónias fúnebres do santo Papa Francisco. Para alguns, é um excelente fim-de-semana de compras e jantares, visitas e encontros festejados e ainda por cima pagos pelos impostos dos respectivos cidadãos. Francisco sempre os topou, embora os recebesse muitas vezes com indiferença. Como no caso de J D Vance que pôs na lapela o crachá de ter sido último dos vígaros a estar com Sua Santidade. 

Milhares despedem-se do Papa Francisco. 

         - Oh, felicidade! Depois do almoço, regressei ao trabalho em tronco nu do corte da erva daqui de ao pé de casa até ao portão. Foram quase duas horas benditas que me transportou às alturas da vida sem dores nem outras preocupações. Eu que pensava estar arrumado, não conseguindo manter este espaço com dignidade, eis que tudo em mim remoçou. Tal como nos últimos vinte anos que vou a Paris e digo para mim mesmo “desta vez não vou conseguir calcorrear a cidade porque a perna que as francesas devoram esfregando os lábios, não aguentará”, também agora julgava ter de vender isto para não sofrer com a paisagem desordenada e selvagem que aqui se instalou com o Inverno violento. 

         - Mas deixem-me acrescentar mais qualquer coisa. Posso? Se me permitem vou dizer-lhes o segredo desta energia frágil e forte ao mesmo tempo: não olhem à idade, não pensem nunca nela, façam por a combater e com ela o espreitar maroto da morte. Não parem nunca, não se isolem com a netinha nos braços no passeio dos tristes, vivam a vossa vida na vossa idade, continuem interessados por tudo, leiam continuamente, pensem, isolem-se para carregar vontades e prazeres, e quando em conversa sair alguma taralhoquice e forem censurados, não liguem – tenham o esquecimento ou a trapalhada ocasional em conta, pensem nela e nesse pensar reside o avanço emocional que irá trazer-vos à memória a cautela que escapou. Se caírem, levantem-se. Não queiram ajudas, tentem primeiro com as vossas energias e só depois, se necessário, acolham o braço do caridoso. Não se entreguem à vida de casa, ao jornal lido nos bancos do centro comercial manhãs e tardes sem fim, não se descaiam demasiado para o lado dos filhos e netos, e pensem que o mundo mudou tanto que é hoje um lugar de fantasmas sequiosos de riqueza sem misericórdia nem afecto. Filhos atacam os pais, deixam-nos apodrecer nos lares, e com eles em pele e osso, prosseguem como se tivessem vindo ao mundo por obra e graça do Demónio. É livres e independentes que nós podemos aspirar à morte serena. Nunca deixem de laborar – o trabalho é a extraordinária força que conserva a vida. Vou tomar um duche.   


terça-feira, abril 22, 2025

Terça, 22.

O mundo parece ter descoberto agora Francisco, alguma Igreja também. A hipocrisia é medonha combinada com o imediatismo e o erguer de cabeça, advertindo: “Eih, estou aqui!” A imprensa portuguesa rema para Setúbal com entrevistas aquele que ela quer ver no Vaticano; Trump, depois de Vance qual hipócrita vaidoso a preparar a sucessão do trapalhão, disse que estaria em Roma para o funeral do Papa, com a sua delicada esposa. Há tanta palermice nestes americanos de segunda, iletrados, convencidos que têm o rei na barriga, tão trágicos na sua insignificância, que não se dão conta do ridículo que ostentam. Burrrrr! 

         - Talvez o fim de Trump seja antecipado. O povo americano parece ter-se dado pelo desastre de haver votado no núcleo dos gangsters. Fim-de-semana passado, em quase todos os Estados, o povo saiu à rua protestando e chamando todos os nomes possíveis ao especulador imobiliário. Por outro lado, o débil partido democrata, adormecido há três meses, ressuscitou com acções e palavras convincentes. A China, país digno e forte, no oposto à Europa periclitante, comanda o mundo favorecendo-se e aproveitando inteligentemente o que Trump lhe oferece de mão beijada. Não tardará seja ela o maior e mais potente país do globo. Não foi por acaso que a presença europeia cristã por aquelas paragens lhe deram outra dimensão (estou a lembrar-me dos jesuítas). Mao Tsé Tung transformou o povo em escravos e para isso dizimou milhões. Os que vieram depois, sob ditaduras sucessivas, avançaram economicamente, mas contra a natureza humana cujo valor inestimável é a liberdade – e desse ponto de vista vivem numa prisão. 

         - Inopinadamente, eis que me atiro a limpar as ervas danosas que cobrem todo este espaço. Comecei a medo, antevendo a dor lombar do lado direito e como resposta àqueles que preferem o café em vez do trabalho. Porque antes havia gente de todas as idades para nos ajudar em pequenos trabalhos, hoje não há uma alma e os campos estão abandonados. Bref. Ao cabo de uma boa hora, tinha metade da parte de quem aqui chega, limpa - uma máquina. Não é muito, eu sei. Mas é tanto porque me enche de contentamento, e espero seja o começo de um período profícuo. 

         - Estive a ver um podcast do Adelino Gomes quando das primeiras horas do 25 de Abril de 1974. Vou ter de me olhar bem ao espelho... Nós fomos colegas no início da nossa actividade radiofónica, mas com quem eu me dava bem era com a nossa colega que julgo veio a ser sua mulher. Curiosamente, surgiu-me agora a ideia, o mesmo aconteceu com o casal Joaquim e Helena. Talvez me desse melhor com o Joaquim Furtado, mas recordo-me, perfeitamente, que era com a Helena que eu gostava de conversar e discutir, recordo a sua sensibilidade. O mesmo se passou com o João David Nunes, embora com este a nossa amizade tivesse tido mais extensão e, lá está, por virtude daquela que viria a ser sua companheira. Para não falar no Zé Nuno Martins, no Alferes Gonçalves com quem me dava lindamente e passo. É toda uma geração de jornalistas e mulheres e homens da rádio que agora chega ao fim, é toda uma vida de empenho, agitadíssima, florescente que trouxe muito para a forma como hoje se faz jornalismo e rádio. Posso dizer que fomos pioneiros. Por exemplo, o meu programa semanal, Nova Musa, a montagem era sempre feita pelo João David Nunes. Foi ele que introduziu as vozes e as guitarras num programa de poesia com poemas e apresentação que eu escrevia e divulgava aos microfones da Rádio Universidade adstrita à Emissora Nacional. O Zé, locutor de serviço na estação ao domingo, apresentava-me sempre deste modo: “E agora o Nova Musa do catedrático Helder de Sousa.” Era um gozo que nos divertia. 


segunda-feira, abril 21, 2025

 

Segunda, 21.

Vladimir Putin, para enfeitiçar Trump que de inteligência não dá provas, disse que suspendia a guerra por dia e meio devido à quadra pascal. Vimo-lo depois na catedral de Moscovo, de vela acesa, muito pio, a rezar ou antes a ciciar os lábios finos dos cínicos.  Na mesma altura, caíam bombas em várias zonas da Ucrânia, tendo o ditador dito posteriormente que fora a resposta aos ataques de Kiev. De facto, desde a primeira hora, que Zelensky que se tem revelado o melhor presidente europeu desde a Segunda Grande Guerra, afirmou que não acreditava na palavra daquele que o atraiçoou já por diversas vezes. 

         - Assim a Europa apressa-se, mas não acredito que as lutas partidárias e as correrias eleitorais, tragam protecção e segurança. Há um gráfico que o Público transcreveu que merece atenção. O número de armas nucleares da Rússia é superior a qualquer outro país do mundo. Só ela possui 5580, contra 5225 dos EUA. A Europa está pior. A França e o Reino Unido juntos, não vão além de 515 unidades. No caso do Reino Unido, estão dependentes da América para serem utilizadas. A própria China possui apenas 600 e a Coreia do Norte (graças em parte ao primeiro mandato de  Donald Trump), conseguiu fabricar 50. 

         - Assisti pela televisão à Missa da Ressurreição transmitida do Vaticano. O Papa Francisco, muito frágil, não deixou de ser lúcido e terno quando na véspera, durante a Via Sacra, falou do mundo dos negócios e da riqueza à custa dos escravos, afirmando a dada altura que “a gratuitidade tem um preço elevado”. Os textos que acompanharam as XIV estações do Pretório ao Calvário, eram notáveis, revelando a profundidade e a justeza que não abandonam as capacidades intelectuais do Sumo Pontifico. 

         - Segundo li no Público, existem coimas aplicadas a quem falar em alta voz nos transportes públicos. Não sabia, mas aplaudo. Também parece que os comboios estão a pensar em criar “carruagens silêncio”. Eu pago o que for preciso para viajar nelas. Pena que a Fertagus não institua rápido tal sistema, farto como estou de ouvir as negras aos berros (e algumas passageiras brancas parecendo surdas), todo o percurso, e nós a gramarmos aquela miséria de conversa que nos chega da que temos ao nosso lado e da que lá longe grita também e, quando eu farto daquela tristeza, peço para falar mais baixo, logo sou enxotado: “Quem não está bem, muda-se.” As meninas do BE deviam ouvir este calvário se viajassem nos transportes públicos. Como andam montadas nos seus popós, não se misturam com o modi operandi que tanto defendem mas... à distância como rainhas no seu trono.

         - Desisto de ter a minha mesa de trabalho arrumada. Todas as manhãs tento, mas logo renuncio porque outras tarefas se atropelam. Então, tendo a Piedade trazido outro dia um ramo de jarros, fui colher do meu jardim(?) as estrelícias com que decorei o salão. Assim, vista de longe, com a jarra de flores de permeio, a secretária parece limpa pela Piedade que, mesmo quando cá vinha todas as semanas, eu nunca autorizei a mexer-lhe. 

         - Depois de ter registado todas estas impressões, quando ia no comboio a caminho de Lisboa, o João Corregedor telefona a dar-me a triste notícia: o Papa Francisco faleceu. Fiquei mudo, siderado. Notara que ontem, durante a bênção Urbi et Orbi ele estava muito ausente, decerto sofredor, parecia perscrutar o infinito, nem cá nem lá, num espaço que consentia o silêncio que inicia a viagem que nós teremos todos de fazer um dia. Morre um santo, o Papa que melhor interpretou os Evangelhos, que lutou pela humanização da Igreja contra o fausto, a arrogância, a vida airada de certos padres, bispos, cardeais; enfrentou a catrefa de casos de sacerdotes pedófilos, aguentou o confronto com os cardeais americanos e, em surdia, muitos outros, aproximou as mulheres da Igreja real e institucional, gritou contra a guerra, a pobreza, o abandono dos infelizes, dos imigrantes, de todos aqueles que a sociedade liberal sacode para as margens da morte. Trabalhou até ao derradeiro dia. Os textos por ele escritos para a Via Sacra de Sexta-feira Santa, são o derradeiro testemunho de um Homem atento ao mundo espiritual e à passagem, breve e intensa, de cada vida humana. Foi consubstancialmente a luminosa presença de Jesus Cristo na Terra.   

sexta-feira, abril 18, 2025

Sexta, 18.

Soube-se agora pela boca do felizardo, que não obstante ser maduro e ter cinquenta ou sessenta anos, ainda vive das ajudas do paizinho e das caixas de sapatos que ele produz. Este é o Portugal dos eternamente pequeninos, onde se esconde a natureza de certos feiticeiros que o socialismo aprova, o comunismo acolhe e a extrema-direita acha natural. Os 400 mil que o casal avançou, afinal, foram derretidos em três casas e não em duas. Toma e embrulha. Ninguém quer saber como foi obtida uma tal soma, isso pouco importa e só diz respeito a Luís Montenegro... E tu lembra-te que hoje é Sexta-Feira Santa, portanto, recolhe-te e cala-te.


quinta-feira, abril 17, 2025

Quinta, 17.

A luta política trava-se taco a taco. Se o líder do PS levou meses a animadvertir por causa das casas e casinhas Montenegro, agora chegou a sua fez de justificar de onde vem tanto dinheiro para comprar, duas, duas residências. As do outro não me surpreendem e são possíveis de adivinhar de onde chega o dinheiro; as deste, sendo ele e a mulher funcionários públicos, como é possível movimentarem tanta massa: cinco mil nesta conta, 400 mil na outra, empréstimos bancários e não sei mais que movimentos porque nunca se apurarão com verdade. Isto está tudo minado. Xiu, não digas isso, não generalizes, contem-te porque os políticos não são todos iguais – assim falam os da banda. Contudo, se acusamos este e aquele pelos seus próprios nomes, e lembramos o cortejo dos mesmos a caminho dos tribunais, logo nos advertem: não personalizes. Espera pela acusação do Ministério Publico ou dos tribunais que, como se sabe e é disso exemplo o Sr. Sócrates. 

         - A coisa está preta por todo o lado. Em França, a desordem e os narcotraficantes, ameaçam tomar conta de tudo. Nestes últimos tempos, as viaturas dos guardas prisionais estacionadas junto às cadeias, foram todas incendiadas. E a ameaça que a seguir serão as suas próprias, também soou. Por todo o lado, a derrota da democracia, parece ser o objectivo. Este regime, entregue a medíocre e corruptos, há muito que vem enfraquecendo. A grandeza dos grandes visionários, impolutos, com visão de futuro, que viram longe e longe foram com as suas políticas, há muito que desapareceram. O que está é uma espécie de arraia miúda que se instalou para se governar. 

         - O clima também vem em sequência. Estamos daqui a nada em Maio, neva na Serra da Estrela, chove por todo o lado, o vento corre furioso, e eu não reconheço o país onde nasci. A Europa toda tem sofrido e tido estragos de muitos milhares de prejuízo devido à série infinda de pressões climáticas.

         - Lisboa estava de fugir. Por todo o lado - comboio, metro, elevadores, Fnac - era um cheiro horroroso a bufas. Decerto é devido à alimentação da quaresma, mas ainda assim só de aloquete no nariz. Horror! Horror!


quarta-feira, abril 16, 2025

Quarta, 16.

Tenho aqui uma infinidade de tarefas que não parecem acabar. Temo as dores lombares se me afoito a realizá-las. Não vou ter contudo outro remédio. Mas ontem, tendo passado de raspão na Brasileira, logo me escapei para o meu refúgio na Fnac onde tive a surpresa da aparição de Ana Boavida. Ali estivemos à conversa umas três horas e no final, aquilo que ela me contou, encheu página e meia. Ganhei o dia e esqueci este reduto que com o tempo me parece difícil de manter. Todavia, esta manhã ao acordar, olhando o dia claro e o sol que o banhava, senti crescer dentro de mim aqueles impulsos, como direi, sobrenaturais que me empurram para a vida e desta para a descoberta dos dias cheios da felicidade de existir, pese embora os esforços dos gangsters que governam o mundo insistindo em o destruir. 

         - Outro dia telefonou-me o Fernando Dacosta. Há anos que não sabíamos um do outro, desde que a maçã impressa no meu iphone me limpou todos os contactos. Dos não sei quantos que existiam, ele é agora o 150. Tenho por ele estima desde o tempo em que ambos éramos jornalistas e nos encontrávamos com regularidade. Parece estar intacto: na voz, na memória, no acolhimento. Quem operou este regresso, foi outra jornalista, Lurdes Féria, que me forneceu o número. Reservámos um encontro para breve em Lisboa. Tinha ideia que ele vivia hoje em Sampaio uma aldeia perto de Sesimbra. Não. Vive na Parede no mesmo apartamento que conheço. Logo no início da conversa esta pergunta que me surpreendeu: “Ainda vives nessa casa magnífica? – Enquanto puder, sim”, respondi.  

         - Aguardo com ansiedade o dia em que voltarei ao Gama Pinto para acertar a graduação dos óculos, de acordo com o que a cirurgia corrigiu. Isto porque há pelo menos mês e meio que deixei de ler, reservando a vista para a escrita e mesmo assim com imensa dificuldade. Tenho ali uma pilha de livros – romances, ensaios, memórias, três diários – que fui adquirindo. Quando os folheio, parece que me interrogam por se verem ali, alçados, abandonados, à espera que eu confirme a importância que decerto têm. De entre a enorme estante sentem-se sós, sem vida, sem comunicação, sem préstimo. Talvez no seu silêncio, ou no murmúrio pelo adiantado das noites, se achem marginalizados face aos milhares de outros que enchem a biblioteca de cima. Sim, um livro sem leitura é um objecto rejeitado, um ser sem identidade, uma parede de silêncio. Quem lhe dá vida, quem lhe acrescenta vida, é o leitor, sobretudo aquele que tem o salutífero hábito de com ele dialogar nas margens de cada página. 

         - Por vezes suspendo-me a olhar o firmamento escuro, a ver através das nuvens o desastre em que o mundo está a mergulhar. Tudo porque a doutrina dos Evangelhos foi posta de parte e até os eclesiásticos ajudaram ao seu naufrágio. O que vejo hoje, é a cena teatral que representa a hipocrisia daqueles que se dizem crentes, mas consagram todo o seu tempo à luta que os amortalhará.  


segunda-feira, abril 14, 2025

Segunda, 14.

La suite. Deixado o João para trás, encontrei o Simão atrás da sua banca de livros, a Conceição e um luso-americano de seu nome Rui, personagem encantadora por quem senti de imediato afecto. Eu entrara a dizer muito mal de Trump, indiferente ao que ele pensava da droga de presidente. Depois de vários toques, provocação minha, naquele dia incendiado de tremeliques, o coração a abarrotar de liberdade, a frase na ponta da língua, naquela espécie de delírio de que sou muitas vezes bafejado, fomo-nos aproximando e é então que ele se apresenta: pai americano, mãe portuguesa, residência em Alfama “com vista para o castelo de Palmela”, melhor dizendo de onde avista o castelo desta vila. O ditador americano foi ficando pelo caminho, e quem se apresentou à nossa troca de ideias foi Fernando Pessoa que ele diz ser o seu autor de cabeceira. Um ou outro passante parava a ouvir-me. Quando me dirigi a um senhor com bom ar embasbacado à minha frente, perguntei-lhe se estava de acordo comigo quando afirmei que Centeno tirou Portugal da humilhante situação em que os outros países nos tinham sempre condenado, nomeadamente, o Srs. Wolfgang Schäuble e David Cameron e o primário Sarkosy. Ele respondeu-me “inteiramente” e seguiu caminho. Pelo meio, eu que gosto de provocar o Simão, ia arremessando-lhe dichotes e provocações que o seu sorriso tudo apara servindo-se da nossa longa amizade. A tarde descia sobre o Chiado, um rumor de inverno varria as ruas, debruçava-se das janelas e varandas, e eis que aparece o Príncipe, com o seu sorriso enigmático, pé ante pé, a sua pança madrugadora, o seu ar beatíssimo de quem espreita a vida pelo lado de dentro do coração. O humor desceu, não por sua causa, mas pelo arrebate de sentimentos que por ali iam ficando sob os pingos de chuva que ameaçavam engrossar e tornar-se dilúvio. O nosso lente, refugia-se (provavelmente para me evitar devido à história do seu livro de poesia encravado) em conversa com o Simão; eu fico então com aquele furacão americano de uma simpatia e liberdade inopinadas. Alto, magro, desenvolto, pelos trinta anos, todo ele resplandece de simplicidade e naturalidade, a exemplo dos seus concidadãos (fora os das grandes cidades americanas) que são quase infantis e desenvolvem o talento da generosidade e da bondade. Digo-lhe que o que mais gosto no meu refúgio de Palmela, é do silêncio. Responde-me: “Também eu adoro o silêncio.” Momento ideal para abandonar o grupo de amigos e regressar ao rumor do vento, da chuva, do rumorejar plácido que faz o silêncio quando nos abraça na indulgência dos seus dons... Eram oito da noite quando entrei ao portão. Chovia. 

         - Entreguei o IRS pela Internet. Quando fiz a simulação do reembolso, verifiquei que era praticamente o mesmo do ano passado, tendo sido os patacos em falta recebidos, mensalmente, ao longo de 2024 – prova provada de que as blasfémias da oposição socialista, não passam disso mesmo - calúnias. 

         - Ontem, Domingo de Ramos, na Ucrânia e nos países católicos, o criminoso Putin ordenou bombardeamentos maciços contra a cidade natal de Zelensky, Kryvyi Rih. Resultado: vários mortos, muitas dezenas de feridos. O ditador não se ficou por ali. Aproveitando a demência de Trump que de inteligente não tem nada, atacou a cidade Sumy com mísseis balísticos de fragmentação, matando 34 pessoas e ferindo mais de cem. Em Zaporizhia um posto de gasolina foi incendiado, em kharkiv morreram 20 pessoas nove das quais crianças. É deste modo que o czar prepara a paz. 

         - As urgências de obstetrícia estão a fechar a torto e a eito, porque os senhores doutores, como qualquer funcionário público, têm direito à Páscoa gozada no estrangeiro ou no Algarve se vier o bom tempo. As grávidas que vão ter os filhos em estábulos como aconteceu há dois mil e poucos anos com Jesus Cristo. Que pouca vergonha, quem consegue pôr ordem nesta choldra? 


domingo, abril 13, 2025

Domingo, 13.

É com orgulho que digo não ter até hoje e espero até ao fim da campanha para as legislativas, ter visto um único debate televisivo. Não porque tenha mais que fazer, ainda porque lamento o estado da democracia em Portugal onde quem der mais é que vai ter os votos dos portugueses e porque não há novidade nenhuma que saia da boca e desbocados. Este leilão miserável, é a imagem de um povo inculto, dependente do Estado, subserviente, sem dignidade que se deixa arrastar por habilidosos medíocres que usam e abusam da pouca cultura política dos eleitores. 

         - É curioso. O que acima disse do que disse Trump daqueles que o abordam temerosos (justiça seja feita à China que não se ajoelhou para lamber o rabo monstruoso do dito cujo) para negociar taxas e taxinhas que o egocêntrico criou, veja traduzido, como direi, em modo puritano e adaptado. Ontem, no Público: “Estes países andam a telefonar-nos, a bajular-me.” Depois deixa a pecha: “Kissing my ass:” 

         - Ontem fui à Brasileira para me encontrar com o João e com ele acabar por almoçar. Por sua sugestão, fomos ao famoso Varina onde há dois anos estive com a Carmo Pólvora e lá apareceu o Algoritmo à socapa e nos bons anos heroicos com a Isabel e o Saramago todos os domingos. Estava fechado. Ao lado, o Travessa (hoje Osteria) aberto pelo dono do Varina, o famoso senhor António. Coisa moderníssima, sem menus impressos, sem multibanco, obrigatoriedade de internet e passo. Para encomendarmos o que queremos comer, fotografamos o qecode que está no centro do tampo da mesa e a partir do telemóvel pedimos o que queremos papar. Imagine-se esta confusão com o Corregedor! Bom. Preços caríssimos, pratos à moda do Piemonte de onde a proprietária é natural, cerveja a 4,70€, o meu prato pesto barbabietol, o do João lasagna pesto confeccionado como uma tosta de massa onde cabia queijo e outros produtos, sem sobremesa, cafés, nada. No final passa para cá 33 euros. João disse ao empregado guineense, que já não tornava lá porque não gostou do que comeu e detestou a gritaria da música e das vozes altissonantes dos convivas. Que foi ele dizer! Quando vínhamos a descer a rua, veio a proprietária que nos travou o passo pedindo justificações. A mulher é brava, olhos azuis, corpo bem desenhado, fala enérgica e doce conforme a conversa e a motivação do nosso desagrado. Eu tentei amenizar as coisas, pois para mim estava-me nas tintas para o ruído e o simples facto de não ter apreciado o ambiente e a comida, era bastante para lá não voltar a pôr os pés. E pronto. Era tudo. João enreda-se, argumenta, ela diz-lhe que Osteria significa taberna e nas tavernas há barulho, há vida, há alegria. No final as coisas consertaram-se. Ela abriu um grande sorriso e João baixou o tom da voz. Um autocarro minúsculo deixou-nos no Chiado. Ele desceu ao metro e Chiado abaixo com paragem na Anchieta onde o Simão e a Conceição tinham a habitual banca de livros. Stop. Amanhã conto mais. Digo do que me encheu as horas de tal modo que só cheguei a casa pelos oito da noite.  


sexta-feira, abril 11, 2025

Sexta, 11.

Ser oposição é estar sempre a desfazer no adversário, nunca lhe reconhecer qualquer mérito, criar em permanência pressão, arrasá-lo até ao mais ínfimo pormenor da sua vida privada. Esta forma de democracia pacóvia, obriga o cidadão a não ter descanso, a viver com o coração nas mãos, a fazer planos de vida para um dia quando muito um mês. O país vive sempre em estado de sítio, borbulhando entre ódios e malfeitorias, entre mentiras e meias-verdades, na criação de gente balofa, que arredonda a vida e a carteira, tomando importância que apenas é reconhecida pelos seus pares. Basta olharmos para aqueles rostos inchados do vinho tinto, da morcela comida ao deitar, aqueles fatos de cangalheiro com o lencinho na lapela, os sapatos envernizados de noivos infelizes, o aparato que lhes confere a solenidade que as suas vidas nunca conheceram porque sem armação cultural, cívica, social. 

          - Vem isto a propósito da muita confusão e mentira que invade o meio político-partidário, onde malhar no opositor é disciplina que se aprende na escola do partido. De contrário, vejamos. Fala-se muito do SNS, quase destruído pela excelência que ombreia com altos dirigentes europeus, à imagem de Sarkosy. No entanto, nós que o utilizamos, somos sempre bem tratados, bem recebidos, bem orientados por pessoal médico e auxiliar irrepreensível. O meu caso não será único. A Dra. Margarida Marques, co-operadora com o Dr. João Feijão e minha oftalmologista, telefonou-me a saber como me sinto. Ante o que lhe narrei, disse que, depois da Páscoa, me iria acertar a graduação dos óculos e tudo entraria no normal. Há preço que pague esta gentileza? Sobretudo quando o SNS é usado pelos políticos como moeda de troca para suas as vinganças. A saúde e a reforma são dois temas caros aos irresponsáveis que nos (des)governam. 

         - Ainda o senhor Costa. Ele e o senhor Medina, venderam-nos a ideia que somos ricos. Vai-se a ver não passamos de uns pobres idiotas inchados de ganância. Como estamos em campanha, somos o que a ambição de poder quer que sejamos. Mas quem nos põe em sentido e faz recuar nas promessas de todos os partidos, é o Conselho das Finanças Públicas que textualmente diz: “A revalorização salarial na função pública e a redução do IRS e IRC posta em prática pelo Governo ao longo dos últimos meses, deverão fazer as contas públicas regressar a uma situação deficitária e pôr em causa as novas regras orçamentais europeias” e até voltar ao deficit. 

         - Nem por isso os grandes e pequenos partidos desistem. O minúsculo Livre veio dizer que dá 5 mil euros às criancinhas que nascerem a partir de 28 de Maio, o PCP quer o salário mínimo nos mil euros, o PS, entre muito leilão, entrega a cada nascido um Certificado de Aforro, o IL obstina-se em privatizar tudo até a CGD, a viúva do BE promete avultadas quantias para a habitação e assim por diante. Tanta propaganda atrofia-nos e não nos deixa espaço a não ser para votar no leilão eleitoral de quem mais der. É isto democracia? É isto governar? Podemos ter confiança em gentinha desta? 

         - O mundo está baralhado, perigoso e descrente. De Trump espera-se tudo e nada. a sua gestão pode traduzir-se deste modo: “du n´importe quoi”. 

         - Andam aí duas mulheres e um homem a podar as laranjeiras e citrinos. Chegaram às sete e meia da manhã e já olhando as árvores me encho de satisfação por vê-las respirar sem dificuldade. Há anos que não me ocupava delas e é com júbilo e de joelhos que lhes imploro perdão por as haver abandonado sem que elas tenham deixado de me dar deliciosos frutos. 


quinta-feira, abril 10, 2025

Quinta, 10.

Outro remédio não tenho que me sujeitar ao anti-inflamatório. Eu conto. Há duas noites, acordei com dores insuportáveis nas costas e na perna que o olhar invejoso dos rapazes não ousam ignorar, com dificuldade e berros lancinantes, desci do quarto ao salão para procurar um Bem-u-Ron. Estava praticamente tolhido e descer as escadas foi um suplício. Enfiada a droga, voltei para a cama e em breve mergulhava no sono. Quando acordei pelas oito horas, as dores eram ainda difíceis de suportar. Vai daí, enfiei o primeiro de quatro dias de Rantudil. Ontem e hoje operou-se a maravilha: as dores desapareceram, voltei a coxear melhor (antes não me identificava com aquela forma de coxearia), a vida tornou-se mais atractiva. Eu sei, eu sei que sou o culpado porque deixo chegar o sofrimento a este ponto. Mas que querem, sou avesso a medicamentos e só os tomo quando o organismo desiste de os afastar como o diabo da cruz. Andava há pelo menos três semanas com dores, coxeava pior, desistia de ir aqui e ali, tudo porque olhava de soslaio a gaveta dos medicamentos e gritava “va-de retro satanás”. Esta interjeição, serve-me quase como filosofia de vida. 

         - A fúria de Donald Trump em querer ser o maior e mais temível do mundo, se bem compreendi, foi ontem ao ponto de se vangloriar referindo aos países que de joelhos lhe pedem misericórdia: “Eles até me lambem o cu.” Talvez fosse eu que compreendi mal, mas que tanto ele como a clique de gangsters que formam o governo são capazes de ordinarices tais e tantas, lá isso... A única personalidade que tem grandeza no processo, é a China. Honra lhe seja feita.  

         - Os recintos de divertimentos que pululam por todo o lado e onde os jovens deixam não só o suor como a alegria, estão transformados, volta que não volta, em espaços de morte. 

Foi o caso de uma grande discoteca na República Dominicana. O tecto desabou e o enorme espaço do chão, ficou reduzido a escombros e neles pereceram mais de 180 pessoas e ficaram feridas para cima de 150. O clube nocturno era armado ao fino, frequentado pela fina flor do sítio,  daí que entre as vítimas esteja um famoso cantor, vários outros artistas e um membro do Governo. 

         - A maior tristeza da intervenção cirúrgica, é o facto de me ter reduzido substancialmente a escrita e a leitura. O esforço que faço para me encostar ao meu destino feliz é medonho e a dada altura, pura e simplesmente, deixo de ver. 

         - Estou à espera do lagarto, diabo diabo, do senhor Lagarto que aqui virá com os seus homens podar as laranjeiras e outras árvores de fruto. É um sujeito muito honesto, muito falador, muito repentista e muito querido. Deste género, no Portugal dito democrático, há muitíssimos poucos. 


terça-feira, abril 08, 2025

Terça, 8.

Os ataques russos contra a Ucrânia prosseguem, e nem as trapalhadas de Trump ousam suspendê-los. Desta vez morreram 18 pessoas, incluindo nove crianças e ferindo para cima de 30. Foi um dos mais mortíferos destes últimos tempos, contra Kryvyi Rih. Grosso modo, foram zonas habitacionais que foram atingidas. A propósito do desnorte do senil Presidente dos EUA, que antes tinha dado ordem para que os ucranianos saíssem do país, veio agora dizer que o tinha feito “por engano”. E pensar eu que a democracia americana e o mundo, está sob as ordens de um sujeito daquela natureza! 

         - Porém, não é só aquela guerra que abala as consciências dos pobres europeus, é também aquela outra que há muito roubou a dignidade e a existência a milhão e meio de palestinianos e sobre a qual a União Europeia caminha espezinhando os cadáveres dos inocentes. Israel, não tem tido da parte Europa a firmeza que esta impôs à invasão da Ucrânia. Há protestos, mas as armas continuam a enriquecer os empórios europeus. Ainda há dias, 15 socorristas da ONU, foram mortos um a um, sem que grande alarme tivesse existido por parte da senhora Ursula von der Leynen ou do seu secretário António Costa. Por outro, Netanyahu passeia pela Hungria e Estado Unidos, sem ser preso pelos muitos crimes que praticou desde que invadiu à Faixa de Gaza. A hipocrisia é tanta, que ele passa incólume por entre as dores e as mortes dos infelizes.  

         - Sobra ainda da pouca vergonha nacional e depois do caso Manuela Dias que foi presidente da União de Freguesias de Moscavide, o de Ana Caldeira  vice-presidente do conselho de jurisdição do partido Chega a ser julgada pelos crimes de burla qualificada e falsificação de documentos. A ex-dirigente terá falsificado a assinatura de uma mulher que morreu em 2015 para burlar um antigo sócio em seis mil euros. Quem não se lembra do seu ar arrivista no Parlamento, orgulhosa ao lado de André Ventura! O Chega que semeia doses maciças de honestidade e honorabilidade, volta que não volta, vomita o que há de pior na natureza humana. 

         - A Dra. Margarida Marques, minha ilustre oftalmologista, telefonou-me a perguntar como estava. Queria saber se o pós-cirurgia corria bem, se não tinha problemas a relatar. Disse-lhe que apenas me custava a escrever e a ler, e ela respondeu que isso era apenas porque a graduação dos óculos não fora ajustada ainda – facto que fará depois da Páscoa. E ainda há quem diga mal do SNS e vá na conversa da oposição socialista que destruiu em grande parte o sistema. 


segunda-feira, abril 07, 2025

Segunda, 7.

É patética a forma como o líder do PS, dito Vasco Gonçalves, se vende na ganância do poder. Agora, de uma assentada, ofereceu aos pobres e enfermos uma mão cheia de benesses indo ao ponto de obsequiar com um certificado de aforro as criancinhas que nasçam durante o seu reinado, se para tal os portugueses pobrezinhos lhe garantirem a maioria dos votos, bem entendido. O curioso é que ele não está de olhos postos nas necessidades das pessoas, mas única e exclusivamente no seu próprio interesse, e para justificar à facção António Costa do partido que é mais competente e expedito do que aquele que se raspou para Bruxelas. O homem ignora completamente a situação mundial, o ajuste e seriedade que são necessários ter na gestão do país, os seus recursos, a eficácia e sabedoria necessárias ao equilíbrio das contas públicas, a protecção dos mais desfavorecidos e decerto a ajuda às empresas numa altura em que tudo é contingente e os negócios resvalam. Parece magia esta lauda de promessas, saída da caixa de sapatos da empresa do seu extremoso paizinho. 

         - Saí hoje na direcção de Lisboa. Estive na Fnac a chamar por Ana Boavida que não se dispôs a aparecer. Antes havia passado na Brasileira onde fui adorado como a um anjo, solicitado por toda a gente interessada em saber como me encontro após a cirurgia à vista. (Abro parentes para agradecer a todas e todos que se condescenderam a interessar-se por mim.) Na realidade, bem vistas as coisas, o que me deliciou foi reencontrar a minha cidade de nascimento, colher o tempo das palavras lançadas por aqui e por ali, como se atapetassem o caminho por onde passei. O sol veio ao caminho, enchendo de jubilação o dia, deitando sobre pessoas e coisas, a luz quente há muito arredia. No ar rarefeito passou uma nuvem de esperança, a mesma que o Papa Francisco diz ser a protectora dos que sofrem, dos que a sorte se obstina em não ir ao seu encontro. Vou citar as maravilhosas palavras do Sumo Pontifico na primeira aparição pública depois de quase dois meses no hospital. Na doença, Deus não nos deixa sozinhos e, se nos abandonarmos a Ele, precisamente onde as nossas forças falham, podemos experimentar a consolação da sua presença. Ele mesmo, feito homem, quis partilhar a nossa fraqueza em tudo e sabe bem o que é o sofrimento. Por isso, podemos dizer-Lhe e confiar-Lhe a nossa dor, certos de que encontraremos compaixão, proximidade e ternura. O Filipe que me adoptou, veio ao meu encontro com uma formidável barriga à José Sócrates, salvo o rosto triunfante, saloio, importante e mentiroso daquele que esteve dois anos em Paris, no bairro chique ao lado da minha amiga Françoise, e trouxe apenas uma palavra que exibiu por todos os canais televisivos: “narrativa”. Felizmente, vejo a vida do meu amigo, enfim, tomar rumo. 

         - A imprensa diz que Elon Musk perdeu 600 mil milhões de euros desde a posse do déspota Donald Trump. Que pena eu tenho do pobre ricaço!

         - Há duas modas que se instalaram na sociedade portuguesa: a violação de raparigas por criminosos na flor da vida e condutores que atropelam nas passadeiras piões e se põe em fuga. Em ambas as situações há vidas que se perderam. 


sábado, abril 05, 2025

Sábado, 5.

A gatunagem dos políticos que nos saíram na rifa do 25 de Abril é tanta, que não há  polícia nem tribunais por melhor que sejam para os julgar e apanhar. A semana que hoje finda, entre outras tragédias nacionais como aquela dos três jovens matulões que violaram uma rapariga de 16 anos que encontraram na Internet e filmaram as atrocidades machistas para mais de 30 mil curiosos assanhados verem; também a PJ saiu a terreiro numa acção de investigação por lavagem de dinheiro. 1844 inquéritos foram abertos por branqueamento de capitais, quando em 2019 haviam sido 522. Nos derradeiros anos de reinado do mestre António Costa, isto é, de 2019 a 2024 o crime nesta área aumentou consideravelmente. Não foi só na Administração Pública, mas também nas empresas privadas. É tudo a roubar, minha gente. Os pobres roubam galinhas, pacotes de massa nos supermercados e os modernos telemóveis. 

         - Cá como lá fora. É o caso de Marine Le Pen. O tribunal deu como provado que a mulher da extrema-direita francesa, desviou 4 milhões de euros dos fundos do Parlamento Europeu onde é deputada, para custear funcionários, guarda-costas, e diversas actividades do seu partido Frente Nacional. E lembrar-me eu o que ela dizia noutros tempos, armada de pura como a viúva do BE, e  vai-se a ver rouba como qualquer dos outros seus camaradas. Mas é para além disso hipócrita como são quase todos os que estão na política para se governarem. Exigia a ela, julgo em 2013, “penas de inelegibilidade para os condenados por desvio de fundos públicos”. Foi o que aplicou agora a juíza que está ameaçada de morte. Por este andar, não só a aespera a prisão, como lhe foge a ambição de vir a ser Presidente da República. Putin e Trump estão do seu lado. Pudera!  

         - A propósito do gangster. Então não é que ele deixou de lado a Rússia das célebres taxas! Que união se estará a formar entre ele e Putin? O mundo está virado de pantanas, é um facto. Entretanto, os mercados que pouco caso fazem a quem lá está, interessando-lhes  apenas os negócios, abrem sucessivamente com as bolsas em tombo. E que tem a ver o PIB americano com o caso, quando nos lembramos no tempo de Ronald Reagan, anos oitenta, pouco interessado com esses pormenores, ou comparamos os 120% do PIB americano de hoje com o nosso, anos e anos a fio, nesse valor, para não falar no da França actual. 

         - Quase todas as sondagens apontam Luís Montenegro como o favorito dos portugueses. Já no que toca à Presidência da República, eles parecem votar contra os políticos dando a preferência ao homem da Armada com 62% na intenção de voto. Sobra Marques Mendes, José Seguro e o tipo do Chega, sem citar as margens esquerdistas por miseráveis de simpatia. Eu é que não sei em quem votar. Não voto por sistema em militares, comentadores televisivos, e André Ventura para não sentir vergonha de mim próprio. O PS? Mas Vasco Gonçalves afasta-os a todos, como aconteceu esta semana com Sérgio Sousa Pinto e antes com Fernando Medina, não tendo nenhum para amostra a Belém. Deve estar à espera do milionário António Vitorino que ainda por cima é socialista, mas só se o homem for estúpido é que agarra o ceptro da vaidade. 


sexta-feira, abril 04, 2025

Sexta, 4. 

Um só homem, desarruma a vida de milhões de pessoas em 59 países, ordenando taxas e processos económicos-financeiros que põem em causa os seus quotidianos provocando com certeza milhares e milhares de desempregados. Como é isto possível num país democrático, ou antes, outrora democrático, como os EUA. Que é feito do dito partido democrático que parece ter morrido e enterrado no dia seguinte à investidura de Donald Trump? No que nos toca a nós, União Europeia, a taxa imposta pelo déspota inclino da Casa Branca, é de 20%. Todavia, países há como a China com 54% ou a Tailândia com 36%, até ao pequeno território dos Camarões com 11% de taxas nos produtos exportados para a América. É claro que a economia mundial vai sofrer com a súbita medida draconiana e cada um vai tentar adaptar-se como puder, mas as feridas vão ser muito profundas e a desconfiança no célebre mercado global, vai sofrer um recuo inevitável. Quem quanto a mim tem estado atento ao  curso prazo, é Emmanuel Macron que me surpreende pela imediata capacidade de compreender o que está em jogo.  

         - Ontem apareceu aí o Johnson. Não sabia que eu tinha sido operado. Ele e o Nilton tinham vindo à minha procura no domingo. Censurou-me por não o ter procurado para se ocupar de mim. Falamos, falei. A dada altura ele convida-me a entrar no jipe para um café que logo se estendeu numa ida à casa onde o meu Poineer repousava há três anos para arranjo. Arrancou-o ao técnico que parecia querer ficar com ele. Felizmente que eu havia feito uma foto do cartão de entrega para arranjo. Bom. Dali, porque lhe falei em querer montar um toldo no lounge (o chique é do Carlos), disse-me que ele e o Nilton poderiam fazê-lo. Aí vamos nós para Setúbal, ao Leroy Merlin, saber preços para a estrutura, etc.. Na sequência, como eu tenho de ir a Badajoz adquirir o necessário ao arranjo da piscina, ele propôs-se vir connosco (comigo e com o Nilton) e acrescentou: “Se necessário vamos no jipe onde cabe tudo.” Homem assim já não há. Ou existe e eu desconheço? 

         - Há anos que não permanecia aqui a semana inteira. Foi o mau tempo que me reteve, mas também a rotina dos colírios (quatro vezes ao dia) no olho operado. E um certo respaldo que a cirurgia requer. Ler, pouco; escrever, o indispensável. À parte isso, a cabeça foi enchendo do bom e do mau que as circunstâncias impunham. Como agora vejo em claridade há muito impedida, vou ter que substituir as lâmpadas porque esta casa parece uma cidade em festa. Durmo com a venda na vista, de barriga para cima e permissão para o lado direito. Mas este jogo, é certamente alterado durante o sono, porque acordo muitas vezes. Se a isto se juntar a dor no lombar direito, temos o triunfo da velhice que se vai instalando sem pedir autorização. Por outro lado, estou impedido de fazer natação durante todo este mês. Era ela que fazia arrepiar as dores e me iria permitir assim que o bom tempo retorne, começar a cortar o matagal que me cerca. Adoro contar estes affaires caseiros. É com eles que aprendo a escrever, que me debruço sobre o quotidiano onde tudo desagua aparentemente sem interesse nenhum. Ficar horas no aconchego das palavras, no exercício da escrita, é transbordar de prazer e viver instantes de pura harmonia, de sublime felicidade. Talvez os meus leitores não compreendam esta vida solitária, banhada pela labuta do silêncio murmurante, atravessado por personagens que se apresentam vindas de lugares inóspitos, com suas falas mansas ou alteradas, mas sempre disponíveis para me encher o tempo vasto que antecipa a eternidade...


quarta-feira, abril 02, 2025

Quarta, 2.

Como está o meu querido amigo Helder? Responde o Sousa: Benzinho, graças a Deus. E por aqui ficou o diálogo que ambos vinham mantendo de fugida desde que se levantaram da cama. E todavia, o mundo com os seus horrores não parou, as promessas de felicidade gritadas por políticos ouviram-se mais alto, as guerras não abrandaram, os gangsters que dominam o mundo prosseguiram na sua cegueira de ganância e idiotice, os pobres ficaram mais pobres, os ricos dormem em colchões de bilhetes de banco, os dias somam-se às noites, o tempo, indiferente, continuou a sua marcha indelével para o inferno que se abre em cada coração desumanizado, em cada tirano, em cada ditador construtor de impérios sobre vidas espezinhadas e seres humanos deixados para trás como coisas inúteis.  

         - A cena nacional não sendo criativa, submete-nos à monotonia das ideias aldrabadas, repetidas à exaustão de forma a que se construam como verdades. Para o líder do PS o tempo passa e não se apercebe que não tem competência para o cargo, nem dá pela reacção dos seus camaradas nas mais pequenas coisas da vida comum, aquele toca e foge de nomes para este e aquele cargo, o vazio que se instala, o bater de asas ante o socialismo radical que a ninguém convence. As sondagens quando lhe convém não contam para nada, o resultado das eleições na Madeira foi um fenómeno local, o nome para a Presidência da República que tarda virá, a subida do PSD um facto momentâneo... 

         - A nossa esquerda está retratada naquela figura, protótipo do século XIX, Boaventura Sousa Santos. Perdão, professor Sousa Santos, autor de “Epistemologias do Sul”, uma lengalenga neoliberal, dirigente do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e irrequieto machão que passava a pente fino muitas das suas assistentes que agora o condenam na barra dos tribunais por incorrigível matador. Não só ele. Outro camarada do mesmo CES, está também acusado de assédio sexual a camaradas que com ele trabalham (ou trabalharam) sob a direcção do insigne intelectual. Recentemente, o octogenário, à CNN veio descartar uma série de normas dos anos Sessenta e Setenta, segundo as quais um “piropo” não fazia mal a ninguém e até havia senhoras que o apreciavam. Acontece que o que leio não se trata de “piropos”, mas de crimes na sua forma tentada. Mas deixo a palavra a João Miguel Tavares, em artigo de terça-feira, no Público. “Em primeiro lugar (refere-se ao nosso belo exemplar de homem) foi vitima do patriarcado. ´Qualquer homem da minha idade que diga que, nos anos 60 ou 70, não fez um piropo ou um galanteio a uma mulher ou é mentiroso ou é hipócrita.´ Ou seja a culpa de qualquer mal-entendido é da cultura patriarcal, até porque ele - ´uma pessoa atraente   sempre ´ - teve sorte com as mulheres ´ (palavras suas). Em segundo lugar, Boaventura foi vítima do capitalismo: devido à ´precariedade´ de quem não conseguiu um lugar no quadro do CES, o neoliberalismo empurrou as 13 mulheres contra ele. É uma conspiração mundial: ´Sou um pensador incómodo, um intelectual critico´, diz. Logo o internacionalismo neoliberal foi obrigado a calá-lo com estrondo. Eis o grande intelectual da sociologia portuguesa. As Epistemologias de Boaventura ficam-se pelo sul. Já o seu ego dá a volta ao globo.”


terça-feira, abril 01, 2025

Terça, 1 de Abril.

Aqui estou de volta ao meu púlpito. A cirurgia decorreu como eu pensava, ou melhor ainda. Não durou mais de quinze minutos, operada pelo mestre-sumidade que ninguém questiona – Dr. João Feijão. Acompanhado do meu assistente social, o pintor Carlos Neto, entrei no Gama Pinto às nove horas e saí pelas onze. Pelo meio da maratona do clínico (que até às treze horas operou 24 pacientes!!), houve de tudo: risada, bênçãos, uma agulha mal utlizada para o soro apesar da minha observação, uma fome maluca (quando ouvi o apelido do bom médico, disse imediatamente: “agora ia”), assim como o espectáculo do povo, povo, que não percebendo nada do seu corpo expõe a misericórdia aos alvores da ignorância e da tristeza. Antes de entrar com o meu amigo para um quarto onde me ordenaram me despisse e enfiasse um uniforme de astronauta azul, sapatilhas e touca da mesma cor, abençoei o friso de idosos e idosas encolhidos na sala de espera, o pavor estampado como se a morte já os estivesse a abraçar. A bênção arrancou-lhes um sorriso e foi com os seus rostos abertos ao assomo da alegria, que me sentei numa cadeira rolante com destino à sala de preparação antecâmara do bloco operatório. Aí encontrei uns seis doentes, enrolados na dor, na tristeza, na incerteza, silenciosos, obedientes às enfermeiras que os preparavam para a morte. Eram cómicos aos meus olhos, com o saiote pelo meio das pernas, a touca à trolaró, o corpo abandonado nas cadeiras que deveriam entrar na sala de operações com eles deitados, expondo por desamparo, as misérias íntimas. Chegada a minha vez, mal tive tempo para saudar a minha oftalmologista Dra. Margarida Marques que me veio cumprimentar. Disse-lhe: “Bons olhos a vejam” e ela desapareceu para não mais voltar. Estou, pois, deitado com os projectores em cima de mim, o ambiente gélido, o dia luminoso lá fora. Mal vi o cirurgião e se me perguntarem como ele é, não saberei responder. Isto porque o acto médico processou-se, por assim dizer, nas minhas costas. Sei que no inicio ele me explicou que devia colaborar, não deixando nunca de fixar a luz mais intensa de um bloco de luzes que ele me introduzia na vista esquerda. Foi o que fiz e à medida que a cirurgia avançava, percebi a dança de limpeza da catarata e colaborei sem um ai, e sempre de bom humor. “Com a sua colaboração, esta é a operação mais rápida que faço.” E com efeito, daí a uns quinze minutos saí para o recobro onde encontrei parte dos velhos e velhas em estado terminal, olhos no tecto, o pensamento vagueando por sobre os escombros da morte anunciada que não chegou a apresentar-se, mas os deixou no limite da dúvida. Aí fico uma data de tempo. A dada altura, chamo um assistente, e digo-lhe que me traga um bife com batatas fritas. Gargalhada geral, o mundo comatoso ressuscitou e toda a gente riu. Em vez disso, o que me dão é um copito de chá de tília com quatro pequenas bolachas e não digas que vais daqui. Engulho aquela riqueza com sabor a lampreia seguida de molotov (doce que curiosamente nunca comi). Nesse entretanto, a procissão dos condenados avançou, eu estou agora no limite para qualquer coisa que não sei o que é. Quando me mandam erguer da cadeira rolante em camisa de noite à moda antiga, vejo o Carlos sorridente na frente. Tem com ele a minha roupa e haveres que guardou num cacifre enquanto era operado. Dispo a camisa de dormir, tiro a boina, os sapatos de quarto e começo a vestir a minha querida roupa. Já com a dignidade de um vencedor, é-me dado um kit de medicamentos (antibiótico, dois colírios) para pôr durante todo o mês. Avisam-me que teria de voltar no dia seguinte, isto é, ontem à consulta. 

No táxi fomos, Carlos e eu, para sua casa ao Campo Pequeno. O dia estava deslumbrante, o meu apetite – eu que raramente tenho fome – estava ao rubro. Convidei-o para um almoço à maneira. Trouxe uma tala no olho que não me deixava ver bem o caminho. Fizemos o curto percurso a pé, por vezes apoiava-me no braço do meu assistente social. Chegados ao restaurante, somos recebidos por um par de moçoilos brasileiros que, com as suas características próprias que nós nunca sabemos ao que vêm, foi-nos oferecido uma cozinha simples mas muito boa. Desforrei-me e o Carlos bebeu um copo de vinho que eu intimamente invejei. Bem banqueteados, sempre sob o humor que nos ataca quando nos juntamos, regressámos ao ponto de partida. Eu tinha combinado com ele ficar lá a dormir, mas como a consulta era só às cinco da tarde do dia seguinte, agradeci a generosidade e chamei o meu motorista privativo, Sr. Gaspar, que me foi buscar no táxi para me trazer de volta a este paraíso. Ontem, já fui no fertagus. A consulta com a Dra. Margarida Marques consistiu numa espreitadela para dentro do meu olho e a indicação que estava tudo bem, obstando-me apenas a natação até ao fim deste mês. Há, contudo, um pormenor que me desgostou. Desde a véspera que se tinha instalado uma festa no meu olho na forma de foguetes luminosos. Minuto a minuto, do lado esquerdo da vista, ribombavam luzes e eu divertia-me com aquilo. Disse-o à médica e ela retorquiu que iria passar – e na realidade a festa já findou. Que tristeza! 

         - No domingo tomei o comboio muito cedo. Pelo caminho, os poucos passageiros que iam entrando eram quase todos africanas e africanos que iam para o trabalho. São eles que abrem as manhãs e fecham as noites, inundam os dias com o esforço das suas vidas.