sábado, junho 29, 2024

Sábado, 29.

O caso António Costa diz tudo sobre o estado da democracia e da União Europeia. Depois não se queixem com a guinada à direita que se assiste por todo o lado. Desçam do pedestal do poder e observem o mundo à vossa volta, aligeirados da canga sectária e do compadrio. Costa aproveitou ao máximo o cargo de primeiro-ministro para se impor em Bruxelas, ia lá por tudo e por nada, serviu-se do país para objectivar os seus sonhos megalómanos, deixou-o no trágico estado que qualquer português reconhece, ainda por cima com maioria absoluta e dinheiro a rodos, e teve como recompensa a presidência do Conselho Europeu. O do sorriso pateta que se governou com os mais esmerados esquemas de conivência, de seu nome Durão Barroso, nulo e oportunista no verdadeiro sentido do termo, apoiou o camarada Costa, num jogo às claras de como esta classe política, embora dizendo-se de direita ou de esquerda, quando chega o momento não é coisa nenhuma senão a materialização dos seus interesses pessoais. As honras, as benesses, os chorudos vencimentos e mordomias, são o único objectivo que os move – os cidadãos escumalha sem interesse.  Os 31 mil euros mensais que o cargo oferece, limpa a consciência não só de um socialista (sobretudo deste), mas também outro de qualquer ideologia. A política é hoje esta nojeira. 

         - Ontem fui a Lisboa. Como as excelências dos caminhos-de-ferro estavam mais uma vez em greve, pude observar o caos por todo o lado. O uso e abuso da greve naquele sector, não é mais que a voz dos 2 por cento do PCP a impor aos trabalhadores que dizem defender o cansaço, a perturbação e o prejuízo no pagamento de passes que por sua causa não podem usar. Nenhum da chusma de comentadores tem coragem de falar no assunto e muito menos de analisar uma futura e urgente alteração da lei da greve.  

         - Pois foi, fui ao Chiado à Fnac comprar o livro de Irene Vallejo, O Infinito num Junco. Descendo para o Rossio, observei que alguém havia levantado do vão do prédio a que se refere o texto com fotografia acima apostos, o tapete e a enxerga de cartões que fotografei. Demasiada coincidência. Só espero que tenha sido dado ao infeliz cidadão, um lugar digno com higiene que ele se impôs a si mesmo naquelas condições. 

         - Na livraria fui atendido por um simpático rapaz que ia dançando entre uma caixa e outra nos extremos do alinhamento para pagamentos. Tinha um ar imberbe, voluntarioso, de quem não devia ter idade ainda para trabalhar. Insisto saber pormenores (os meus leitores sabem como sou curioso...) e venho a descobrir que anda a estudar e faz ali um estágio naturalmente não remunerado. Quase grito de indignação. Esta exploração que nem almoço oferece e muito menos transportes, é a imagem do abandono social e político que a nossa esquerda, com ou sem “geringonça”, nada se rala. Que importa um pobre rapaz que nem barba tem para votar! 

         - Magníficos momentos ontem na Brasileira na prossecução das emendas no romance. Do grupo capitaneado pelo António não estava ninguém, o que para mim foi óptimo porque não gosto de gastar o meu tempo a dizer mal deste e daquele. Não acredito em génios, e se me fosse lícito aconselhá-los, diria que trouxessem um baralho de cartas para as suas sessões diárias na esplanada - divertiam-se e não falavam tanto.


quinta-feira, junho 27, 2024

Quinta, 27.

Julian Assange enfim liberto do calvário de uma década. O fundador da WikiLeaks  que desmascarou não só a senhora Hillary Klinton como o esquema “democrático” americano, e toda a vida kafkiana que o alicerça, pôde agora voltar para o seu país, a Austrália, aliviado de uma vida escrava da verdade que defendeu e da liberdade que lhe quiseram impedir de gozar, ele que devia ser honrado como herói mundial da autonomia da informação. 

         - Os barões da administração pública caíram da cadeira onde ressonavam todos os dias depois do almoço. O governo de Luís Montenegro acabou com aquela mordomia que lhes permitia só receber o cidadão mediante marcação, com tudo o que esta regra consentiu de abusos, prepotências e grosserias socialistas. Esta é mais uma bela decisão de um executivo que não pára de nos surpreender e de pensar em nós. Que diferença entre esta equipa e a anterior – os pseudo-socialistas!

         - Que tudo fizeram para que a pobreza conhecesse índices ainda mais perturbadores. 50 anos de democracia, não encontraram competência e interesse para acabar com estas tristes imagens (esta ontem na Rua do Carmo em pleno centro de Lisboa. Repare-se no pormenor do tapete para que a"cama" se conserve limpa.) Enquanto a riqueza e bem-estar de políticos, gestores, autarcas, banqueiros e quejandos cresceu, ao inverso a pobreza impôs-se descobrindo a democracia dos ricos e bem instalados na vida, o fosso entre a classe dirigente e os abandonados à sua sorte. Não me venham com esquerda e direita, socialismo, comunismo, liberalismo, apoio a cães e gatos, e outros ismos, quando o essencial da vida humana rasteja desta forma hedionda e atroz. 

         - Este nosso irmão que vive nestas condições, não pode alegrar-se com o Campeonato Europeu de Futebol onde os analfabetos jogadores ganham num dia o que o desgraçado do vão de prédio não ganha em toda a vida. Ele provavelmente não sabe que somos os maiores, que temos o maior jogador do mundo a correr no relvado, que somos grandes e heróicos, mas, apesar de tantas glórias, acabámos de perder por 2-0 com uma equipa que os comentadores (oh, os comentadores!) dizem ser muito inferior – a Geórgia. 

           - 16,25. Fui à piscina quase vazia de gente. Mas não é disso que desejo falar. Quero dar os parabéns ao meu jornal diário, o Público, que Putin mandou calar lá terra de escravos e ostracismo e escuridão onde vive. Não só este jornal foi proibido, como a RTP internacional, o Expresso, o Observador. A todos as minhas felicitações por serem a prova provada da vossa independência e liberdade de expressão. Esta medida da Rússia vem na sequência da UE haver proibido qualquer actividade radiofónica aos meios de comunicação social russos.  O PCP e associados, naturalmente, aplaude a atitude dos camaradas.

quarta-feira, junho 26, 2024

Quarta, 26.

Dizia-me a Alice ontem que passou o dia todo ao telefone a falar com amigas e amigos que a contactaram. Respondi que isso é sina que também a mim me toca e decerto a muitas ouras pessoas. Haver dias assim abarrotados de conversa, outros há de um silêncio para muitos aterrador, ainda que as modernas tecnologias nos dêem a liberdade de atender quem queremos e quando desejamos. Depois há os amigos da primeira linha, os posicionados logo atrás e os outros que se lembram de nós quando o rei faz anos para não referir os chatos que estão sentados à secretária a vender a multidões banha-de-cobra. Quando passo neste refúgio de silêncio, dardejado de revoadas de serenidade cristalina, densa e pura não sofro. Ou antes, como qualquer humano, de tempos a tempos, tenho precisão de ver gente, amigos chegados, sentir o furor da vida que se desagarra de cada ser, às vezes somente uma curta viagem de carro, um café vadio num local ermo ou no centro do bulício da cidade. Esses instantes repõem em mim todas as necessidades e energias do quotidiano. Logo de seguida, tem que haver um local como este onde tenho a felicidade de viver, que me acolha - centelha indispensável ao meu viver. De contrário, pânico. Desconstruo-me. Fraquejo. Nunca acreditei na família como abrigo, assim como jamais vi em alguém com muitos amigos um ser equilibrado. Lembra-me logo, entre muitos outros, Klaus Mann que tinha amigos nos quatro cantos do mundo e acabou, só, depois da Segunda Grande Guerra, num quarto de hotel na Côte D´Azur morto por carga excessiva de drogas. Ou o meu terno amigo A. C. C. que, no seguimento de uma vida de família e cinco filhos, separado, andou de mulher em mulher e pelo menos umas quatro sucederam à legitima, para concluir: “Helder, a vida dos casados é 95 por cento uma chatice.” Todavia, para me combaterem, muitas pessoas falam-me da solidão e doenças da velhice, querendo dizer que sem filhos, netos, sobrinhos estou condenado a apodrecer no mais completo abandono. Talvez isso possa vir a acontecer-me. Contudo, duas coisas eu sei: que os sucessivos anos de liberdade até à senectude, foram vividos em completa emancipação e placidez, amei quem quis e como quis, vivi anos intensos de amor límpido, desinteressado, que ainda hoje me afagam a memória quando tendo a resvalar para a tristeza. Mais: basta-me recordar o meu velho prédio da Rua de S. Marçal, ao Príncipe Real, onde habitei metade da minha vida, com quatro andares, esquerdo e direito, vizinhos que tinham sido casados, com filhos, netos, alguns com bisnetos e todos estavam sós. Quem os socorria era eu, porque era o mais novo e todos tinham confiança em mim. E a nenhum faltei, indo ao ponto de tratar da minha querida vizinha do rés-do-chão, Maria, até ao fim da sua vida. Foi enterrada aqui no cemitério de Palmela. Ela tinha um filho e três netos, mas não tinha ninguém. Portanto, estamos conversados. Pode-se morrer de desespero e solidão numa casa cheia, mas nunca se morre ou se está só quando se crê na Ressurreição, com ou sem requiens e misereres. 

         - O Carlos Soares telefonou-me há dias a dizer que tinha saudades minhas e gostava de almoçar comigo. Com efeito, desde que ele deixou os ateliers da Lapa e criou outro em Almada, que não nos víamos. Falamos muito ao telefone, “mas não é a mesma coisa”. Assim sendo, marquei hoje o nosso encontro na Brasileira e daí descemos o Chiado para abancarmos num restaurante que não cito o nome por ser impróprio de se estar devido ao barulho e às pessoas umas sobre as outras para não falar do preço em desacordo com o decore. Felizmente que entre nós o silêncio fica ao largo a espreitar abertas para se acomodar. Porque o meu amigo, senhor de grandes conhecimentos sobre história de arte, arquitectura, escultura e história tout court, é um diccionário que se abre ao virar de uma esquina, ao passar diante de uma igreja, rua, prédio, praça, que sei eu, porque da sua boca brotam sempre datas, nomes, dados pictóricos, grandes paragens de nariz no ar a observar detalhes de uma estátua, empena, peça perdida num varandim, numa porta, simples peanha. Grandes horas e simpáticos momentos que passaram a correr a descerem do tempo que por nós passava, apressado. 


terça-feira, junho 25, 2024

Terça, 25.

Les chrétiens n´ont pas le droit de se plaindre – d´ailleurs, ils ne se plaignent pas. Non seulement ils ne se peut pas leur être interdit de croire en un Dieu créateur du ciel et de la terre, mais ils ont la chance d´avoir pour modèle, sous leurs yeux, un personnage à qui l´existence et la place dans notre histoire ne peuvent pas être contestées: Jésus.
 
         Lui au moins, il est permis de l´admirer et de l´aimer sans se poser trop de questions sur sa réalité. Si quel´un a laissé une trace éclatante dans l ´esprit des hommes, c´est bien le Christ Jésus. Capítulo 60, o último, do ensaio de Jean d´Ormesson, Un hosanna sans fin

segunda-feira, junho 24, 2024

Segunda, 24.

É preciso perceber de que falamos quando falamos de justiça. Porque no nosso pobre país há duas justiças: a dos políticos e a dos cidadãos e desta ainda não ouvi ninguém falar. A nota foi despoletada, essencialmente, por socialistas quando se viram vigiados e atacados nas mordomias de classe. Porque a justiça, nestes últimos anos, tem beneficiado largamente os políticos corruptos do PS a começar por José Sócrates e acabar no derradeiro autarca. A esta gente tão defensora da justiça, não lhes ocorre pensar no cidadão comum que não dispõe do dinheiro que eles ganham com os nossos impostos e que, precisamente, no tempo daquele que foi viver para Paris cheio de dinheiro aprender a tocar piano e a falar francês, aumentou as custas processuais deixando a classe média sem possibilidade de se defender. Quem abarrotou os tribunais com processos de corrupção, roubos e falsificações de tanta ordem, foram os astuciosos  governantes, escudados por centrais de advocacia que à força de milhares de euros conseguem arrastar decisões e sentenças com o fito de tudo morrer na estrada longa alcatroada por advogados de fama e resultados adiados sine die até vencerem os prazos. Quem arquitetou estes esquemas e construiu as leis, todos sabemos quem foi. Dito isto, é claro que a Justiça tem de ser melhorada e, sobretudo, sincera e justa e não estar ao serviço de esquemas que favorecem uns e condenam outros. Como, por exemplo, a oportunidade das escutas contra António Costa, no exato dia em que o seu nome era citado em Bruxelas para assumir a pasta de Presidente do Conselho da União. Acho isto uma sacanice. Eu detestei o homem como governante, mas acho que não merece ser tratado deste modo vil e rasteiro. 

         - Já agora este exemplo que nos chegou do Reino Unido e que em Portugal nunca se viu nem verá. Uma família riquíssima, os Hindujas, foi condenada a quatro anos e meio de prisão cada membro, por exploração dos seus empregados trazidos da Índia para trabalharem numa propriedade na Suíça. Os Hindujas são das famílias mais ricas do Reino Unido, o seu património é estimado em cerca de 37 mil milhões de liras (qualquer coisa como 44 mil milhões de euros). Pagavam aos empregados entre 200 e 400 francos suíços mês (mais ou menos o equivalente em euros). 

         - Muito calor. Pouco faço agora lá fora e o pouco começa pelas sete da manhã. Como, por exemplo, limpar a tijoleira do terraço trabalho antes executado pela Piedade e agora por mim. Com lixívia retiro o musgo infiltrado e depois rego por mais uma hora. Que mais? Instalou-se aqui a rebaldaria. Com a chegada dos franceses e dos portugueses-franceses, sou constantemente solicitado para tomar café e almoçar com este e aquele. Apesar disso, as leituras têm sido concluídas e em breve delas darei nota: Memórias Minhas de Manuel Alegre, Desoras de Marcello Mathias, Un hosanna sans fin de Ormesson para não falar da filosofia de Túlio Cícero. 


sábado, junho 22, 2024

Sábado, 22.

A delegação do PCP nos transportes públicos, mais conhecida por CGTP, promete-nos mais cegada para os próximos dias com a sua “semana de luta”. A CP que é a companhia de comboios mais degradada em termos cívicos, profissionais e respeito pelas suas obrigações, que anda sempre com atrasos, trata de qualquer maneira os seus utentes, as carruagens sujas e estragadas, grafitadas e semelhantes em algumas zonas a galinheiros, quer tornar pública a Fertagus, uma empresa que é o oposto a tudo o que acabei de dizer dos Comboios de Portugal. Os da extrema-esquerda, BE e alguns do PS, acusam a central sindical de “deriva sectária”, “duvidosa representatividade” e “falta de transparência”, como se eles fossem as virtudes democráticas a seguir. Todos o que fazem é manobrar os trabalhadores segundo os seus interesses de muita ordem.

         - Enquanto a guerra entre Israel/EUA e o HAMAS continua a somar todos os dias centenas de mortos e feridos, outra se instala entre Israel e o Líbano. Esta semana, a ONU, corajosamente, acusou de crimes de guerra passíveis de julgamento o que se passa na Faixa de Gaza. “A guerra em Gaza precisa de acabar. Todas as partes cometeram violações claras dos direitos humanos internacionais e das leis humanitárias, incluindo crimes de guerra e possivelmente outros crimes de acordo com a lei internacional. Chegou a hora – e já passou a hora – da paz, investigação e responsabilização”, disse o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos Volker Turk. O número de mortos, passou os 37 mil. 

         - Sempre que entro na piscina, naturalmente em calções e chinelos, as damas de cabazes de fruta na cabeça, param a ginástica para me verem passar. Nessa altura, eu acentuo-o o meu caminhar desengonçado e sigo altivo para o extremo da piscina. No fundo de mim, digo que não é coxinho coitadinho quem quer, mas quem tem dignidade para o ser. 

         - Ontem na Brasileira, ignorando por completo o que me rodeava, cheguei quase à página 200 na correcção do texto. Dou-me conta que gosto de ali estar completamente isolado, naquele vacarme que me chega de todo o lado, amortecido pela atenção que o trabalho exige. Pior são as empregadas e empregados, que volta não volta, se metem comigo tentando “despertar-me” daquela imersão num mundo outro. 

         - Cedo, andei duas horas a regar. De seguida fui a Pinhal Novo ao mercado dos pequenos agricultores. Voltei para me pôr à vontade porque outros trabalhos se seguiram até à hora de almoço. Por exemplo, terminei de podar o bambu, cortei-o para o transportar para o monte de entulho a queimar no inverno, apanhei uma cesta de pêras e por serem muitas farei com certeza compota. 

         - O país está submerso no Campeonato Europeu de Futebol. O Público de hoje dedica-lhe 5 páginas, os noticiários abrem com Ronaldo, fecham com o “espalha brasas” que eu não conheço, mas gosto do cognome. Que mais? No Parlamento houve julgamento com a dama burguesa brasileira no centro da polémica das gémeas, suas filhas, que foram tratadas com o medicamento que nos custou quatro milhões. O objectivo é incriminar o Presidente da República e o “Dr. Nuno Rebelo de Sousa, meu filho”. Eu nunca tive dúvidas, conhecendo Marcelo, que estão ambos na base do “pistolão”. Lacerda é um simples isco entre os dois. 


quarta-feira, junho 19, 2024

Quarta, 19.

Estes números são o retrato real do país e falam por cima dos políticos e comentadores, particularmente, do instalado em Belém. 

         - Ainda não batiam dez horas, já eu entrava no pequeno consultório do médico podiatra para tratar, enfim, este maldito calo que me pôs a coxear das duas pernas. A consulta e tratamento não durou dez minutos e saí aliviado da carteira e do pé. Contudo, pensativo. Durante algum tempo matutei que a coisa se resolveria por si, dado que estando afectadas as duas pernas, a singular e a réplica de milhões de milhões, eu devia ficar equilibrado e em breve juntar-me ao batalhão dos que caminham daquele modo sempre igual sem originalidade nenhuma. Tal não aconteceu. Se já era coxinho, coitadinho, passei a ser duplamente coxinho e coitadinho. Rendo-me à evidencia. 

         - “Dans le bonheur, dans le plaisir, dans l´amour, la vie est une bénédiction.” Jean d´Ormesson, Un hosanna sans fin, p. 30. 

         - Tantas vezes tenho isto: um levíssimo sentimento que flutuo, como se a vida me levasse para mundos outros, deixando-me colado ao silêncio feliz de me saber mudo ante o êxtase que me acompanha. 


terça-feira, junho 18, 2024

Terça, 18.

Curioso introito de Jean d´Ormesson no seu livro póstumo, Un hosanna sans fin: “Grâce à Dieu, je vais mourir.“ 

         - Ontem de tarde dei um salto a Lisboa. Em pouco tempo, almocei na Baixa, encontrei-me com o João Reino, fui à CGD, ao Celeiro fazer uma compra, ao C.I. buscar o jantar. A perna marota ressentiu-se, mas eu não lhe liguei nenhuma. 

         - A França é a minha segunda pátria e, por vezes, a primeira. Estou curioso em saber o que vai sair da cartola de Macron no tocante à antecipação das eleições legislativas. Um monstro já subiu das profundezas da morte: François Hollande. Anafado, com aquela cara idiota de onde emerge um sorriso à Durão Barroso, todo ele se pavoneia por entre as memórias sinistras do passado. Ressuscitará ele com a cauda socialista que com ele havia sido sepultada? Mistério. Quem me tem surpreendido pela positiva, é Gabriel Attal. O rapaz tem substância e talento. A esquerda de Melenchon está como sempre perdida no lodaçal de doutrinas que o século XIX enterrou. Quer-me parecer que é a direita onde se agiganta um chouchouzinho todo presunçoso (tipo Bugalho, mas menos saloio), sem preparação nem personalidade, mas por quem correm os patetas que o seguem nas redes sociais. Todos têm apenas duas semanas para mostrarem ao que vêm. Diga-se de passagem que são suficientes. Não só o Planeta agradece, como os cidadãos fartos de os ouvirem todos os dias, semanas, meses e anos. Eu que espero não me cruzar na outra vida com aquela criatura repugnante socialista, que apelidava os pobres de miseráveis sem dentes, implantei dois frisos de bela dentadura não vá o diabo tecê-las...  

         - Por cá estamos em constante campanha de assalto ao poder. Não há sossego, ninguém tem tempo para pensar, organizar, projectar. Vivemos uma espécie de crise permanente que o povo, para defender a sua saúde mental, se remete para as euforias do futebol, a juventude para os escombros da música. Atente-se na ministra da Saúde. De todos os lados organizam-se estratégias para afastar a senhora. Pacheco Pereira diz que ela é acérrima contra os socialistas; um outro comentador ou jornalista vá-se lá saber, dizia no Observador que devia ser corrida. No entanto, grosso modo, e em tão pouco tempo, a governante fez mais e melhor que o anterior ministro da pasta, Dr. Manuel Pizarro, que foi um desastre e ainda por cima dirigido pelo competente e grande personalidade, Dr. Fernando Araújo. Bom seria que este se tivesse entendido com a Dra. Ana Paula Martins. Porém, quem eu não esqueço, é o Dr. Adalberto Campos Fernandes. Que personalidade! 

         - António Costa está periclitante para o cargo que tanto ambiciona e para os trinta e tal mil euros que a coisa arrecada mensalmente. Eu sou contra a escolha devido à péssima governação do nosso país nos últimos oito anos, ao estado em que deixou Portugal. E mais: não concordo com estas escolhas políticas, assentes em conluios de toda a espécie. Os três principais órgãos da União Europeia, deviam acontecer por eleição directa quando da escolha dos eurodeputados. 


domingo, junho 16, 2024

Domingo, 16.

Esta dúvida que li hoje no Público de António Barreto: “Talvez não haja no mundo onde os trajectos políticos passam obrigatoriamente pela televisão. Já não se sabe muito bem se a TV é o ponto de partida ou de chegada de uma carreira política.” Qual o quê! Admira-me que tenha dúvida, caro António Barreto, é só contabilizar os cargos políticos beneficiados pelos vários comentadores televisivos. É lá que começou Marcelo o palrador por excelência, e se formou Costa na mira de Bruxelas. Um e outro são exemplos que nos permitem nunca mais votar em gente oportunista que utilizou e utiliza os ecrãs de televisão para as suas ambições pessoais. O país e os portugueses não passam de trampolim.    

         - Muito haveria que anotar, não fora a irrupção diversificada dos dias sobre este Diário. Mesmo assim, sobre as Memórias Minhas de Manuel Alegre que conclui há dias, deixo este lamento do velho lutador por volta de 1978. “Todos éramos antigos combatentes. Pertencíamos a outra História e ainda não tínhamos consciência disso. Agora o tempo era de outros, dos que se tinham preparado para ocupar o espaço depois das batalhas. Chegam os assépticos, limpos de resistência, de cadeias e de exílios. Vinham para gerir, governar, mandar. Ainda que precisassem de caução dos velhos combatentes. Estávamos a deixar-nos iludir pela necessidade de acreditar que é sempre possível dar volta à História e ao destino. (p. 266) Pois é. Tenho bastante mais a dizer sobre o livro e a personagem, mas deixo o trabalho para outra ocasião.

         - A menoridade de um povo, vê-se pela sua falta de juízo crítico, de informação, de conhecimento e interesse pela realidade. Nós aqui temos o invasivo Sebastião Bugalho, a França tem o empinocado Jordan Bardella, com um ano de diferença entre eles. Ambos fizeram a sua aprendizagem e cultura nas redes sociais. Fazem lembrar aqueles escritores que de um dia para outro apresentam-se como os maiores. Depois nós folheamos meia dúzia de páginas das suas fabulosas obras, e verificamos que aquilo é uma pasta malcheirosa, uma historieta de quem, não tendo vivido, nada tem para contar.  

         - Como costumo afirmar, aqui o trabalho nunca falta e nunca acaba. Verão e Inverno, há sempre um horror de afazeres que nesta altura começam muito cedo com as regas. Depois destas, fui prosseguir no corte do bambu em torno do pequeno charco de água. Como anos antes tive a infeliz ideia de plantar um cato que se fez gigante e agressivo, outro remédio não tive que o cortar. O gajo, chateado pela minha ousadia, fartou-se de me picar antes de jazer a estrebuchar por terra. Liguei mais tarde a televisão para assistir à missa. Mas deparei com o padre Tony da Madeira e fugi a sete pés.


sábado, junho 15, 2024

Sábado, 15.

Corajosa Ministra da Saúde. Para além de competente, séria, ponderada e inteligente, ainda tem o mérito de pôr sem medo o dedo na ferida. Na sequência da rebaldaria António Costa que deixou o país e os operacionais dos diversos sectores sem rei nem roque, consegue apontar o dedo aos que, dirigindo os hospitais com chorudos vencimentos (eles acham que são mal pagos), foram incompetentes e provocaram o caos na saúde dos portugueses á beira da bancarrota. Louvo a coragem desta gente. Não é nada fácil, exige muito trabalho, abnegação e sacrifício para pôr de pé o sector do Estado no grau de degradação em que os socialistas o deixaram. 

         - A lixeira dos comentadores de banha da cobra, agentes de conhecimentos e cozinhados, interesses e vassalagem, numa nação sem cultura, básica, em que de propósito os responsáveis conduziram o país do pós-25 de Abril; com um jornalismo medíocre, sem escola técnica e cultural, independência e tarimba, proliferam de todos os cantos políticos que foram presidentes da República, ministros, deputados, secretários de Estado, autarcas, chicos-espertos, com carinha laroca e trejeitos duvidosos, os ditos jornalistas, oportunistas vindos da imundície a céu aberto das redes sociais, para se plantarem diante dos ecrãs de televisão a debitar pareceres de ordem política, social e religiosa. A chusma é tal que até vai chegar mais um programa, apelidado de Now (note-se a piroseira do nome), cujos intervenientes se chamarão “senadores”, a debitar estratagemas, conluios, tristes affaires do quotidiano português. E quem são os “senadores” que vão falar “lá para casa”: António Costa (claro), Rui Rio, Fernando Medina (olha que tal), Graça Freitas, Santana Lopes capitaneados pelo homem do markting, Luís Paixão Martins e tantos outros desempregados ou a necessitar de uns patacos para o bacalhau com grão e preparar a oportunidade de alcançarem a Presidência da República. É verdade que por agora não está Sebastião Bugalho, mas está, imagine-se, sua reverência o bispo de Setúbal, cardeal Américo Aguiar. Que Deus Nosso Senhor lhe perdoe tanta vaidade. E dê vida longa aos honestos e desinteressados da sujeira televisiva: António José Seguro e Pedro Passos Coelho e mais uns quantos (poucos) que não necessitam de se amesendar à televisão para serem alguém. 


quinta-feira, junho 13, 2024

Quinta, 13.

O rhume desapareceu. Mas o João com quem havia estado domingo a almoçar, à noite sentiu-se mal e foi ao SAMS. Saiu de lá com o veredicto de Covid (nova estirpe). Já perdi a conta a quantas vezes o homem foi contaminado, ele que se vacinou, se diz proteger quase à obsessão. É por estas e muitas outras razões, que eu não me inoculo. Parece que anda a instalar-se uma nova família deste

         - No Fertagus que as meninas queques do BE, os ricaços do Livre, IL, PSD, PS não frequentam e por isso pregam um país real que só existe nas suas cabeças monarcas incluindo as obsessões das alterações climáticas, tudo sob o fundo de um blá-blá que não convence ninguém, não possuem nenhuma ideia do país real que nos comboios embarca levando no telemóvel angústias e revoltas que despejam em sonoras conversas durante os percursos. O mundo matrimonial português, a família tão cara às televisões e ao mercado de consumo, é ali exposta sem dó nem piedade. Conhecemos tudo naquelas longas chamadas-revoltas: o ódio dos filhos aos pais, a violência contra os progenitores, a miséria das suas vidas, a falta de tudo, do pão para a boca aos excessos de merdelhices que confinam uma felicidade bizarra, feita dos restos que outros deitaram nos trituradores da fantasia consumista. Como povo somos aquilo, a imagem perfeita, talhada no desconforto da existência, do dia-a-dia, do vazio de vidas malbaratas que se esgotam em iras, clamores, inconformismo e abandono, suor e lágrimas. 

         - Será que não há uma alma, uma só, que diga a sua excelência o Presidente da República que se cale, que nos desampare a vista, com o seu sorriso híbrido, a sua voz nasalada, aquele irrequietismo de pessoa solitária que confrange, noite e dia, nas televisões e rádios, omnipresente como um zangão que nos entontece a opinar sobre retretes com o mesmo a vontade como fala na existência da alma. Que criatura insuportável! Que tristeza de país que tem de gramar uma natureza estranha, sempre em bicos de pés, conhecedor de tudo e nada, servindo-se do cargo como se fosse a derradeira vedeta de um filme trágico. 

          - Macron deu um tiro no pé ao convocar eleições antecipadas devido ao galope da extrema dita direita para o Parlamento Europeu. Logo a extrema dita esquerda, se levantou para formar uma frente que tem a rectaguarda muito fragmentada. A grande aventura de Macron vai entregar de presente o jogo a Putin e quejandos. 

         - Acabo de entrar de um lauto almoço em casa dos franceses. Muito se come, eles e os outros convidados todos franceses. Come-se e bebe-se. Depois, estendidos nos sofás em redor da piscina, muita conversa sobre a política francesa de momento. Ninguém  concorda com nenhum dos que se apresenta à liderança. Lá até um Bugalho feito nas redes sociais, de direita, fala grosso não obstante os seus 28 anos - parece que conta e muito, a sua bela figura. A política hoje é isto.


terça-feira, junho 11, 2024

Terça, 11.

Na pequeníssima antecâmara da Junta de Freguesia do Carmo, deu-se um episódio que não queria deixar de narrar. Eu, como sempre revoltado contra o país pequeno e acolhido ao seu destino franciscano, logo comecei a barafustar contra a propaganda do sistema, único no mundo, concebido por um povo avançado de inteligência e engenho, mas ali se via inútil por funcionar aos soluços. Palavra puxa palavra, e eis-nos uns e outros a falar dos partidos, dos seus líderes, do engodo em que assenta a política portuguesa. Digo que Cotrim é o mais sério e com ideias precisas, logo os jovens me apoiam e um senhor de bom porte também. João afastou-se. Às tantas, tudo o que eu dizia, era secundado pelo grupo de rapazes. Digo eu: “Aqui quem tem vinte anos sou eu porque vocês apoiam o que digo sobre os meus quatrocentos anos.” Risada geral. Quem não devia estar a gostar da graça, era o mestre de cerimónias que veio sobre mim ameaçando-me de prisão, com o argumento que numa assembleia de voto não era permitido falar de partidos ou deputados. Eu insurgi-me e disse que não pertencendo a nenhum partido, tinha, todavia, a liberdade de me exprimir como muito bem me aprouvesse e quanto a ser preso era um sonho de adolescência que nunca havia realizado. Estamos ou não estamos num país livre! Foi quando abandonei o local, seguido por alguns dos jovens e pouco depois pelo Corregedor. Ocorre-me agora aquela da senhorita ex-ministra da Saúde: “O voto devia ser obrigatório.” Se esta afirmação viesse da direita, caía o Carmo e a Trindade. Pela minha parte, se tal vier a acontecer, não contem mais comigo para o exercício obrigatório dos meus direitos. 

          - Claro, para fugir à lengalenga habitual da contagem de votos, onde todos perderam e todos ganharam, passei o serão admiravelmente vendo o Campeonato de Atletismo da Alemanha. Espectáculo digno de se ver, com particular interesse pelos desportistas africanos, na sua maioria feinhos de cara, mas potentes de corpo. Onde eles entram, é cerro e sabido que arrebatam qualquer troféu. 

         - Entrando no desconsolo da política caseira. Eu disse logo que soube do arrebate fantasista de Montenegro ao escolher o seu chou-chou escalabitano,  que era um  tiro no pé – e foi. Não é que a senhorita Temido fosse melhor que o chocho da AD, pelo contrário, os dois equiparam-se e daí todos os outros candidatos ao prémio da lotaria de Bruxelas no valor de um milhão e quatrocentos mil euros. À excepção do Cotrim de Figueiredo, todos estavam mal preparados, sem conhecimentos, falando por palavras feitas e laivos de ódios polidos. A mentalidade possessiva é tal, que nenhum deles lamentou os 63% de abstenção, e ainda 1,2% de votos brancos e O,77% de votos nulos. Na realidade o único partido ganhador, foi o Iniciativa Liberal. Todos os outros perderam e os pequerruchos (BE, PCP, Livre, PAN) ou elegeram um deputado ou nenhum. O Chega deu um trambolhão de marca. Aquilo não é propriamente um partido – antes um conjunto de arruaças.  

Black desejoso de ser ele o primeiro a instalar-se na nova mesa. 



segunda-feira, junho 10, 2024

Segunda, 10.

Ontem não pude dar o meu voto ao IL como era meu propósito. Eu conto. Tendo ido  a Lisboa com o propósito de ver um filme que trago debaixo de olho, consenti encontrar-me na Brasileira com o João. Dali fomos juntos votar à Junta de Freguesia do Carmo, um edifício minúsculo, onde estavam três benevolentes sentados a uma mesa estreita, com três computadores na frente. Cá fora, a cobra dos eleitores adensava-se. A espera começava a ser enervante, toda a gente se perguntava da razão daquela demora. Viemos a saber que se devia ao sistema electrónico que o Governo apresentou como inovador, o melhor da Europa e talvez do mundo, porque nós portugueses somos sempre pioneiros em tudo. Cada pessoa que entrava no modesto gabinete, o sistema ia a baixo. Havia que esperar que a caranguejola funcionasse, telefonemas em catadupa para a central da coisa e assim. Comecei a perder a paciência, mais a mais porque só havia duas cadeiras, a rua é uma ladeira, o tempo não estava de feição. Comigo uns jovens debandaram. Vinha eu a chegar ao Chiado, surge o João que também desistiu daquele inferno. Que fazemos? Pergunta ele. A Baixa é um deserto sem personalidade, entregue aos magotes de turistas, tontos que nem viajar sabem, deslocando-se para se abandonarem nas esplanadas a olhar o tempo que os fintou sem sol. Disse que ia almoçar ao C.I. porque era lá que estava o filme que me propus ver. Pensei que ele não viria dado que diz não apreciar o C.I.. Mas veio. Longo repasto inundado da praga da política porque o homem não sabe mais nada. Conclusão todo o meu projecto saiu furado. 

         - E por aqui me fico, estando constipado devido a uma carga de chuva directamente no lombo. Amanhã falarei do chou-chou que veio de Santarém, e de alguns mais que fizeram figuras tristes à moda da política nacional. 


sábado, junho 08, 2024

Sábado, 8.

Terminou a algazarra. Amanhã se verá no que deu tanta promessa, tanta zaragata, tanta correria, tanta mentira e cinismo, tanta vaidade para tão pouca competência. De uma maneira geral, à excepção Cotrim de Figueiredo, toda a multidão de candidatos à lotaria de Bruxelas, está mal preparada. É por isso, que somos enxovalhados ou nos dispensam de opinar no Parlamento. O único homem que os barões europeus tiveram que ouvir, foi Mário Centeno que se impôs com a sua competência e autoridade em Economia. Lembro-me bem no período da troika e antes no tempo daquele rasteiro de chinelo Sarkosy, como nos tratavam e aos Gregos e aos povos do Sul. Antevejo a derrota de Luís Montenegro por causa daquela modernice de ir buscar a Santarém o moço dos cavalos, que respira ambição, mas falta-lhe estrutura moral, sabedoria política, respeito pelas mulheres, alienado como está ao fala-barato dos comentadores que crescem como lixo por todo o lado. 

         - Com os dias outonais que subitamente nos visitaram, aproveitei para cortar as centenas de deparas do bambu que circunda a pequena enseada de nenúfares. Trabalho difícil porque exige estar de cócoras, fazer força para abater cada ramo, transportá-los para o sítio onde no Inverno serão queimados. Depois voltei à minha querida natação, de onde andei arredio por indolência, calo no pé, falta de força anímica, interesse pela vida eterna no espaço que nos foi dado viver. 

         - Esta manhã fui tomar café com os franceses e almoçar em casa dos portugueses-franceses regressados para as férias. Grande repasto, animadíssimo, misturado da língua pátria e da de Molière. Uma aragem fresca levantada da superficialidade dos temas, inchados de gargalhada, porque tudo e todos à roda da mesa e da piscina, pareciam enxotar qualquer palavra que não fosse vertida para a alegria da chegada e do Verão que decerto se instalará de novo. Ninguém ali votou ou pensa votar – o Parlamento Europeu  é uma miragem que todos afugentam. 

         - Esta noite dormi nove horas de jacto, como se me tivesse reencontrado no jovem e jeune homme que sempre fui. Adormeci, como antes em cinco minutos, e fui por ali afora sem saber que percurso fiz, que oceanos venci, que dificuldades abati. Sem soporífero, calmante ou outra droga, pipis ou rajadas de vento na janela, como se durante a noite outra personagem tivesse tomado conta de mim, afagando-me de ternuras, de sossego, de soninho risonho, revigorante e apetrechado de duas asas alvas que me levou a todos os pontos do cosmo e do céu, acordado.


quarta-feira, junho 05, 2024

Quarta, 5.

Não auguro nada de bom para a União Europeia, nem tão pouco para a democracia. São os regimes ditatoriais que se apresentam mais organizados, controlando a vida dos seus escravos não no sentido do progresso, mas da corda que aperta quem ousa enfrentá-los. É suposto que a maioria das pessoas o que ambiciona é ter o mínimo, nas tintas para a forma de governo que a mantém, posto que a existência seja monotonia benfazeja que encaixe as prioridades básicas. O governo da nação foi sempre a luta de poucos; a conquista do poder a ambição de muitos. A História que Napoleão dizia ser “uma mentira que ninguém contesta”, há muito que se vem fazendo na troca de teorias gastas, de ódios e esquecimentos, revoltas manchadas de sofrimento e sangue. Os sistemas democráticos hoje são a balbúrdia instalada, as lutas intestinas, segmentações que volteiam a bandeira das cores desenhadas nos finais do séc. XVIII e brandida no início do séc. XX anunciando paraísos de sóis eternos. As diferenças acentuam-se cada vez mais nos extremos, enquanto o centro – onde em princípio está o equilíbrio – vê crescer a vala onde tombarão sem remédio. Apertados entre o capitalismo desvairado e o temor das prisões a céu aberto, a população disfarça o susto alimentando o desvario alienante do futebol, dos divertimentos que não acrescentam nada ao pensamento, das religiões que prometem o que Cristo nunca anunciou. A ordem tornou-se volátil, quem mais ameaça é mais ouvido, a competência e seriedade estão refréns dos populismos que todos praticam, vive-se de esmolas, de costas voltados para o exercício da projecção do futuro, trabalhando pouco, gastando muito, o presente é mais cativante quando o fim é a morte a qualquer momento. Projectar é acreditar na História enquanto diccionário de experiências vividas. Os mais competentes recuam, empurrados pelos arrivistas que tudo prometem, utilizam a ameaça, inventam a calúnia, exercem a brutalidade como estratégia de combate ideológico. A capitulação das nações acontecerá em catadupa e de nada serve actos de fé, esperança e optimismo agitados como bandeiras brancas – o poder derruba todos os sonhos. 

         - Ontem lá fui ao hospital da Luz, sob calor tórrido, em busca do meu amigo. Desta vez porém, meti na cabeça que iria até ao fim e de lá não sairia sem perceber o mistério Tó. Comecei pela recepção da entrada, onde está uma fileira de empregados, todos masculinos, fardados, de fais comme si comme ça, O que me atendeu, levou muito tempo a procurar no computador o nome do médico, portanto, clínico com muitos anos de serviço naquela açoteia com aspecto de aeroporto, tal a multidão, os espaços de veraneio, a babilónia que se cruza nos recintos públicos – corredores, escadas rolantes, elevadores, salas de espera, wc, auditórios, esplanadas, cafés, num corrupio de gente escarranchada nos cómodos sofás por todo lado, como se estivesse hospedada num hotel de cinco estrela. Não se veem macas, nem doentes chorosos, nem dramas de nenhuma espécie. Ali, sob ar condicionado, sem sol a entrar desvairado, está-se bem, alguns vi a bater a sesta. Espero e torno a esperar (o meu calo geme, sobretudo depois da caminhada pedestre, aos encontrões a obras ao longo do caminho). Até que ao fim de dez minutos, o rapaz levanta o nariz adunco e informa-me que o nome do médico não consta no computador. Insisto, desta vez quero ir até ao fim. Ele torna à máquina, faz várias viagens dentro dela, pergunta-me qual a área do meu amigo, respondo Medicina Interna. Nova longa, longuíssima espera. Por fim ele aconselha-me que suba ao terceiro andar que é lá que estão as consultas externas. Aí vou eu escada rolante arriba. Vejo-me de súbito num vasto espaço, com dois balcões de atendimento, um logo no início, outro mais adiante. Opto por este. Dirijo-me a um friso de raparigas, umas giras, outras sisudas com caras de madre superiora, que estão num afã de conversa fiada entre elas. Tomo a mais simpática, conto-lhe ao que venho, repito as mesmas perguntas, ela vai também ao computador, pesquisa, indaga à direita e à esquerda, mas ninguém conhece o nome que repito e volto a repetir. “Esse nome não aparece no computador. Tem a certeza que ele trabalha aqui?” Entretanto, aparece um homem feito, largo de feições, olhos tristes e cansados, que se me dirigi: “Olhe, suba ao quarto andar que é lá que estão os internados. Pergunte lá pode ser que tenha sorte.” Aí vou de elevador para a torre B, em sintonia com a minha desgraça, em vez de subir o mastodonte desatou a descer a toda a velocidade. Pára com um soco no rés-do-chão onde recolhe uns quantos turistas. Ao chegar ao quarto andar, tenho à esquerda um balcão simples, onde está uma única rapariga, simples, de sorriso cativante, disposta a ajudar-me. Recito de novo ao que venho. Ela enfronha-se no computador, pesquisa, e a pouco e pouco vai mudando a expressão: “Eu não vejo esse nome em lado nenhum.” Respondo que não é possível, que eu já falei com ele em tempos naquele hospital. A miúda torce o nariz a diz: “Telefone-lhe. – Não tenho o número, perdi-o, a Mackintosh evaporou-me a minha lista de contactos.” Então ela fala ao telefone com este e aquela, e passado um certo tempo, aconselha-me a ir ao primeiro andar onde funciona os Intensivos, “disse-me uma colega que é lá que o doutor trabalha”. Aí vou eu de coração aberto, cheio de esperança de ver concretizada a minha viagem. Como nos outros andares, aí está mais um punhado de meninas conversadoras atrás de um balcão. Falo com a primeira que de pronto consulta o computador e me diz que “com esse nome não temos nenhum médico”. Fico lívido. Ela desaparece, mete-se por uma porta não longe dali e retorna: “Ele não veio hoje e não sabemos quando vem. Ou está de folga, ou de férias.” E fazendo uso da linguagem actual: “Mas, sim, é nos Intensivos que ele trabalha.” No táxi que me devolveu à estação de comboios, murmurei: “Hospitais que têm médicos sem nome, só numa linha de montagem automóvel.”


terça-feira, junho 04, 2024

Terça, 4.

Grosso modo estou de acordo com a gestão de Luís Montenegro. Até me tem surpreendido porque o tinha como homem do sistema, quero dizer, cheio dos vícios redondos que a todos e tudo abraçam no mesmo amplexo. Para não pensar na enorme carga de trabalhos para restituir ao país um mínimo de eficácia e seriedade. Gosto também e sobretudo da forma como tem gerido a turbamulta das extremas, esquerda e direita, equidistante da técnica dos socialistas que sempre utilizaram a propaganda como elemento de verdade e puseram com isso todos os sectores revoltados e o país paralisado. Agora na sociedade e em tão pouco tempo, nota-se uma maneira mais rigorosa de abordar os assuntos resolvidos de qualquer maneira pelo governo de António Costa e cujos efeitos todos estamos a sofrer. Há um recuo das contestações selvagens, das greves pecepedistas que se estavam nas tintas para o sofrimento e desarranjo de milhares de portugueses. Luís Montenegro e os seus ministros falam pouco e bem, não entram nas questiúnculas partidárias, não dão corda aos senhores ditos jornalistas que parecem estar ao serviço das minorias à esquerda do PS. Os assuntos essenciais às pessoas têm vindo a ser resolvidos; professorado, saúde, imigração, tabelas salariais, reformados e pensionistas. Nem tudo agrada a todos, mas isso é normal a quem avança destemido e de cabeça levantada investindo sobre um período sinistro da nossa história colectiva dos últimos oito anos. Em tão pouco tempo, pese embora as vociferações de Vasco Gonçalves, descobriu-se a teia funesta de muitos decretos-lei, de muitas empresas públicas, de muitos acordos malbaratados, feitos à medida deste e daquele, montados em ideologias que não tiveram em conta os aspectos vitais da sociedade, sua capacidade e desigualdades gritantes. As empresas estatais, parecem estar todas falidas, sem contabilidade que oriente o futuro e faça do presente o investimento necessário ao provir. As célebres “contas certas” são afinal de contas um imbróglio para o Estado, uma afronta à pobreza, à desigualdade, à humanidade e ao equilíbrio e desenvolvimento de um país cansado da democracia que tudo desarranja, subverte, desune, insatisfaz e convida à tutela do homem só – o ditador feroz. 

         - Ontem veio aí o Sr. Luís gradar o terreno. Mal o vi, constatei o seu imenso cansaço, e disse-lhe que voltasse noutro dia quando o calor amainasse. Recusou e avançou sob o sol das três da tarde com determinação. No final nem aceitou um copo de vinho branco, uma cerveja, e ficou-se por água fresca. Ofereci-lhe a mesa do terraço assinada pelo mestre Fortuna. Eles eram amigos e aquela oferta foi mais que um valor material. 

         - O que é a velhice? Um calo no pé direito, um desassossego brando de estupefacção.  Vou-me despachar para Lisboa. A ver se é desta que encontro o Tó no hospital da Luz e perguntar-lhe se envelhecer e tomar sobre si todas as recordações dos dias felizes. 


domingo, junho 02, 2024

Domingo, 2.

O Público é o meu jornal de referência. Nem sempre me satisfaz, mas como funciona no jornalismo como uma espécie de capoeira onde todos os galos cantam à sua maneira, eu, enquanto leitor, tenho a liberdade de escolher o mais belo bicho do harém. A maior parte nem jornalista é. São colaboradores especialistas disto e daquilo, com tendências partidárias várias, mais ou menos expostas, alguns se calhar até escrevem à borla só para se verem difundidos ou ter onde arremessar o baralho de cartas do seu querido partido. 

Em tempos idos, não apreciava as opiniões de Teresa de Sousa, mas hoje e de há muito, conto com os seus conhecimentos de política internacional para compreender melhor o mundo. Diz ela a propósito de Donald Trump: É um individuo sem um pingo de carácter, de moral ou de princípios. Tem um comportamento boçal e criminoso em relação às mulheres. Move-o apenas uma preocupação na vida – alimentar a sua personalidade narcísica, servir os seus interesse pessoais e económicos, impedir que a justiça o condene pelas quatro grandes acusações criminais que impendem sobre ele.” (...)  “como sabe até que ponto Trump põe em causa os próprios fundamentos da democracia americana  e o impacto gigantesco que a sua reeleição teria à escala global. A começar pela Europa. Putin esfregaria as mãos de contente.” Não tenho dúvidas.  Ele e Xi Jimping, o ditador da Coreia do Norte, e todos os partidos com ligações simpáticas e outras a Moscovo. 

         - Assim a revista que acompanha o jornal, ocupa-se de solidão. Com ela chega uma carrada de especialistas, sobretudo psicólogos, que dizem saber muito do assunto. Eu que sempre vivi solitário, talvez tenha qualquer coisa a dizer sobre o assunto. Todavia, de entre os que falaram, existe uma entrevista ao escritor Francisco Viegas. É ele que põem os pontos nos ii ao afirmar: “Há muito a ideia de que a família é um antídoto para a solidão, mas isso não é verdade. Muitas vezes, é o lugar onde a solidão é mais infeliz.”

         - Estou a pé desde as seis da matina. Para beneficiar da redução na electricidade (tenho quadro bi-horário) e sendo domingo, começo cedo as regas. Estas ocupam-me cerca de duas horas. Depois fui às mercas, assisti à missa, fiz o almoço e só descansei pelas duas da tarde. Quem disse que o campo é lugar do ripanço? Estou num forno. As temperaturas aqui não perdoam. 


sábado, junho 01, 2024

Sábado, 1 de Junho.

Que entre o sociólogo António Barreto com o peso das suas opiniões sensatas e rigorosas. Na sua coluna de hoje no Público, ele fala do bom e do pior que tem a Europa enquanto construção social e política. Trago eu aqui o que há de pior porque o que há de melhor está há muito sepultado ou posto de lado por inútil, romântico, fora da realidade do mundo dos nossos dias. 

“Ficámos seduzidos pelo exibicionismo dos ricos, dos frequentadores de casino e dos permanentes de capa de revista. Apostámos em trazer cá para dentro os piores dos mais ricos do mundo. Recebemos, com honras de aristocratas ou heróis, oligarcas de todos os continentes, de todos os mercados negros, de todas as máfias do planeta Acreditámos na abertura desbragada das fronteiras, sem perceber que estávamos a estimular a clandestinidade, a legalidade e a marginalidade. Recorremos desenfreadamente ao trabalho imigrante que permite aos europeus descansar e dar-lhes tempo de divertimento.”

         - Enfim, tanto os EUA como a Alemanha, entraram na lógica correcta que deve orientar a guerra da Ucrânia contra o ditador Putin e o alcoólico Dmitri Medvedev: o reconhecimento ao direito de se defender dos mísseis disparados de território russo com o armamento fornecido por americanos, alemães ou ingleses até aqui, três anos depois da invasão da Rússia, impedidos de o fazer. A França há muito que havia contestado esta bizarra decisão dos seus pares. Portugal, como sempre, sem personalidade,  segue o ditado: “Maria vai com as outras”. 

         - Não se percebe a razão que leva os extremistas da extra-esquerda – BE e PCP – a quererem assento no Parlamento Europeu. Se estão contra a UE, por que almejam estar no hemiciclo de Bruxelas! A menos que, enquanto discípulos ferrenhos do marxismo-leninismo, tenham a ambição de destruir a Organização por dentro. Acredito que os portugueses os vão enxotar de tal afoiteza.