sábado, agosto 31, 2024

Sábado, 31.

Tenho-me deliciado em ver os jogos para-olímpicos. Os meus camaradas coxinhos, coitadinhos, sem braços, pernas, colunas vertebrais inoperantes, corpos deformados, cegos, enfim, reduzidos ao esforço, à vontade, à energia e à arte desportiva que lhes brota enérgica do pouco físico que resta, são pela audácia, a valentia, o esforço intrépido, o entusiasmo, o confronto consigo próprios, um hino à vida, uma reflexão ao nosso convencimento formoso, um desafio ao que se convencionou chamar normal. A vida, a verdadeira, brota de cada um deles e reduz à comiseração aqueles corpos criados nos ginásios, brutos, idiotas, falsos, inventados por máquinas para serem exibidos por e para obtusos. 

         - Israel não pára. Depois de ter reduzido os palestinianos da Faixa de Gaza a míseros presos sob o seu despotismo quase um século, voltou-se agora para a Cisjordânia onde faz razia de mortes. Aguenta, pelo menos, quatro frentes de combate, porque aqueles que falam em paz continuam a fornecer-lhe a guerra: EUA, França, Alemanha, Inglaterra e decerto outros mais. Há excepções que pouco interessam. Como a de Josep Borrell que defende sanções contra “alguns” ministros israelitas.  

         - Continuo sem carro. O Sr. Gaspar foi adoptado por mim para meu chauffeur. É ele que me vem buscar e trazer sempre que tenho necessidade. Ontem, mal me viu chegar, disparou: “Vem muito carregado.” Era verdade porque me abasteci em Lisboa do necessário para sobreviver. Parecia o preto da Casa Africana. Os antigos lisboetas sabem do que falo; os outros não se interessam em saber como não se importam com nada. Vivem marrando nos telemóveis que lhes fornecem os dejectos quentinhos e bons.   

         - Como vai este pobre país? Como sempre de mal a pior. Não há dia que não nos traga a tristeza dos políticos que se armaram em democratas e à sombra dos partidos onde se sentem protegidos de tudo, como grupos de mafiosos, somos surpreendidos pela face oculta dos seus crimes. Assim, o presidente da Assembleia da República, Aguiar-Branco, segundo o Correio da Manhã, omitiu na declaração de rendimentos e património que entregou à Entidade para a Transparência  o Valor Patrimonial Tributário de 10 imóveis urbanos. Vai continuar em funções? Claro, pois então! Outro facto inédito, o assalto ao Ministério do Administração Interna. Foram levados alguns computadores e até agora não se descobriram os larápios e não se sabe o que tinham de importante as máquinas. Que choldra. 

         - É raro encontrar um leitor deste diário. Aconteceu-me há dias. O rapaz falava com a colega nestes termos: “A prosa do blog é literatura gulosa.” A outra franziu o sobrolho e ele explica: “A gente lê e não pára, eu às vezes tenho de ir ao dicionário quando não percebo uma palavra.” Literatura gulosa, nunca tinha ouvido tal!  


quinta-feira, agosto 29, 2024

Quinta, 29.

Somos um país pequeno, onde não se passa nada de relevante e daí que uma simples afirmação de um ilustrado político nos dê de cartola um vómito. É o caso do Vasco Gonçalves e do senhor Carlos César, presidente do PS. São dois homens com uma lata e desvergonha infinitas. São capazes de tudo e mais alguma coisa para responder à aflição dos seus correligionários que não sabem viver na oposição. Tudo o que eles condenam a Montenegro, foi o que não conseguiram realizar, deixando o país mergulhado num caos durante oito anos. Qualquer partido que viesse depois dos socialistas, teria um esforço hercúleo para mudar a orientação da nação. Eu louvo a coragem de Montenegro e da sua equipa, ainda que não goste de muita coisa e muita dela assemelhando-se ao que António Costa fez. 

         - Comecei a acartar o que resta da lenha dos jeniperus grandis cortados há mais de dez anos para o telheiro onde ficará à mão de semear. Poupei-me a mim e aos gastos de água, não regando hoje o que era de ofício diário.

         - Lamento imenso por que passa aos 86 anos a Piedade. O neto meteu em casa mais uma mulher, desta vez uma brasileira. Afinal a anterior vai mesmo dar à luz um bebé, e o restaurante que ele adquiriu, está fechado e as despesas a correr na mesma. Além deste quadro já de si complicado, o neto surripiou uns milhares da conta conjunta, deixando-a quase a zero – sem dizer nada à avó que, sendo analfabeta, também pouco ou nada sabe de bancos. Acresce que a brasileira, mãe de uma rapariga de 13 anos, disse à Piedade que era ela que ia tomar conta da casa porque “você já não consegue”. Ela veio aí num pranto, a tensão a 16, toda definhada pelo sofrimento. Dei-lhe coragem, disse que contasse comigo e incentivei-a a ir ao banco com o irmão retirar o dinheiro que resta para uma conta pessoal. Ele, devorado pela droga, obrigou a avó a desfazer-se de um andar que tinha numa povoação aqui perto. Na sua loucura e ignorância, vendeu-o por 30 mil euros – uma insignificância nos dias de hoje. A parte que lhe coube, já voou; a outra metade da avó, também já se eclipsou. Disse-me que tinha medo que ele a agredisse. Família para que vos quero!   


terça-feira, agosto 27, 2024

Terça, 27.

Era o que se previa, todos têm opinião, todos adiantam catástrofes, poucos falam com propriedade do estado do país impreparado como está para sobreviver a um tremor de terra mais forte. O ganho rápido e criminoso dos construtores e empresas do ramo da construção, andam há anos a levantar imóveis que são perfeitas ratoeiras para os sismos. Tanto a iniciativa privada como a estatal, para fugir aos custos de prédios preparados para resistir aos tremores de terra, confiam na divina Providência para nos proteger. E protege, mas não em cachoeira. Fiscais para fiscalizar as obras não há. Portanto...

         - Há três anos que o Afeganistão vive um rápido retorno às trevas, ao período primitivo, quando as mulheres eram escravas dos homens. O drama civilizacional e humano que varre o país humilha-nos a nós todos, e quando penso que toda esta tragédia se deve ao senhor Joe Biden, democrata, pois então, revolto-me. Não admira que noutros tempos quando os homens do Talisbã governaram, os grande dirigentes tinham os seus mancebos fixos com quem gozavam as mil e uma noites de prazer. As mulheres são apenas fantasmas cobertas da cabeça aos pés de negro que povoam todo o território. 

         - No metro, sentadas à minha frente, seguiam duas pretas com pinta azteca. Falavam, falavam e não paravam de dizer uma à outra (tal como chegara aos meus ouvidos): “valho pum”, “valho pum”. Mudei de lugar e fui sentar-me mais adiante, mas a mesma cantilena perseguia-me. Saí na estação imediata para voltar a entrar e prosseguir viagem no próximo comboio, na ideia de que um pum azteca deve ser obra...


segunda-feira, agosto 26, 2024

Segunda, 26.

No que se entretêm - jornais, televisões, organismos de protecção civil, políticos – é do tremor de terra ocorrido às primeiras horas do dia de hoje. Enfim, Portugal tem uma notícia para dar às crianças que somos cada um de nós. O brouhaha é constante, corre como água para o mar, enobrece o jornalismo das meninas ditas jornalistas que perguntam sem pensarem no que questionam, vamos ter esta ladainha por toda a semana. Eu acordei com ele, abri os olhos e, deixando-me ficar deitado, disse: “Isto é um tremor de terra.” Senti o armário de vidro onde guardo os livros mais chegados a mim, a abanar. Todavia, o que mais me surpreendeu, foi o barulho lá fora que durou uns segundos enquanto o fenómeno teve lugar. Era uma espécie de furacão, com um rasto que parecia uma rajada de vento que uivava enlouquecida. De seguida um largo silêncio. Julgo que voltei a adormecer. Acordei às seis horas e liguei a TSF e ouvi dizer que se havia tratado de um sismo de 5,3 de intensidade, com epicentro em Sines. 

          - Pelas dez, veio aí um técnico para montar o novo esquentador. Logo que desmontou aquele que havia trabalhado 24 anos, olhou para a saída dos gases na direcção da chaminé e concluiu: “Isto é trabalho para limpador de chaminés. Eu só monto estes parelhos.” E abalou. O preço que me pediu (120 euros) não incluía o de limpa chaminés. Ao que chegámos! Somos um país de técnicos especializados. Alguém acredita? Depois acrescentou: “Se for com factura, acresce o iva.” 

         - O que é isto ao lado dos milhares de crianças palestinas que necessitam de ser vacinadas contra a Poliomielite que grassa por todo o lado! Indiferente a este drama, Netanyahu, prossegue as suas investidas assassinas; a ONU avança apesar disso, os seus corajosos e humanos voluntários enfrentam como os nativos a morte. 

         - A turba multa dos senhores deputados começa a invadir o terreno que abandonaram para ir de férias algarvias e no estrangeiro. A algazarra já polui o ar, o ódio fermenta, a corrupção acerta o passo, os sindicatos mandam mensagens a este e àquele, a teia imensa dos iluminados, instala-se. 

         - Aquela não lembra a um tinhoso. Refiro-me à tradicional Festa dos Fachos na ilha da Madeira há mais de uma semana a lutar para pôr cobro aos incêndios que lavram por todo o lado. Apesar disso, a tradição tem de ser cumprida e que se lixe os hectares de área ardida, as pessoas desalojadas, a falta de água, o espectáculo horrendo da Ilha Encantada transformada num enorme torresmo. O povo ordena, a Câmara de Machico amocha.  


domingo, agosto 25, 2024

Domingo, 25.

É absolutamente delicioso o romance de Paul Bowles. Vou a metade da sua leitura e não me canso de descobrir o seu método de trabalho, a trama da história, melhor dizendo das histórias porque as personagens não cessam de entrar e sair de cena. A cronografia passa-se em Tanger logo a seguir à Segunda Grande Guerra, na zona apropriada pela França que eu bem conheço. O que mais surpreende é a minúcia do enredo, os instantes sublimes por que passam os seus heróis, os pequenos gestos, os silêncios, o rumorejo da chuva que não pára de cair, a imensa solidão dos americanos que aportam à cidade. Por estes dias de reclusão (ainda tenho, pelo melhor, esta semana), a sua companhia tem sido uma bênção a par, evidentemente, de outras leituras. Não resisto a deixar aqui o nome da dona da casa de alterne: Madame Papaconstante. Um achado. 

         - E como vai o mundo fora deste paraíso de silêncio e paz? Mal. Vai de mal a pior. Em França, em La Grande-Motte, no Sul, houve um ataque anti-semita à sinagoga local provocando um incêndio seguido de explosão. Em Dusseldorf, durante um festival, um homem de vinte poucos anos, atacou à facada várias pessoas e volatilizou-se. Não se conhecem os motivos, mas o ressuscitado Daesh reivindicou o crime. Morreram três pessoas e oito ficaram feridas. 

         - Hoje grande dia de regas. O que me vai custando, é puxar as mangueiras de vários metros carregadas de água. Contudo, cada vitória, por pequena que seja, instala em mim uma vitória como qualquer das alcançadas por Fernando Pimenta. Este trabalho intervalo com outros, resumem um dia carregado de afazeres. Desistir não faz parte do meu vocabulário. Até porque o que me realiza parte sempre do interior. 


sábado, agosto 24, 2024

Sábado, 24.

O logro em que vivemos é um enorme polvo que nos prende com as suas garras terríveis. Estamos aprisionados a um enredo de mentiras, oportunismos, esquemas mentais e interesses de toda a ordem. À sombra da bandeira da democracia, os pequenos ditadores, autocratas, prepotentes, uns de primeira categoria, outros de quinta comprados por chefões que detêm o poder por processos fraudulentos, conluios e manipulações subterrâneas, todos escravos do dinheiro – o deus supremo das suas vidas e dos seus percursos pessoais. Atente-se no caso dos Estados Unidos paradigmático de um tempo sectário, onde tudo se compra e toda a gente está a venda, com meia dúzia de ideias feitas, uma sombra de ideais, um bafo de verdades, num segundo o criminoso vira um homem honrado, o explorador um indivíduo de alta matriz social, o ignorante um acervo de cultura. A cambalhota que os democratas fizeram com a senhora Kamala Harris é impressionante. A criatura andava pelas ruas da amargura, as soldagens atiravam-na para abismos de vergonha, e eis que os graúdos das finanças e da política de retaguarda, a recuperam e a catapultam para o voo mais alto – a candidatura á Casa Branca. O jogo da política, o nojento jogo, aí está a provar que andamos todos enganados e servimos apenas como joguete do mundo estrelado dos negócios e da política. A ética, a honradez, a palavra, o interesse público são coisas do passado quando a moral era a referência. 

         - Continuo a leitura de Deixa Cair a Chuva. Não é nenhum achado, mas é curioso no contexto do diálogo entre Ryar e Ashcombe-Danvers, este um vígaro, falando de um outro companheiro do mesmo ofício: “Claro que é um bandido, mas é um bandido honesto.” 

         - A Madeira entrou no décimo dia de incêndios. Enquanto a montanha arde e a água escasseia nas torneiras das casas, os políticos entretêm-se nos confrontos do costume. Eles não querem aclarar quem cometeu o crime de acção tardia ao ataque ao fogo com aviões Canadair (só operacionais há três dias), querem encontrar “politicamente” os culpados. Isto porque, sendo uma orientação política, não condena ninguém. Daí a tão apregoada “foi um erro político”, “foi uma acção política errada”, com esta insidiosa acusação ninguém vai para a cadeia. Quando muito, perde o cargo e regressa protegido às ocupações bem pagas da sua anterior vidinha. A passagem pelo Governo passa a contar para o curriculum vitae. Que bom, Portugal é magnífico. Há dinheiro a jorros para tudo, menos para dar dignidade às pessoas e saúde e educação e salários e reformas condignas. 


quinta-feira, agosto 22, 2024

Quinta, 22.

Fui do Chiado a Baixa. Não encontrando o que precisava, andei às voltas pelas três ruas principais mais a Rua Santa Justa que palmilhei em busca de uma casa de produtos naturais. Não vadiei pelas ruas que me viram nascer, mas pelo inferno por onde serpenteei para fugir aos invasores que se esparralhavam pelas esplanadas, passeios, lojas, praças, esquinas, por todos os espaços na barafunda, no casb bar em que se tornou o centro da minha amada Lisboa. Outrora, pela calada da noite, quando a Baixa nunca se esvaziava e quem por lá andava buscava interesses vários que radicavam na felicidade de um encontro, de uma ida aqui e ali, no toque, num olhar, em duas palavras secas que traduziam o que o coração apertado não ousava balbuciar por pura paralisação. Um hossana de efervescência tomava conta do corpo, a boca secava, o passo acelerava, uma espécie fervura inundava todo o corpo, a ânsia do desconhecido untava de enervamento e quietude os alicerces do desejo, a magia do encontro unia o que nunca poderia ser unido se os sentidos não se tivessem combinado para operar o milagre do instante de luz, do suspiro fundo, do êxtase que perdura e ondula por dois copros arfantes. Corria-se por esses momentos, esquecia-se tudo por eles, por de tão intensos e arrebatados neles habitava a hora incandescente do primeiro desejo, do primeiro pecado, da primeira mancha gravada na pele branca e inocente, desejada e amada, no primeiro suspiro para sempre recordado...  


quarta-feira, agosto 21, 2024

Quarta, 21.

É sempre um prazer voltar a Paul Bowles. Estou a ler um dos seus romances mais célebres: Deixa a Chuva Cair. O pormenor que hoje é enxotado pelos leitores, é o que eu mais aprecio nele. Dir-se-ia que a história vive dele e força o leitor a caminhar a par dos detalhes que por sua vez fazem parte do enredo. Ao mesmo tempo, há uma delicadeza na maneira como o autor faz entrar na acção as personagens, na radiografia de cada uma, que nos prende à primeira apresentação. Mais uma vez, a história passa-se em Marrocos seu país de eleição, onde julgo ter morrido aos cuidados de um rapaz que o protegeu até ao fim. Li os três capítulos iniciais, e a trama romanesca parece estender os seus tentáculos amarrando entre si os intervenientes. É uma felicidade passar duas horas na sua companhia. 

         - Antes que me esqueça – seria, de resto, grande injustiça da minha parte -, quero aqui deixar as maiores felicidades à senhorita Mariana Mortágua que acabou de se consorciar com a companheira, também do BE, senhorita Joana Filipa. O casório aconteceu há dois meses, mas só agora se conheceram os pormenores. Às duas revolucionárias desejo bem-aventuranças e que a partir desta união, o amor impere contra e acima as suas ideologias idiotas. 

         - As hostes democráticas americanas, agitam-se para relançar a candidatura de Kamala Harris à presidência. Desta vez foi Barack Obama e a mulher no comício de endeusamento daquela que durante quatro anos foi votada ao ostracismo e as sondagens davam como alguém repulsiva. A ver vamos no que isto vai dar, sendo certo que os EUA estão ao mesmo nível de miséria de toda a Europa e do resto do mundo na escolha e qualidade dos políticos. Os ditadores hoje fazem melhor figura. Tragicamente. De todos, prefiro Bernie Sanders.  


terça-feira, agosto 20, 2024

Terça, 20.

Faleceu Alain Delon aos 88 anos. Participei com ele num momento de humor quando o actor telefonou à Annie e eu atendi estando ela ausente de casa. Não volto ao assunto já aqui espaçado noutra página. A França elogia o desaparecido como só ela sabe fazer, com Macron a falar de “um monumento nacional”. Vi alguns dos seus filmes, mas nem de todos gostei. Por exemplo, no Leopardo dirigido por Visconti ou no papel do barão Charlus em A La Recherche du Temps Perdu, Diz-se que em grande medida o seu êxito foi devido à beleza de homem que era. Ele responde que nunca se dera conta de atrair mulheres e homens como afirmavam os media. Conservador, com ideias feitas, gaulista, amante da arte talvez por adorador do dinheiro, da riqueza e, curiosamente, da solidão. Era na realidade um solitário, e enquanto tal morreu na sua propriedade de Douchy não longe de Paris, guardado por seguranças, dedicado aos seus cães que considerava mais que os seus semelhantes, os três filhos divididos e quase sempre longe dele, uma governanta chinesa que eles acusavam de ser oportunista e outros quejandos existenciais que provam que o ter muito não é sinónimo de felicidade nem de coisa alguma. Mandara construir uma capela na propriedade e é lá que decerto será sepultado. Agora é um entre os demais. Paz à sua alma. 

         - Há ainda dois livros que não foram arrumados nas estantes: Memórias Minhas de Manuel Alegre e Un hosanna sans fin de Jean d´Ormesson. O primeiro é incontestavelmente um grande poeta e, do meu ponto de vista, nunca se devia ter metido na política. Tal como Mário Cláudio ele queixa-se dos homens e mulheres do metier e isso a mim confrange-me e interroga. Veja-se esta passagem, pág. 193: “Pelas circunstâncias da minha vida, fui sempre um escritor solitário. Nunca pertenci a nenhum grupo, a nenhuma corrente, a nenhum café literário. Estive dentro do poder político, mas nunca do literário, que é o mais sectário de todos. Quase não pude partilhar o que escrevia. A maior parte das vezes, tal como na cela da PIDE, em Luanda, dizia em voz alta, para mim mesmo.” Sem me comparar a qualquer dos dois, tive nos anos de início algum relevo e edições esgotadas, muitos críticos e jornais a elogiar o meu trabalho, o Diário Popular atribuiu ao meu primeiro romance, A Rutpura, o prémio anual revelação. Nem por isso porém, o ego se me ateou por um segundo, prosseguindo eu como se nada fosse, a escrita tomada por sagrada indiferente ao que se escrevia sobre mim. Hoje sinto uma liberdade imensa e desmesurada. Escrevo como quero e o que quero, não bajulo ninguém, sou livre e consagro os dias unicamente à leitura e ao acto de escrever. Digo como Saramago: “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.” Esta página, sem nunca ter tido publicidade em lugar algum, é disso prova.

         - A obra de Jean d´Ormesson, dos muitos livros que li, foi crescendo para mim de importância. Recordo-me que o primeiro não me interessou; mas mais tarde descobri o que há de époustouflante na pessoa e na obra. Este que levarei à biblioteca de cima, foi publicado post-mortem e constitui um repositório de pensamentos que sucintamente se expõem. “Dans le bonheur, dans le plaisir, dans l´amour, la vie est une bénédiction.” ”Opposés sur bien des points, chrétiens – catholiques, protestants, orthodoxes...  – et musulmans – sunnites, et chiites – partagent une même conviction: meilleure et plus belle, il y a une autre réalité que celle où nous vivons.”  “Ce qui va marquer les hommes en train de se hisser au-dessus de ces primates qui s´étaient hissés au-dessus de la matière, c´est l´orgueil.”  “Un monde sans Dieu serait trop injuste, trop triste, trop inutil.” E muitas mais passagens haveria a anotar., não fora este escrito ir já longo. 

         - Pela manhã, cedo, reguei. Antes de vir a Piedade já só em peregrinação, aparei os ramos secos da Syca que plantei ao pé da piscina. Depois apanhei figos e assim se resumiu os trabalhos lá fora - o calor não permite aventuras. 


segunda-feira, agosto 19, 2024

Segunda, 19.

Um táxi vem-me buscar a casa, outro me devolverá às origens. Tem sido assim e assim continuará até ao regresso do Skoda. Na Brasileira empatei o tempo num esforço por alinhar meia dúzia de linhas. Dali fui almoçar ao Celeiro e depois ao Corte Inglês onde me encontro ao abrigo do calor depois de pagar a conta do mês passado. Estou com pouco para comer em casa, na sequência de uma semana sem compras no super ou alhures. Os meus vizinhos que se constituíram em meus anjos da guarda, nenhum apareceu a saber se preciso de alguma coisa. O que me vale é que tenho arcabouço para arcar com este pequeno incómodo. No meio deste petit monde egoísta, os filhos mesmo que me digam que não é com eles que contarão na velhice, obcecam-nos. Já agora, pela minha experiência, não são os solteiros e os solitários os mais egocêntricos, são os casados enrolados numa espécie de felicidade forjada que esconde a desgraça da retaguarda. 

         - A mim quer-me parecer que os barões das infra-estruturas, andam a sabotar as vias férreas da Fertagus. O comboio, volta que não volta, pára por causa de “problemas” no caminho.  

         - Os incêndios não nos largam. Na Madeira, desde quarta-feira, que lavram montanha acima, montanha abaixo, deixando as populações em sobressalto. E até no museu histórico Somerset House, no centro de Londres, o fogo entrou pelo telhado.  Nele se guardam as colecções Arte Courtauld e a coleção Gilbert de Artes Decorativas. O célebre monumento, do séc. XVIII, é sede da Real Sociedade de Literatura britânica. Eu, quando estive em Londres, cada vez que atravessava o Tamisa, passava diante da sua magistral fachada neoclássica.


sábado, agosto 17, 2024

Sábado, 16.

A vida é como nós a construímos. Daí que não vale a pena chorar no molhado, apenas temos de nos adaptar ao que chega venha de onde vier. Dá-se o caso de ter que ficar sem carro até Setembro devido às férias deste e daquele, desta e daquela empresa. Por isso, o mecânico informou-me que havendo um problema nos injectores (suponho que foi a palavra) os homens da marca estão fechados. Logo o John, a Glória e o Jean se propõem bater ao portão de cada vez que passem por aqui perguntando se preciso de qualquer coisa, mesmo uma simples ida ao café. Assim, levo já uma semana de reclusão, com a escapela, ontem, a Lisboa e não sinto angústia de nenhuma espécie. Ao contrário, pelo muito que aqui há para fazer, tenho-me dedicado a pequenos trabalhos que fui adiando sine die. Glória à vida sem transporte pessoal! E se não fosse o coxinho, coitadinho, iria daqui à estação de comboios do Pinhal Novo a pé. Olarila! 

         - Ontem, dizem os meteorologistas, as temperaturas aqui tocaram os 41 graus (penso que um pouco mais). Depois das regas, tranquei-me em casa de portadas fechadas e a temperatura ficou constante todo o dia sem precisão de ligar o ar condicionado. Que bem se esteve engatando trabalho atrás de trabalho, leitura após leitura, umas quantas linhas no romance, telefonemas, limpeza das facturas na minha página do Fisco, confecção de um prato para arquivo, limpeza-leitura de jornais retardados, etc.. 

         - Outra das minhas actividades tem sido recolher os livros que fui lendo e deixados por aqui e por acolá e levá-los para a biblioteca de cima. Foi o caso de o último Diário de Marcello Duarte Mathias, A Desoras (2017-2023). Talvez seja um dos seus melhores registos quotidianos, porque a idade veio em seu auxílio, transmitindo-lhe um pouco de humildade e visão do que se passa à sua volta. Em verdade, o autor, nunca despiu o smoking de embaixador, e as suas opiniões chegam em catadupa de nariz um pouco empinado. Goste-se ou não - eu sou dos que nem sempre aprecio -, mas nem por isso a sua leitura deve ser abandonada, porque nas 318 páginas há infinitos momentos que nos detêm maravilhados. Ao contrário de Mário Cláudio para quem “escrever complicado é escrever datado” (juízo de Marcello Mathias, referindo-se à generalidade dos escritores), a escrita deste livro é não só brilhante como nos enriquece de sabedoria. No escritor do Norte há uma atitude pernóstica que me irritou; neste um certo ar aristocrático, de classe, de snobismo que me agasta. Não somos perfeitos como se vê. E o que é isso de perfeição, bom Deus! Vou deixar aqui duas passagens que atestam o quanto nos enriquecem a sucessão das outras. Referindo-se à velhice: “O declínio não é gradual, progressivo, prolongado, previsível. Bem pelo contrário. Envelhece-se de forma abrupta, por patamares, e a partir de certa altura cada patamar é um fosso. Um abrir de abismos.” E esta. “Hoje, perante a afirmação do islamismo, e sobretudo do islamismo político antiocidental, sinto (eu que sempre me situei um tanto fora destes assuntos) como um dever proclamar-me cristão. E agir em conformidade. Dever moral, obrigação civilizacional. E cristão solidário com as demais comunidades irmãs, atacadas, perseguidas, assassinadas por esse mundo fora, na Europa e alhures. Solidário com as igrejas arrasadas, como ainda recentemente no Alto Carabaque. Sim, cristão e católico, para tudo dizer, que se viva ou não plenamente a dimensão da fé.” E ainda este belíssimo instante quando o autor deambula pelo seu jardim e a mulher (grande leitora de Julien Green, diga-se de passagem) fina-se aos poucos): “Às voltas por este nosso jardim, a admirar estas florezitas amarelas muito espigadas, que me dizem ser malmequeres (?!) Já com saudades da Primavera, ainda soterrada; por enquanto apenas soterrada. Ficaremos, pois, os dois aqui, por estes próximos meses, à espera um do outro...” 

         - A técnica diarista é especial quando exercida pelo autor para si mesmo. Por estes excertos, poderá perceber-se a grande diferença que vai entre Marcello Mathias e Mário Cláudio. Neste é o apontamento, o toca e foge, a imposição (não quero ser injusto) do conhecimento; naquele a profundidade, o sentir, o desabafo terno da fragilidade que se expõe primeiro diante de si próprio e depois dos seus leitores. Aqui não existe construção do eu, do carácter, da sabedoria imposta; o escritor abre-se no recolhimento da escrita, no murmúrio da dor, e nós sentimo-lo acorrentados como ficamos ao fluir dos afectos, do desamparo, da misericórdia. Um diário é acima de tudo um sopro instantâneo, um diálogo consigo próprio, um permanente rumorejar que se perde nos dias, nos anos, na vida...  


sexta-feira, agosto 16, 2024

Sexta, 16.

Não consigo dizer que não. Por isso, lá fui ontem ao seu encontro na Brasileira. António tinha chegado como sempre choroso, mais hipocondríaco que de costume. Disse-me de impulso: “Tenho um cancro na coluna vertebral, mais ou menos a meio das costas.” Sentou-se. Daí a instantes, devo ter um cancro neste ombro e nos ossos porque dói-me tudo. Mais adiante falava de um cancro na próstata, que estava com 5 de PSA e o médico falava em o operar. “A mim já só me interessa levar o máximo de telas para o Museu de Viseu”, dizia com mágoa onde parece ter um espaço com o seu nome. Pobre infeliz. Faz pena, mas creio que ele ainda nos há-de enterrar a todos. 

         - Lá estão eles, uma infinidade, vários países, chefiados pelos Estados Unidos, a falatar sobre um possível acordo que ponha fim à guerra em Gaza. Tanto tempo despendido numa manobra que não interessa a ninguém, posto que são os negócios da venda de armas que fiam mais fino. 

         - A Ucrânia, com o consentimento do Reino Unido, entrou, enfim, pelo território Russo adentro. Tomou uma vasta área a ponto de ter posto em suspenso o ditador Putin. Mas fê-lo com todo o direito, uma vez que o seu território foi invadido há dois anos e milhares de soldados foram mortos, cidades destruídas, hospitais e infantários bombardeados, civis liquidados. 

         - Luís Montenegro ufana-se com aquilo a que chama “suplemento extraordinário” aos pensionistas com pensões baixas. O anúncio não é mais que uma cópia das esmolas que António Costa inventou para iludir os pobres e se engrandecer. Vira o disco e toca o mesmo – eis o nosso triste destino.  

         - Não esperava aquele desfecho. Mário Cláudio, encerra o seu Diário Incontínuo, com a fotografia dele e dos seus queridos, velhos e de cabeças brancas. Corajoso homem. 


quarta-feira, agosto 14, 2024

Quarta, 14.

Aqui chegado, nada está tão louco e intacto como antes. Lembro-me quando escrevi os meus primeiros livros, fi-lo num verdadeiro estado de loucura, horas a fio, a esferográfica a correr sobre o papel, as ideias em cachão a chegarem ao meu cérebro completamente estafado e despejadas para o caderno num jacto. Hoje, cada palavra é pensada, apagada, reescrita, cada parágrafo lido e relido. Só quando me acho satisfeito prossigo, e daí a precisão de uma hora para encher a folha do computador (o Saramago dizia-me que ficava satisfeito com duas páginas/dia). Et pourtant. Quantas vezes, ao chegar a casa, abato todo o trabalho da manhã! Nada do que escrevi antes me agrada, não sinto a voz das personagens, não reconheço a sua personalidade, os comportamentos que as distinguem, o clima que as enreda numa vida ali contava à flor dos sentimentos, dos desencontros, da alma humana que tece nos silêncios da vida o húmus que nos identifica e dá grandeza ao ser único que habita em cada um de nós.  

         - De balde igualmente para o dia-a-dia numa quinta, longe e equidistante do rumor da cidade. Se faço bem duas ou três coisas lá fora, depois das regas diárias, da rotina de sobrevivência comum a cada um de nós, fico encantado e logo me apetece acrescentar mais qualquer outra modesta actividade como, por exemplo, hoje, apanhar amêndoas, figos, cortar a relva em torno da piscina. Pega-se-me uma tal satisfação, que me é impossível descrevê-la. Como se o dia, inteiro e vasto, me abraçasse em reconhecimento, assim eu me recolho em acção de graças ao Criador por me haver concedido o vigor, a protecção e a capacidade de continuar o meu existir abençoado pela Natureza, o silêncio, a obra oculta de todos os anjos e arcanjos, vindos não sei de onde, de asas abertas de luz, cantando em uníssono as alegrias do dia. Viver é isto – mergulhar profundamente na vida. 

         - Sem esquecer as dores dos outros, a solidão e o ostracismo que a vida de hoje aprofunda e amargura. Devemos lutar com todas as nossas forças contra o egoísmo, as fantasias de ideologias que reduzem o homem a mero instrumento de uns, o sectarismo, a prepotência, a desigualdade, a arrogância dos ricos ante a miséria que esmola às suas portas, a ideia que o progresso está no aprofundamento do capitalismo. Todos sabemos hoje, se estivermos atentos, de que lado está o equilíbrio, a honestidade, a máfia partidária. Se estamos condenados a viver em comunidade, então façamos que todos juntos, acordamos em regras humanas, solidárias, onde a justiça para todos impere e onde ninguém possa ser excluído do direito a uma vida condigna. Todos sabemos, e nós portugueses mais do que ninguém, que só obtemos a dignidade enfrentando corajosamente os desvarios do poder dos sucessivos arautos da democracia vendedores de banha da cobra. 

         - Continuo recluso. Felizmente tenho o necessário para sobreviver. Ontem o António desafiou-me para ir à Brasileira. Respondi-lhe que não podia porque não tenho transporte e logo ele: “Que ideia a tua de viveres num sítio desses!” Vindo de quem vem, não tenho nada a acrescentar. O meu amigo, tem a sorte de ter casado com uma mulher sólida, mais sábia que ele, com carta de condução, boa cozinheira, e nestas condições, resta-lhe ir todos os dias ao Chiado, regressar a casa para almoçar, sair ou não de tarde e adormecer com o cérebro cheio do patuá do facebook, dos filmes televisivos, da ânsia de vir a ser o maior pintor português da sua geração... Sendo ele uma jóia de pessoa, nada mais digo. Cala-te, portanto. 

         - Estamos tramados, sobretudo os jovens para quem os instintos sexuais são impulso de vida e muitas vezes de morte. Apareceu agora uma estirpe do vírus, Monkeypox, e Portugal já conta com pelo menos 240 casos. Trata-se de um vírus muito contagioso, de pessoa a pessoa, que passou para os humanos em 2022 e originalmente vivia entre os macacos. Não se propaga pelo ar, pela respiração, só pela pele, isto é, mãos, beijos, sexo. 


terça-feira, agosto 13, 2024

Terça, 13.

Pró que me deu! Tinha o acesso às figueiras bloqueado com silvas e fui esta manhã de roçadora em punho dar cabo daquela praga. Como a manhã tinha acordado amena, confiei e fiz-me ao trabalho. Daí a pouco tempo o Sol descia das alturas com violência, e eu a transpirar, a arfar, prossegui porque não é bom deixar gasolina no depósito da máquina. Resultado: estou que não posso de cansaço, alagado de água, pronto a ficar pelo resto do dia estendido na chaise longue. Assim devia ser, não se tivesse dado o caso de a Glória e o Raul me terem batido ao ferrolho a desafiar para um café. Como estou sem viatura, fui. Na esplanada estivemos até meio da manhã à conversa, o Kivine e a mulher e os filhos que chegaram no fim-de-semana passado. O filho que eu não via há uma data de anos e era pelos seus quinze anos de uma beleza de filme, está agora com quarenta e francesas a desencaminhá-lo não faltam. Com efeito, há nele uma mistura de provinciano na rudeza do falar e exibir-se, a par de algum mistério que lhe advém do infortúnio de ter sido seduzido até aos dezasseis anos por um francês em quem os pais haviam confiado a sua educação desportiva. 

         - Somos um país maravilhoso. O mundo interroga-se, a Europa arrasta-se, as guerras estão por todo o lado, a economia derrapa, e nós detemo-nos em festas, romarias, aplausos aos medalhados olímpicos, concertos pimbas e dos outros ditos revolucionários... Este canto no principio do mapa que vai para lá da Rússia, é um espaço cheio de gente para quem o futuro não existe, o passado não interessa e só o presente conta no gozo pleno da vida. Dancemos, pois, o Vira de manhã até à noite. 

         - Estou a terminar o Diário de Mário Cláudio. Faço-o por dever de consciência, arrojando-me com dificuldade. E porquê? Porque não vejo nas suas páginas nada que nos faça mergulhar no íntimo do autor, que nos sirva para o nosso quotidiano, que acrescente à existência um laivo de sinceridade, de beleza, de união fraterna. Tudo aquilo é um aparato de palavras caras, de exercício trancado nas literatices de um certo millieu, com suas raivas e invejas de estimação, porque todos se têm por génios e a literatura uma forma de promoção pessoal. Daquela aridez, não. Podia restar a revelação da sua homossexualidade longo tempo travada ou vivida na escuridão, mas nem isso enobrece o livro porque ele já o havia narrado, e bem, no seu Astronomia. 

         - Todos os anos o mesmo tormento: os incêndios. Falo de Atenas onde o fogo vindo das montanhas entrou na cidade e parece não se deter. Por cá, não obstante as altas temperaturas, não tem havido tanto desastre como em anos anteriores. Hoje esteve um dia quente, mas nada que se compare com os últimos dias. 


segunda-feira, agosto 12, 2024

Segunda, 12.

A guerra no Médio Oriente vai de mal a pior com a preciosa ajuda dos EUA, França e Alemanha que fornecem o necessário para que a Israel não faltem munições. Assim, mais uma vez, várias escolas foram bombardeadas em Gaza e para cima de 100 crianças morreram. Dilacera-se-me o coração ao ver as imagens de mães e pais agarrados aos filhos entrouxados num plástico para serem sepultados. 

         - O espectáculo de inutilidade do SNS para com as grávidas, ontem como hoje, obra degradante herdada do governo António Costa, que os seus herdeiros agora acusam o executivo de Montenegro de ter piorado, diz tudo dos políticos que se dizem democratas, adoradores do 25 de Abril e das estruturas sociais implementadas no Portugal democrático. Tudo serve à oposição como arma de arremesso, do ódio à mentira, do aproveitamento transitório ao agarramento de ideologias que provaram há muito não servir a ninguém ou, quando muito, apenas a uns quantos.  

         - Terminaram em grande os Jogos Olímpicos de Paris. O grandioso espectáculo do encerramento, mostrou como a França enquanto discípula dos seus maiores pensadores e artistas, soube transmitir, nos pequenos e grandes gestos, o que de melhor herdou deles: beleza, arte, cultura, magia, criatividade À sua maneira, nos tempos modernos, ela reinventou o mundo helénico, indo buscar ao passado a força que determinou terem chegado até nós, não só no desporto como na poesia, filosofia, democracia e valores humanos como princípio de união entre os povos. A França marcou para sempre um lugar em acontecimentos como este. Portugal esteve à altura, com as gerações mais novas a imporem-se em várias modalidades. Fernando Pimenta, o canonista do Norte, foi o maior pela persistência, ousadia, luta e talento. Não ouvi falar de futebol, actividade que os Gregos desconheciam. Por si só, os Olímpicos vêm provar que damos demasiada importância a uma actividade que despreza todas as outras e tornou-se a maneira mais hedionda de alienação dos povos. 

         - Estou enclausurado em casa. Fui esta manhã levar o carro à inspecção. Quando o técnico lhe enfiou (por assim dizer, que diabo!) pressão pelo escape, saiu uma nuvem negra de fumo. Parou tudo. Eu fui aconselhado a rebocar o carro para a oficina “sem o ligar”. Veio o ACP que o deixou na garagem em Aires, uma povoação aqui perto onde há anos confio o popó ao senhor Ângelo. Retornei à quinta de táxi. O ajudante do técnico, pô-lo a trabalhar e aparentemente tudo estava em ordem. Que se passou? O do reboque diz que são os exageros da inspecção quando força aquilo às 4.000 rotações, “eles não sabem nada de automóveis”. Toma e embrulha. 


sábado, agosto 10, 2024

Sábado, 10.

As pessoas dizem, disseram-me o Tó e a Maria de Lurdes, ambos não me viam há algum tempo, que eu não mudo, que estou na mesma. Mas não é verdade. Como me disse uma vez, em Paris, Vergílio Ferreira que eu sabia doente, “eu não me queixo do aspecto”. Eu estou na mesma. A mim basta-me ver os que comigo conviveram há vinte, trinta nos, para me observar. Se os vejo mais velhos, como posso eu estar mais novo? Basta olhar esta foto tirada há oito dias, para se ver que não caminho para novo... A luta contra a velhice é constante. A uma vetusta senhora damos passagem, à decadência barramos-lhe o caminho. Como? Continuando curiosos, activos mesmo nos pequenos nadas, estudando, lendo muito, viajando até de bengala, hodiernos, revoltados, insubmissos, encarando o futuro como uma enorme recta a vencer. E, sobretudo, pensar que o mais importante vai acontecer após a morte. 

         - Da semana sobra a fuga rocambolesca de Puigdemont, o líder da independência da Catalunha. Ele acreditou e desacreditou na amnistia propalada pelo socialista Pedro Sánchez quando do acordo de viabilização do seu governo. Refugiado na Bélgica, de lá veio ao centro de Barcelona onde fez um discurso empolgante e depois, num relâmpago, desapareceu voltando para o exílio. Os Mossos d´Esquarda como são conhecidos e o próprio nome é um achado que permite todos os devaneios, estão acusados de o terem feito desaparecer. Tudo isto para mim é uma maravilha que dá empolgamento à política deixando-a de rastos e desacreditada por todo o lado.  

         - Aqui dia muito quente. Comecei cedo nas regas sem a Gi a puxar a mangueira. Há um ano que não mandava lavar o carro que vai à inspecção segunda-feira. Foi, pois, com agradável sensação que viajo numa viatura limpa, brilhante, onde a paisagem parece estar à mão de semear. 


sexta-feira, agosto 09, 2024

Sexta, 9.

Encontrei-me esta manhã com a Maria de Lurdes. No decorrer da conversa, falou-se do meu susto de Fevereiro e ela sossegou-me dizendo que o filho mais novo já passou várias vezes por idêntica situação, devido a um canal do nariz com problemas. O mesmo me tinha dito ontem o Tó, para quem a subida de tensão ficou a dever-se ao susto. Combinámos um almoço para breve. 

         - Os figos ditos biológicos, estavam esta manhã no Celeiro a 10 euros o quilo!

         - Almocei no restaurante panorâmico do Corte Inglês muito bem, mas o preço subiu. Acolhido ao ar condicionado, acrescentei mais umas linhas ao trabalho da manhã na Brasileira. Ao cabo de muito esforço, consegui sacar de Ana Boavida este nostálgico confronto, na sequência do péssimo comportamento do filho Leandro, após o banquete do casamento da mãe com Santiago Afonso.  

Quando Afonso a veio acordar, ela recusou acompanhá-lo à mesa, voltou o corpo delgado contra as costas do sofá e pediu que a deixassem. Não dormia. Matutava na vida, reconhecia que os seus melhores momentos tinha-os vivido no contacto com os seus autores gregos e latinos, no convívio com gerações de alunos, passando o testemunho do passado longínquo cada vez mais presente no conteúdo e na forma dos tempos presentes. O amor, não tanto o amor, a paixão, aquela centelha de vida que nasce e morre com o lampejo do olhar, a insinuação de um corpo, o sopro que enfraquece e deixa os sentidos à porfia de todos os desejos. A paixão dizia para si, foi a busca incessante por um ideal, a descida ao fundo do seu eu mais recôndito, a chegada ao prazer que esquece todos os outros sentimentos e aliena instantes futuros. A morte inesperada de Leonardo, veio dar rumo e substância a essa enorme paixão que o corpo perfeito tece nas noites e ornamenta os dias. Os filhos foram a consequência inevitável do desejo, do descontrolo, da obsessão pela perfeição, pela obra de arte que o corpo humano, sobrepondo-se à Arte, vive e eterniza-se para memória futura na saudade (p. 182).. 


quinta-feira, agosto 08, 2024

Quinta, 8. 

Eu não me calo. Desde que percebi no que se traduziu o 25 de Abril, com os cálculos pessoais e ideológicos a marcar o ritmo da democracia, a soma astronómica, de súbito, como um arrastão de gente ligada à esquerda, como se o país tivesse virado do avesso e do apoio quase unânime a Marcelo (falo dele porque foi no seu reinado que me fiz gente) houvesse sido em segredo do PCP, PS e dos grupos pequeninos que por aí ocupam a grelha parlamentar. Depois, instalados no poder, a ideologia é içada, a prática anulada pelos interesses pessoais de partidários. Exemplos são aos milhares. Retenho-me, contudo, neste: a horrenda acção de Fernando Medina quando presidente da Câmara de Lisboa (do PS, pois então) ao entregar a Putin os nomes dos jovens e não jovens que em Lisboa protestaram no caso chamado Russiagate. Agora a Comissão Nacional de Proteção de Dados multou a Câmara de Lisboa, condenando a autarquia a pagar uma coima de 1.027.500 euros pela acção pidesca do ex-presidente camarário.  O actual autarca fala em pesada herança do Partido Socialista e hesita em pagar a coima ou enviá-la para a sede dos socialistas no Largo do Rato.

         - Dia terrível de andanças. Sabendo disso, cheguei cedo à Brasileira (8,30 h.) ainda vazia de turistas, e sentei-me para duas horas no romance. A coisa ia correndo bem, tão bem que sentia a tensão a martelar na minha cabeça. Só parei quando vi que estava a entrar em delírio, quero dizer, a prosa a saltar desordenada entre as linhas da acção romanesca. Saí e fui comer qualquer coisa, dei um salto ao Reino para lhe dar conta de um projecto a dois, subi as escadinhas do Duque para resolver um assunto e voei para o Hospital da Luz ao encontro do Tó, enfim, ressuscitado. Que prazer em vê-lo ao fim de pelo menos dois anos! Longa conversa no sofá do corredor, no final disse-lhe pedisse aos seus doentes desculpa pelo tempo que lhe tomei. O Tó! O mesmo sorriso, a mesma atenção, a mesma empatia de sempre! A propósito vou citar Jouvet: “On reconnaît le bonheur au bruit qu´il a fait en partant.”


quarta-feira, agosto 07, 2024

Quarta, 7.

Isto de ser dono de casa e de si mesmo, não é para qualquer um e exige uma capacidade mental fora do comum nos tempos modernos. A panóplia de assuntos, das passagens subterrâneas administrativas às responsabilidades pessoais, bancárias, caseiras, públicas e privadas, impostos a pagar, contas da água e da luz a liquidar dentro dos prazos, levar o carro ao mecânico, ao banho de limpeza, à fiscalização anual, arrancar a ferros o selo do IUC do computador, ir ao supermercado, ao padeiro, responder aos leitores deste blogue, ufa, ufa, que canseira. Enquanto o cérebro der, cá vou vencendo uma certa apatia, um certo cansaço da vida ritmada pelas urgências de toda a espécie, uma aberração a tudo o que diz respeito às modernas tecnologias, e assim. Para não falar da escrita, da acuidade ao país onde vivo e ao mundo onde ele se insere. Às vezes apetece-me desistir. Depois penso que é esta atenção permanente à diversidade que dá força ao meu cérebro, abre a vida à vastidão do imprevisto, força-me a ir em frente, muitas vezes arrastado, mas sempre atento, vivo e inteiro, percebendo que viver é empenharmo-nos na descoberta de nós próprios e do mundo que nos abriga. Renunciar é pegar a morte pelas orelhas. 

         - O mundo está suspenso da resposta do Irão à precisão bélica dos israelitas. Os EUA, na pessoa do seu secretário dos Negócios Estrangeiros, anda numa roda-viva de contactos quando seria mais fácil cortar o abastecimento de armas a Netanyahu. Esta fantasia política, hoje aceite como normal, só tem nas vendas de armamento o verdadeiro sentido que se sobrepõe ao diálogo - Les affaires d´abord

         - Que moral tem o PS de reclamar de Montenegro uma solução rápida para o SNS, particularmente para as unidades de parto fechadas em quase todos os hospitais públicos, quando ainda nos recordamos o que foram os oito anos da sua governação. É irritante ver aquelas madames do PS, ex-ministras, a entrar nos hospitais todas vaporosas a certificarem-se daquilo que elas deixaram em ruína.  

         - Foram-se os meus sobrinhos: ele na direcção do Algarve, ela para a Foz do Douro. Para trás deixaram uma perturbante presença de afecto. Aqui se viveram bons momentos e ainda agora gozo o prazer da mesa aberta na cozinha onde escrevo estas linhas depois de almoços e jantares de grande convívio. A Gi ajudou-me a regar com abundância todas as árvores da quinta, puxando a mangueira, a tal ponto que, mal ela deixou o portão, elas reclamaram a sua presença; o Helder fez pequenos trabalhos como podar, cortar o excesso de rebentos aos pés das oliveiras, arranjos no sistema de rega automático e ainda houve espaço para fotografia como aqui se documenta.         


Esta foi a IA idiota que produziu. 




segunda-feira, agosto 05, 2024

Segunda, 5.

Com os meus sobrinhos cá, os dias decorrem entre ligeireza e tempos dedicados à leitura. Com espaço suficiente para que cada um se entregue aos seus prazeres, ontem, por exemplo, a Gi e eu dedicámos duas horas à leitura; ela estendida lá fora à sombra na espreguiçadeira, eu no salão. As suas escolhas não me interessam por ai além, e as minhas, diz ela, são demasiado complicadas. Dito isto, sábado, juntou-se a nós para o almoço a tia Júlia. A refeição foi servida na cozinha com toda a informalidade possível e debaixo do ar frio vindo do aparelho no toutiço da parede central. Foram umas três horas à mesa a rir, a contar histórias, a falar de tudo e nada. Lembrei-me muito do Manel Cargaleiro o quanto ele adorava ficar ali a tarde inteira porque a barafunda do interior atraía a sua sensibilidade e divertia-o. A mesa antiga, feita de uma máquina de costura Singer, comprada num antiquário em Portimão, onde habitualmente se sentam duas pessoas, couberam quatro amantes da comida simples, da boa conversa e do prazer de viajar pelo tempo ido, regressado na forma da saudade e da memória eterna ao momento presente. 

         - Fora desta vida básica, límpida e serena ficam os grandes transtornos do mundo. Por esse planeta fora, uma nova maneira de encarar o desastre e dar sentido ao desânimo e descrença: atacar os infelizes que fogem da morte prematura. No antes civilizado mundo britânico, descem às ruas e avançam sobre os migrantes ondas de energúmenos que destroem casas, matam, ferem o infeliz que teve a triste ideia de pedir auxílio ao país de sua Majestade, o Rei, gritando “somos ingleses”. Depois, segue-se a catalogação habitual: criminosos de extrema-direita.  Ao todo 147 detidos pela polícia na noite de sábado para domingo. De certeza, quase todos alcoolizados como era frequente nos fins-de-semana que eu passei em Londres e vi com os meus próprios olhos a paupérie de um povo dito civilizado. 

         - Desisti de ir a Badajoz com a minha trupe. A piscina que fique para o ano, porque o Skoda perdeu os reflexos do frio, a porta da mala não abre e ameaçam-nos para os próximos dias 40 graus de temperatura. Não tem importância. Não nos apeguemos a nada que nos delicie, nos prenda, nos dê prazer. A verdadeira filosofia nasce do desprendimento, do rumor solto, do vento que passa e passando tudo varre, do silêncio que nos extasia, do sentimento de sermos o centro do mundo na insignificância do que somos. 


sábado, agosto 03, 2024

Sábado, 3.

Ontem à noite telefonou-me o Corregedor nestes termos: “Quero fazer-te um convite que não podes de maneira nenhuma recusar.” Queria o meu amigo convidar-me para passar uma semana com ele e a família, num local perto de Caminha onde há muitos anos eles passam o mês de Agosto. Recusei com o argumento verdadeiro que tenho cá os meus sobrinhos por uns dias e hoje mesmo vem a tia Júlia almoçar connosco. Ficou decepcionado e logo me propôs uma semana mais adiante. Que eu não posso também aceitar por não ter quem regue árvores e flores, dê comida e água fresca ao Black. E no entanto que recordações guardo do Festival de Vilar dos Mouros na terra ao lado, quando lá fui com o Pedro, o João, suponho o Alberto. Esse registou está descrito em páginas desse ano memorável. Éramos jovens e a tudo nos permitíamos. 

         - Vou rastejando como posso pelas páginas do livro de Mário Cláudio, Diário Incontínuo. Página 140 este mimo, este doce-amargo em forma de naco de prosa:

“A reiterada abordagem, mantida com sem escassa constância inovadora, do tema da “identidade nacional” constitui, a meu ver, a marca mais interessante de uma época que, sobremaneira preocupada com o presente, buscou no passado as coordenadas dele, sem curar de saber se a literatura, enquanto produto de criatividade, chegara ou não chegara ao fim. Nisso se investira, até aos últimos anos, boa doze de uma certa sageza prática, que julgo ter-se vindo a perder, com uma ou outra excepção, se atentarmos nas mais recentes amostras de escrita que temos, a pontos de se falar de um deserto de valores, quando penso manifestar-se, apenas, uma pausa terapêutica, para a dilucidação do valor que nos assiste. Isto não equivale a desistir de reconhecer que, em tal perda, numa outra medida, se vêm exprimindo as delectérias consequências do péssimo pragmatismo político vigente, o qual substitui, à descoberta do olhar unificante, o reclame de inúmeras soluções infalíveis, rapidamente tiradas da manga do prestidigitador em cena, com o que se está relegando o trabalho de reflexão mental, e a expressão do efectivo talento, para uma prateleira de coisas inúteis, quando não de rotuladas indignidades.” Ufa! Perceberam? Eu patavina... Que cansaço, que denso nevoeiro a trinchar para descobrirmos o que o autor quer dizer num texto embrulhado de literatices. Escrever simples, correctamente e com clareza, é talento só para alguns. Pessoalmente, detesto o novo-riquismo não só no comportamento como na literatura.  


sexta-feira, agosto 02, 2024

Sexta, 2.

Fait-divers. Aguardava eu o comboio na gare de Sete Rios, quando se abeira um pedinte: “Desculpe interromper a sua meditação. Não tem uma moeda que me dê?” 

         - No metro, diante de mim, junto à porta, um casal muito novo que teria chegado naquela altura da província decerto da cordilheira Montejunto-Estrela. Ambos baixotes, ela quase anã, saudáveis, ele de perna ao leu, coxas grosas, peludas, um olhar terno, vivo e negro; ela de maminhas à mostra, gorducha, sorridente. A dada altura vejo que o rapaz não tira os olhos de mim, sussurra qualquer coisa ao ouvido da companheira. Tento disfarçar, mas de cada vez que me volto na sua direcção, encontro aquele olhar meigo, uma ligeira nuvem de quietude, quase um balanço de meiguice. Saíram no Marquês e ao deixarem a carruagem, ele piscou-me o olho, sorridente. Respondi com outra piscadela e o que era suposto começar ali, morreu sem ter iniciado. Oh, a vida de hoje! 

         - Gritei de contentamento quando soube que o Parlamento ia fechar para férias e levava consigo os consumptos dos seus deputados. Logo pensei no Planeta, no consumo de decibéis, no silêncio que os lisboetas iriam usufruir, enfim. Puro engano. Não queria eu mais nada. Eis que um outro inferno vai chegar já esta semana: o início do campeonato de futebol. A hibernação dos jogadores, a gastarem à tripa-forra os milhares que auferem em demasia, em patetices e adornos femininos, imaginava eu que se prolongaria e teríamos um interregno só para nós. Enganei-me. 


quinta-feira, agosto 01, 2024

Quinta, 1 de Agosto.

Estas desgraças são cada vez mais frequentes nos dias de hoje. No Reino Unido um rapaz de 17 anos, munido de uma faca, matou várias crianças e feriu muitas outras. A polícia não encontra explicação para o caso e as pesquisas continuam. É assim que as coisas se passam por todo o lado, o método é tirado a papel químico, como se a sociedade fosse abstracta ou alheia ao que nela acontece. 

         - Eu não vou ao ponto de dizer como André Gide: “ Familles, je vous hais.” Todavia, quando outro dia fui desafiado primeiro pelo Jean e a mulher a tomar café e daí a pouco apareceram os portugueses-franceses que eu convidei para a nossa mesa e apresentei aos que estavam, logo se instalou entre eles a ladainha da família salmodiada pela sociedade enquanto padrão de unidade e do consumo como alavanca do todo. A verdadeira imagem dessa sacrossanta catedral é divulgada, a amiúde, por estes e muitos outros casais e não deixa margem para dúvidas quanto à oportuna invenção de um logro monumental. Nenhum daqueles pais e mães confiava nos filhos, todos disseram não contar com eles para uma velhice acompanhada, os portugueses proferiram raios e coriscos das cunhadas, sogras, irmãos, e.... A impressão que fiquei, é que só podemos contar connosco, estamos todos sós, e os crentes da família ainda mais sós e desiludidos. Aos Estados em geral e aos regimes ditatoriais em particular, o conceito de família convém às mil maravilhas porque é possível controlar um grupo e quase impossível uma pessoa só. Nos regimes comunistas, por exemplo, o indivíduo não conta para nada. 

         - A semana passada disse aqui (mas que diabo, esta é a minha página, o diálogo de mim para mim) que estava de saída. Logo um coro que me comoveu surgiu e de entre esse coral, o Filipe, amigo e leitor. Este velho afetuoso, telefonou a saber se estava bem, e disse se eu precisasse se instalaria aqui. Não contente, domingo passado, apresentou-se ao portão para se certificar se estava inteiro. Entrou montado numa soberba máquina que só faltava falar. Aqui esteve uma hora á conversa enquanto o filho se entretinha na Quinta do Conde com outras crianças. Quando ele saiu, pensei: “Como assim! O Filipe, dois filhos, a mulher, a filha do primeiro casamento da companheira já mulher, toda esta gente a viver dentro destes muros! Cruzes, morria logo.”

         - Tenho estado pregado ao ecrã estes dias como nunca estive. Adoro ver os exercícios de cordas e barras, as modalidades da natação onde, enfim, o rapaz das sobrancelhas escuras bem depiladas, de seu nome de batismo, Diogo Ribeiro, alcançou o primeiro lugar. Aprecio muito o estofo francês nesta área com o jovem Léon (como lhe assenta bem o nome!) Marchand já com duas medalhas de ouro.