Terça, 13.
Pró que me deu! Tinha o acesso às figueiras bloqueado com silvas e fui esta manhã de roçadora em punho dar cabo daquela praga. Como a manhã tinha acordado amena, confiei e fiz-me ao trabalho. Daí a pouco tempo o Sol descia das alturas com violência, e eu a transpirar, a arfar, prossegui porque não é bom deixar gasolina no depósito da máquina. Resultado: estou que não posso de cansaço, alagado de água, pronto a ficar pelo resto do dia estendido na chaise longue. Assim devia ser, não se tivesse dado o caso de a Glória e o Raul me terem batido ao ferrolho a desafiar para um café. Como estou sem viatura, fui. Na esplanada estivemos até meio da manhã à conversa, o Kivine e a mulher e os filhos que chegaram no fim-de-semana passado. O filho que eu não via há uma data de anos e era pelos seus quinze anos de uma beleza de filme, está agora com quarenta e francesas a desencaminhá-lo não faltam. Com efeito, há nele uma mistura de provinciano na rudeza do falar e exibir-se, a par de algum mistério que lhe advém do infortúnio de ter sido seduzido até aos dezasseis anos por um francês em quem os pais haviam confiado a sua educação desportiva.
- Somos um país maravilhoso. O mundo interroga-se, a Europa arrasta-se, as guerras estão por todo o lado, a economia derrapa, e nós detemo-nos em festas, romarias, aplausos aos medalhados olímpicos, concertos pimbas e dos outros ditos revolucionários... Este canto no principio do mapa que vai para lá da Rússia, é um espaço cheio de gente para quem o futuro não existe, o passado não interessa e só o presente conta no gozo pleno da vida. Dancemos, pois, o Vira de manhã até à noite.
- Estou a terminar o Diário de Mário Cláudio. Faço-o por dever de consciência, arrojando-me com dificuldade. E porquê? Porque não vejo nas suas páginas nada que nos faça mergulhar no íntimo do autor, que nos sirva para o nosso quotidiano, que acrescente à existência um laivo de sinceridade, de beleza, de união fraterna. Tudo aquilo é um aparato de palavras caras, de exercício trancado nas literatices de um certo millieu, com suas raivas e invejas de estimação, porque todos se têm por génios e a literatura uma forma de promoção pessoal. Daquela aridez, não. Podia restar a revelação da sua homossexualidade longo tempo travada ou vivida na escuridão, mas nem isso enobrece o livro porque ele já o havia narrado, e bem, no seu Astronomia.
- Todos os anos o mesmo tormento: os incêndios. Falo de Atenas onde o fogo vindo das montanhas entrou na cidade e parece não se deter. Por cá, não obstante as altas temperaturas, não tem havido tanto desastre como em anos anteriores. Hoje esteve um dia quente, mas nada que se compare com os últimos dias.