Quinta, 11.
Outro dia, descendo o Chiado, voltei a deparar com o pequeno hotel de vão de escada, onde pernoita um casal que eu esperei saísse para voltar a fotografar o seu interior-exterior. A rapariga e o rapaz, de uns vinte e poucos anos, estavam deitados lado a lado, com a naturalidade de quem está à varanda vendo passar a seus pés, na indiferença citadina, os que olhavam e seguiam caminho. Ninguém se retinha a invocar aquilo que os políticos reivindicam para todos os portugueses, isto é, direito à dignidade, a uma casa, à saúde, ao mínimo de rendimento para que a rua não seja o lugar onde os verões e os invernos acampem em conjunto com a tristeza de vidas assim e as estrelas cantadas pelos poetas possam brilhar, como na canção, para todos. Esta imagem via eu muitas vezes por ali, quando pela uma da madrugada deixava o jornal onde então trabalhava, O Primeiro de Janeiro, que ficava na esquina daquela rua e confinava com o Rossio. 50 anos passaram sem que a pobreza de então, com a democracia instalada, imaginem, nunca se ter visto deputado ou ministro ou autarca a dormir ao lado dos milhares de infeliz que têm trabalho, mas vivem ao relento.
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Antes. |
Depois. A legenda do cartão é a voz humilde dos pobres e a tristeza da democracia velha de cinco décadas. |
- Das oito às nove da manhã, serrei com a motosserra uns quilos de lenha. Depois, após um descanso mergulhado no livro admirável de Paulo Santos, Uma Obra Portuguesa de Claude-Joseph Vernet, fui fazer meia hora de natação. De tarde dormi uma sesta talvez um pouco longa para meu gosto e necessidade, posto que me encontro num período de sonos profundos e rápidos.