Sexta, 30.
Respondendo ao apelo do João, fui à Brasileira esta manhã. Enquanto aguardava por ele, deixei o tempo correr na esplanada onde só eu e os empregados falavam português. No centro daquela babilónia, estava Pessoa na forma escultórica que Lagoa Henriques o imortalizou. Cirandava em meu redor, com a multidão de turistas, uma aragem quente que não feria, mas incomodava. Ali fiquei uma boa meia hora, perdido a observar sem ver, o pensamento vagabundeando por lugares e rostos, a memória arrastada para longe, sem sair daquele lugar que comecei a frequentar muito moço e cujas recordações conservo como tesouros não só de uma época como de um edifício que se mantém vertical ante a derrocada de tudo à minha volta. Naquele exercício, aconteceu uma espécie de esvaziamento mental, como quem se despe e expõe a pureza do corpo onde a inocência está intacta e não fere o olhar nem atrai a concupiscência do delírio. Estive parado numa bolha de tempo, desaparecido de mim, e todavia centrado no espaço de tempo que me conserva intacto, à flor do presente-passado, nessa garganta próxima do abismo que se esvai, carregando consigo memórias ancestrais, segredos e paixões que não ousamos contar ao tempo leviano infiltrado em nós, levando e trazendo, como coscuvilheira de vão de escada, os segredos que sobem do fundo do mistério de uma manhã que rasga em pedaços recordações vadias que emergem em cachão de nós.
- O Almirante disse ao que vem. Contudo, o seu projecto apresentado ontem solenemente na Gare Marítima de Alcântara, não passa de um programa de governo – sua excelência enganou-se.