Segunda, 10.
Não conto porque não possa, mas porque com o vendaval que aqui anda e ciranda, não é salutífero. De resto, como costumo dizer, trabalho não falta e se passasse dentro destes muros um ano, tenho a impressão que nunca terminaria o muito que desejo concluir. Até o Black, habitualmente valdevinos, se veio acoitar cá dentro, pondo em dia os sonos de uma vida de galderice. Talvez embalado pelo cantar da chuva e do vento, ele me empurre para uma soneca depois do almoço.
- Vou à proa do romance de Machado de Assis. De uma assentada, li cem páginas tocado pela magia da história e pelo modo como é narrada. Não há lugar à respiração, tudo se encadeia num tom de palratório natural, sem rebuscados à Mário Cláudio, como quem conta um conto escrito na véspera. Há, com efeito, na escrita brasileira este sortilégio. O problema é começar e logo somos arrastados pelo feiticeiro que há nos escritores do Brasil. Em cada página existe uma espécie de macumba, aquela arte de escrever que é ligeira mesmo quando aborda temas esotéricos, desfaz-se e arrasta-nos e envolve-nos de tal maneira que passamos a ser parte da história. Tenho ainda mais umas quantas centenas para devorar e quando chegar ao fim direi que destino foi aquele de Quincas Borba.
- Ontem estive ao telefone ao todo umas duas horas e meia. Só com o João, retornado de uma demasiada longa ausência, fiquei mais de sessenta minutos. O problema é que os aparelhos modernos não suportam tanto labor, e a dada altura dá-lhes o chilique, e finam-se. As baterias, afinal de contas, são quem limita ou estende a conversação dos tempos modernos. Estamos subjugados às maquinas, aos algoritmos, e muita gente já não sabe viver sem elas. A vida moderna tornou-se escrava dos robôs que nos ensandece por todo o lado. Desistimos de pensar, da amiga solidão, dos espaços amplos onde o eu se reencontra na expressão feliz de São Paulo: “Corpo e espírito interpenetram-se.”