Quinta, 13.
Outro dia, cedendo à tentação de fugir ao animal solitário que sou, aceitei fazer parte de uma tertúlia em que só havia jovens de ambos os sexos. Tarde divertida, com efeito. O tema era a política e o estado em que se encontra o país. Respondi a todas as perguntas e questões que me foram postas, julgo com independência e a tal jovialidade que afinal não é só a ilustre empregada da Brasileira a reconhecer, mas também a maioria dos meus auditores. Um deles, brasileiro, foi ao ponto de me dizer - com a cautela que o seu português lhe permitia -, “embora não seja novo, tem um espírito jovem que surpreende, na maneira como fala e na forma como pensa”. Não recebi cachet nem preciso, porque saí de lá recompensado e feliz. Quanto à beleza daqueles rostos, xiu!
- O Parlamento, para mim, vai passar a denominar-se a selva, melhor a Selva. Pois na Selva, nestes derradeiros dias em que a moção de confiança do Governo foi chumbada por todos os partidos à excepção do Iniciativa Liberal foi, de facto, um tremendo urrar contra a democracia, o respeito dos deputados entre si e povo que os elegeu. Foi uma VERGONHA, a provar muito do que aqui tenho deixado escrito ao longo dos anos; a chamar a ditadura que ninguém deseja; a fazer dos portugueses ignorantes e básicos; a ludibriar as questões e acusações mútuas; o blá blá igual que conhecemos e só mudam as línguas fedorentas que o apregoam. Cito este poema de Jorge de Sena, retirado de Metamorfoses, decerto a partir do Canto X de Luís de Camões.
Podereis roubar-me tudo:
As ideias, as palavras, as imagens,
E também as metáforas, os temas, os motivos,
Os símbolos, e a primazia
Nas dores sofridas de uma língua nova,
No entendimento de outros, na coragem
De combater, julgar, de penetrar
Em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
Suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
Outros ladrões mais felizes..
Não importa nada: que o castigo
Será terrível. Não só quando
Vossos netos não souberem já quem sois
Terão de me saber melhor ainda
Do que fingis que não sabeis,
Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
Reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
Tido por meu, contado como meu,
Até mesmo aquele pouco e miserável
Que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu, E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
- Fui à natação. Anteontem e hoje, surgiram dos escombros da memória, as mesmas tentações que na realidade nunca me deixaram. Se fosse possível olhar sem ver, ouvir sem escutar, pensar sem ser vigiado pelos sentimentos que perdoam ou condenam, a nossa vida seria infinitamente mais livre e bela, mais humana e devoradora dos instantes etéreos.