domingo, dezembro 08, 2024

Domingo, 8.

Pois foi. Ontem tirei o dia para ver a inauguração de Notre-Dame. O projecto hercúleo de restauração do monumento, ficou a dever-se à obstinação de Emmanuel Macron e da França que soube articular equipas, prazos e muito savoir-faire. Ao fim da tarde começou a chover. O Presidente e a mulher tiveram de suportar o frio e o desagrado da noite na vasta praça da catedral corrida a vento. Um a um começaram a chegar os presidentes de muitos países e ele recebeu-os, deixou-se fotografar-se com cada um, até que por fim chegou Donald Trump naquele seu ar de cowboy do faroeste, só, gingão. Por fim, o archevêque de Paris bateu três vezes na portada da entrada (que me fizeram lembrar as de Molière), entrou no espaço do Julgamento, Nave, Transepto e Altar-Mor de onde presidiu e abençoou a catedral de Notre-Dame. Quando Zelensky entrou, ouviu-se uma rodada de palmas. Todas aquelas figuras e figurões, assim que se apanhavam sentados, folgavam; enquanto eu, comodamente instalado no meu sofá, a lareira acesa, volta que não volta, sentia as lágrimas correrem-me de emoção. A cerimónia foi demasiado longa para a maioria dos presentes, sobretudo para Trump que tinha ar de quem se interrogava: “Quando é que isto termina, que estou eu a fazer aqui.” Belíssima cerimónia, belo discurso do Presidente da República. Enfim, que o Espírito Santo ilumine todos aqueles salamaleques ambulantes – é tudo o que se pode pedir atendendo ao estado do mundo actual. 

Esta deve ter sido das últimas fotos que fiz. 

         - Voltando à tristeza, à nossa terrível condenação. Sexta-feira saí daqui muito cedo prevenindo-me contra as greves gerais nos transportes da CP (pois quais outros?). O meu abençoado Fertagus, que funciona sempre e a horas, deixou-me às oito no Campo Pequeno e dali, de táxi, para o Gama Pinto onde tinha agendada com antecedência uma consulta que decerto desaguaria em operação à catarata do olho esquerdo. Chegado, tirei a senha que me levaria a duas mademoiselles do atendimento. Logo fui atirado para a rua, com a informação que enfermeiros e médicos estavam em greve. Insurgi-me. E elas: “A greve é um direito.” E Eu: “O hospital devia ter-me informado. - Não podíamos porque só soubemos do facto ontem à noite.” Seguiu-se uma leve altercação de palavras e eu debandei, dizendo: “Isto é uma choldra. Serviço Nacional de Saúde é que não é. Todos têm direito, menos aqueles que não têm direito nenhum que somos nós e vocês só existem porque os doentes vos procuram.”  

         - O povo português não interioriza a força que tem, quanto pode para enfrentar esta tresmalha gente que vive tocada a palavras de ordem vindas dos sindicatos que, por sua vez, as executa dos partidos. O país está a chegar ao limite permitido pela democracia. Algures espreita a espada de um qualquer ditador, de direita ou esquerda, esta é pelo menos a sensação que tenho. Hoje fazem-se greves por tudo e por nada, quando antes a greve era o limite de um longo processo de negociação. Os barões da CP, desta vez, até fizeram greve porque o excelente ministro António Leitão Amaro, talvez o melhor de toda a equipa de luís Montenegro, disse que havia relatórios que davam conta que os maquinistas metiam-se nos copos – o que a mim não me surpreende. Ainda por cima, já sem vergonha e montados no poder que têm sobre a população, superior ao do Governo saído das urnas, ameaçam parar o país brevemente. Eu ouvi narrativas incríveis de passageiros, gente que teve dificuldade em respirar nos comboios apinhados onde não cabia uma mosca a que eles chamam “serviços mínimos”. Mais: estas greves são estudadas ao pormenor, caem todas às sextas ou segundas-feiras. Chamem-lhes parvos. 

         - Estive a ver um programa consagrado a Claude Lelouch. Grande realizador, um homem sensível e culto, com humor e humanismo. Reparei que manqueja de uma perna, próprio dos grande artistas – todos coxeiam, os infelizes... 

         - O “xau” brasileiro, virou xauzinho para os portugueses.