Quarta, 16.
Ficarei todo o santo dia ao chaud. Daqui olharei o mundo e sobretudo olhar-me-ei a mim próprio. Isto não é uma casa, é um castelo onde me abrigo dos olhares sinistros daqueles que olham perscrutando as oportunidades de serem alguém, de montarem o pedestal da fama, de buscarem a imortalidade que as televisões lhes oferecem na pobreza de um gesto, de uma palavra, de uma aldrabice. Ressuscito só para mim Eugénio Lisboa, nesta passagem que se interliga com o meu pensamento. “O êxito passou a ser a Estrela Polar desta sociedade. Tudo se mede pelo “êxito”. O êxito das vendas (de livros, por exemplo) faz passos magnéticos até aos novos-ricos boçais que enchem as universidades. José Rodrigues dos Santos, o Dan Brown do Tejo, vai, por convite, a universidades respeitáveis, onde debita banalidades redondas e troça de autores que vendem menos do que ele. E é recebido como se o seu “produto” fosse coisa de levar a sério: não tarda muito, será alvo de uma dissertação de mestrado ou, mesmo, up-upa!” (Pag. 190 de Acta Est Fabula.) Bom, que alívio! Pelos vistos, não tenho perdido muito ao recusar ler estes “escritores” e “pensadores” que, como os políticos, se formam nas televisões. E lembrar-me eu o que disse João Soares do ilustre amanuense, comparando-o a Aquilino Ribeiro. Ai, ai, meu querido amigo João Soares!
- A propósito de João Soares o ex-presidente da Câmara de Lisboa. Houve uma época em que nos víamos com frequência, quando o pai era Presidente da República. Gosto muito dele e sempre o achei uma carta fora do baralho da boçalidade dos seus correligionários. Depois, desde que optei por viver em Palmela, nunca mais nos encontrámos. Minto: cruzamo-nos nas suas crónicas, nos seus pareceres na TSF. Ele pertence a uma época - que é também a do João Corregedor -, com os mesmos raciocínios, as mesmas cautelas, as mesmas raízes, as mesmas abencerragens. Dou um exemplo. O ex-presidente da Câmara de Lisboa, quando fala de um qualquer feito levado a cabo por determinada pessoa, antes de no-lo transmitir, incensa-a/o com títulos académicos, lugares públicos por onde passou, riqueza que possui, relações sociais que são as do visado/a para, enfim, nos dar a conhecer a razão pela qual nos trouxe ao nosso convívio. Eu ao João Corregedor, abrevio aquele trem completamente inútil, que parece favorecê-lo a ele, e peço o final que é isso que me interessa saber.
- A imagem do sucesso passeia de caixão aberto pelas televisões. Refiro-me ao banqueiro Ricardo Espírito Santo salgado. Há dez anos que a Justiça o anda a julgar, a maioria das vezes na praça pública, e só agora parece reunir provas para o sentar nos bancos dos tribunais. Neste entretanto, o “dono disto tudo", multimilionário, a braços com a doença de Alzheimer, desceu do trono onde políticos, homens de negócios, cardeais e bispos, capitalistas de todo o mundo, gente simples e até os pobres o endeusavam, para oferecer a triste imagem da abastança e arrogância, arrastando os pés, olhar perdido no vazio, amparado à mulher e acarinhado pelos advogados, ouvindo pelo caminho para a primeira audiência, os gritos lancinantes daqueles que tudo perderam nas falcatruas e crimes económicos praticados pelo banco que dirigiu durante mais de quatro décadas com mão de ferro. Eu também perdi cerca de mil acções, mas desde logo esqueci e não alinhei quando o banco me aconselhou pôr o caso num advogado. Para quê, disse. Quando o Estado e o ex-Espírito Santo sabem quantas são e o seu valor à época do desastre que ainda agora, todos os meses, vêm, perto no branco, no extrato mensal. O problema levantado à justiça pela doença do banqueiro, dada a sua incapacidade cognitiva e a situação frágil em que se encontra, parece dividir advogados e juízes. Uns querem o perdão; outros afirmam que os actos devem ser julgados e apuradas as culpas. Eu sou de opinião que se deve aclarar a situação do seu empório e reparti-lo por todos os visados como forma de compensação. Seja como for, o capitalismo na sua arrogância e poder, dá que pensar. Ver Ricardo Espírito Santo acabar naquela imagem, como um pedinte a arrastar os pés, alienado e dependente, diz da importância da riqueza que neste mundo é tão cobiçada e pela qual tantos se matam ou são mortos. Vir ao mundo para fazer riqueza... que miserável fim.
- Quer-me parecer que o Vasco Gonçalves II tem o trono a prémio. Muitos são já os seus camaradas que falam alto sobre as suas decisões, temperamento, liderança. O homem é inapto para o lugar e com aquela personalidade, devia ir pedir emprego ao simpático padeiro que está à frente do PCP.