segunda-feira, dezembro 16, 2024

Segunda, 16.

No arquipélago francês de Mayotte, centenas de casas tombaram como baralho de cartas ante a fúria de ventos ciclónicos. Milhares de pessoas ficaram sem tecto, o total de falecidos ainda não foi contabilizado, registando-se até hoje 14 mortes. As imagens que vemos na televisão, são aterradoras. Habitações rudimentares, que parecem feitas de contraplacado, não resistiram à fúria do Chido. As autoridades pensam que devem ter perecido sob os escombros um milhar de pessoas. 

         - O Papa Francisco fez uma visita relâmpago à Córsega. Depois de não ter estado na abertura de Notre-Dame, o Sumo Pontífice passou o dia de ontem na ilha maioritariamente católica. Os habitantes compareceram em massa e uma missa rezada para cerca de vinte mil fiéis, em Ajaccio.   

         - Este fim-de-semana o PCP reuniu em congresso. Adivinhem quem não podia faltar, não sabem? Eu digo: sua excelência o bispo de Setúbal, D. Américo Aguiar. Ali se disse que o partido tinha que lutar pela “resistência”, pelo “nosso povo”, “pelos trabalhadores e classe operária”, os chavões do costume, num meme habitual. Depois admiram-se de a pouco e pouco terem de passar à clandestinidade, não porque alguém os persegue, mas porque o “nosso povo” os ignora. 

         - Ontem fui ao Pingo Doce aqui da terra. Lugar onde não tenho o hábito de entrar e só o fiz porque fui à farmácia que existe em frente. Quis tomar um café e deparei-me com uma única funcionária, correndo o largo balcão e a padaria, aflita e esfalfada para satisfazer os clientes que eram bastantes. Manifestei-lhe o meu apreço pelo esforço e profissionalismo, e ela “temos de ser polivalentes”, respondeu com um sorriso. Dali pedi o Livro de Reclamações e anotei estas palavras: “Deixo aqui a minha indignação por constatar que no Pingo Doce a escravatura ainda impera. Uma funcionária, só, a correr como louca, para satisfazer a clientela dos cafés e padaria. Uma vergonha!” Um tipo suspeito a quem eu li o anotado, disse: “O senhor é comunista.” Respondi: “Serei tudo o que tiver que ser, desde que não me acomode a aceitar a exploração humana.” A outra funcionária, com um sorriso doce: “As pessoas só reclamam dos produtos.” 

         - A escrita, mesmo estes registos aparentemente simples, exige um espírito calmo e concentrado. O meu anda desaustinado há uns dias e não sei como o sossegar. Instalou-se em mim um surdo movimento que faz que anda, mas persiste em ficar parado a olhar o horizonte que se afasta. Na sexta-feira, no café da FNAC, uma aragem criativa varreu o meu cérebro e página e meia ficou concluída – e foi tudo. Esta manhã, talvez para ganhar fôlego, imprimi as últimas 100 páginas para correcção e tomar o pulso a um trabalho que está longe de terminar não obstante as mais de duas centenas de folhas. Ana Boavida parece desafiar-me constantemente, pôr-me à prova, fingir que me contou tudo sobre ela, reservando todavia sempre e sempre uma luz que se apaga quando outra se acende. Acontece que eu, em vez de correr para a claridade, escolho o escuro que se obscurece quando busco a flamância. Como sair deste impasse? 

         - Hoje, abri por assim dizer, o meu labor de servo. É assim. Como não busco nada de máquinas, quando chega o Inverno e o chão se atapeta de erva, e deva começar a alindar o espaço vasto em torno da casa para o qual tenho de dispor delas, é como se me impusesse três cursos: um para o corta-relvas, outro para a roçadora e um terceiro para a motosserra. Esta manhã comecei com o primeiro. Em boa verdade já havia iniciado ontem. Meto gasolina, apuro o óleo, agito a máquina e, entretanto, passaram dois dias mais o cansaço e a derrota. Mas eu sou persistente, tento compreender a linguagem destes objectos enigmáticos, adivinho a sua gramática, recordo algo que esqueci e, de súbito, como um milagre que me foi concedido pelo esforço, a maquineta põem-se a gritar. São soluços ainda, por vezes enternecedores que me arrancam a pele do coração, tento uma e outra vez para chegar à conclusão que é ela que é inteligente. Na realidade eu teria de pressionar o batente do puxador para que ela se pusesse em marcha. Compreendido isto, logo outra inquietação: por que não fica o motor a trabalhar como é suposto acontecer? Depois de várias tentativas, descubro que não posso manter o cordão que lhe dá a ordem esticado. Vou ensaiar puxando o cordão e depois remetendo-o ao sítio junto ao motor. Olha! Funcionou! Urra! Urra!