Segunda, 5.
Com os meus sobrinhos cá, os dias decorrem entre ligeireza e tempos dedicados à leitura. Com espaço suficiente para que cada um se entregue aos seus prazeres, ontem, por exemplo, a Gi e eu dedicámos duas horas à leitura; ela estendida lá fora à sombra na espreguiçadeira, eu no salão. As suas escolhas não me interessam por ai além, e as minhas, diz ela, são demasiado complicadas. Dito isto, sábado, juntou-se a nós para o almoço a tia Júlia. A refeição foi servida na cozinha com toda a informalidade possível e debaixo do ar frio vindo do aparelho no toutiço da parede central. Foram umas três horas à mesa a rir, a contar histórias, a falar de tudo e nada. Lembrei-me muito do Manel Cargaleiro o quanto ele adorava ficar ali a tarde inteira porque a barafunda do interior atraía a sua sensibilidade e divertia-o. A mesa antiga, feita de uma máquina de costura Singer, comprada num antiquário em Portimão, onde habitualmente se sentam duas pessoas, couberam quatro amantes da comida simples, da boa conversa e do prazer de viajar pelo tempo ido, regressado na forma da saudade e da memória eterna ao momento presente.
- Fora desta vida básica, límpida e serena ficam os grandes transtornos do mundo. Por esse planeta fora, uma nova maneira de encarar o desastre e dar sentido ao desânimo e descrença: atacar os infelizes que fogem da morte prematura. No antes civilizado mundo britânico, descem às ruas e avançam sobre os migrantes ondas de energúmenos que destroem casas, matam, ferem o infeliz que teve a triste ideia de pedir auxílio ao país de sua Majestade, o Rei, gritando “somos ingleses”. Depois, segue-se a catalogação habitual: criminosos de extrema-direita. Ao todo 147 detidos pela polícia na noite de sábado para domingo. De certeza, quase todos alcoolizados como era frequente nos fins-de-semana que eu passei em Londres e vi com os meus próprios olhos a paupérie de um povo dito civilizado.
- Desisti de ir a Badajoz com a minha trupe. A piscina que fique para o ano, porque o Skoda perdeu os reflexos do frio, a porta da mala não abre e ameaçam-nos para os próximos dias 40 graus de temperatura. Não tem importância. Não nos apeguemos a nada que nos delicie, nos prenda, nos dê prazer. A verdadeira filosofia nasce do desprendimento, do rumor solto, do vento que passa e passando tudo varre, do silêncio que nos extasia, do sentimento de sermos o centro do mundo na insignificância do que somos.