Sábado, 3.
Ontem à noite telefonou-me o Corregedor nestes termos: “Quero fazer-te um convite que não podes de maneira nenhuma recusar.” Queria o meu amigo convidar-me para passar uma semana com ele e a família, num local perto de Caminha onde há muitos anos eles passam o mês de Agosto. Recusei com o argumento verdadeiro que tenho cá os meus sobrinhos por uns dias e hoje mesmo vem a tia Júlia almoçar connosco. Ficou decepcionado e logo me propôs uma semana mais adiante. Que eu não posso também aceitar por não ter quem regue árvores e flores, dê comida e água fresca ao Black. E no entanto que recordações guardo do Festival de Vilar dos Mouros na terra ao lado, quando lá fui com o Pedro, o João, suponho o Alberto. Esse registou está descrito em páginas desse ano memorável. Éramos jovens e a tudo nos permitíamos.
- Vou rastejando como posso pelas páginas do livro de Mário Cláudio, Diário Incontínuo. Página 140 este mimo, este doce-amargo em forma de naco de prosa:
“A reiterada abordagem, mantida com sem escassa constância inovadora, do tema da “identidade nacional” constitui, a meu ver, a marca mais interessante de uma época que, sobremaneira preocupada com o presente, buscou no passado as coordenadas dele, sem curar de saber se a literatura, enquanto produto de criatividade, chegara ou não chegara ao fim. Nisso se investira, até aos últimos anos, boa doze de uma certa sageza prática, que julgo ter-se vindo a perder, com uma ou outra excepção, se atentarmos nas mais recentes amostras de escrita que temos, a pontos de se falar de um deserto de valores, quando penso manifestar-se, apenas, uma pausa terapêutica, para a dilucidação do valor que nos assiste. Isto não equivale a desistir de reconhecer que, em tal perda, numa outra medida, se vêm exprimindo as delectérias consequências do péssimo pragmatismo político vigente, o qual substitui, à descoberta do olhar unificante, o reclame de inúmeras soluções infalíveis, rapidamente tiradas da manga do prestidigitador em cena, com o que se está relegando o trabalho de reflexão mental, e a expressão do efectivo talento, para uma prateleira de coisas inúteis, quando não de rotuladas indignidades.” Ufa! Perceberam? Eu patavina... Que cansaço, que denso nevoeiro a trinchar para descobrirmos o que o autor quer dizer num texto embrulhado de literatices. Escrever simples, correctamente e com clareza, é talento só para alguns. Pessoalmente, detesto o novo-riquismo não só no comportamento como na literatura.