sexta-feira, agosto 02, 2024

Sexta, 2.

Fait-divers. Aguardava eu o comboio na gare de Sete Rios, quando se abeira um pedinte: “Desculpe interromper a sua meditação. Não tem uma moeda que me dê?” 

         - No metro, diante de mim, junto à porta, um casal muito novo que teria chegado naquela altura da província decerto da cordilheira Montejunto-Estrela. Ambos baixotes, ela quase anã, saudáveis, ele de perna ao leu, coxas grosas, peludas, um olhar terno, vivo e negro; ela de maminhas à mostra, gorducha, sorridente. A dada altura vejo que o rapaz não tira os olhos de mim, sussurra qualquer coisa ao ouvido da companheira. Tento disfarçar, mas de cada vez que me volto na sua direcção, encontro aquele olhar meigo, uma ligeira nuvem de quietude, quase um balanço de meiguice. Saíram no Marquês e ao deixarem a carruagem, ele piscou-me o olho, sorridente. Respondi com outra piscadela e o que era suposto começar ali, morreu sem ter iniciado. Oh, a vida de hoje! 

         - Gritei de contentamento quando soube que o Parlamento ia fechar para férias e levava consigo os consumptos dos seus deputados. Logo pensei no Planeta, no consumo de decibéis, no silêncio que os lisboetas iriam usufruir, enfim. Puro engano. Não queria eu mais nada. Eis que um outro inferno vai chegar já esta semana: o início do campeonato de futebol. A hibernação dos jogadores, a gastarem à tripa-forra os milhares que auferem em demasia, em patetices e adornos femininos, imaginava eu que se prolongaria e teríamos um interregno só para nós. Enganei-me.