quarta-feira, dezembro 04, 2024

Quarta, 4. 

A manifestação dos bombeiros sapadores em frente a nova sede governamental, foi assustadora a lembrar o tempo de má memória - o PREC. Eles e muitos outros funcionários da coisa pública, reivindicam mais salários e pagamentos de risco. Até têm razão, mas perdem-na quando aplicam o furor que se desenvolveu por todo o lado nos anos de António Costa. Nessa altura, não houve nenhum ministro à altura do seu posto e o que se desenvolveu foi a propaganda que nada alterou e tudo deixou ficar ao sabor dos imprevistos e dos calores da revolta. Todavia, o que há de curioso nestas cenas, é que elas são inteiramente da culpa dos sucessivos governos, que sempre se preocuparam com a “política” e nada com os cidadãos. Com a entrada do euro, o país empobreceu, os sítios de decisão encheram-se de dinheiro, os políticos, de repente, passaram a ganhar muito bem a vida e a política atraiu os remediados e os gananciosos para ela. Oferecer-se a um partido, era tentar a sorte grande com um sorriso de subserviência em permanência. O custo de vida explodiu, os bancos passaram a ganhar milhões todos os dias, as empresas proliferaram, a abada de dinheiro que invadia o país era absorvida pela nova nossa classe empresarial e política (uma nunca anda sem a outra), deu para luxos e fantasias: carros topo de gama, férias multimilionárias, compra de castelos e residências cá e no estrangeiro, as esposas dondocas iam a Paris enfeitaram-se, o euromilhões, a lotaria nacional, os casinos tudo junto, prémios incluídos, ficava equidistante da loucura que se vivia em Portugal com a entrada na CEE depois União Europeia, trazendo na cauda triliões. Pertencer a qualquer Governo era entrar no clube dos ricos, dos pomposos, dos que ao passar deixam um rasto etéreo de bom perfume francês, era ouvir música clássica respaldado no banco de trás do carro oficial, era viajar constantemente entre Bruxelas, Estrasburgo, Lisboa, era frequentar os bons restaurantes, vestir pelo Rosa & Teixeira, falar alto, pregar nas televisões, gostar de futebol, enfim, ser alguém num país de atrasados, de bacocos, de emigração, de atrasados mentais. Os iluminados eram eles, embora sem conhecimentos, com canudos tirados aos domingos, falando português de caserna, frequentando-se uns aos outros no topo encantador das suas vidas subitamente transformadas, físicos apertados nos fatos escuros de enterro, rabos anafados, barrigas do melhor vinho francês, arrotos estrondosos, risos escangalhados, ruidosos, que surpreendiam o camponês quando eles percorriam as aldeias como foguetes e toneladas de álcool acetileno para se desinfectarem não fosse o cabo da enxada ser portador do vírus pestilento. Tanta honraria, distraiu a classe política e distanciou-a do país real. Noventa por cento da população vivia (e em certo sentido ainda vive) nos anos Setenta. A pobreza que Salazar tanto adorava e o homem do monóculo tentou erradicar juntando o Norte trabalhador como então se dizia, com o Sul esbanjador e adorador do Sol, rastejou-se até aos nossos dias. O que nos dizem com as suas línguas de fora os bombeiros, os enfermeiros, os maquinistas, os médicos, os professores, os agricultores, as hoje chamadas técnicas de limpeza, o pessoal do lixo, os mangas-de-alpaca dos funcionários do fisco, os criados dos autarcas, os funcionários públicos, as mulheres que reivindicam igualdade com os homens, os reformados, enfim, todo esse universo de operários e fazendeiros, que vive mal, com salários dos anos Setenta, comidos pela inflação que não pára, que foram esquecidos pelos sucessivos governos, que atrasaram o país e transformaram os seus habitantes em escravos e lacaios de suas excelências. Esta classe política é tão pobre, tão medíocre, tão egoísta, que nem se deu conta que existem duas camadas acentuadas de portugueses: os que vivem do Estado e movem-se em vénias de interesses e as classes trabalhadoras que vegetam ao sabor das suas utopias. Hoje, que me perdoem, vou citar Karl Marx quando da Comuna de Paris, em 1871, falava de “conspiração da classe dominante para derrubar a revolução por meio de uma guerra civil conduzida sob a protecção de um conquistador externo.” Não estamos ainda lá, mas para lá caminhamos.