Quarta, 13.
Ontem vi imagens assustadoras num canal estrangeiro de TV do comboio que costuma fazer aquele baile mandado dos eurodeputados entre Estrasburgo-Bruxelas-Estrasburgo. Vi explosões a desfraldarem dentro das carruagens. Pensei que teria sido obra dos chamados antissemitas, mas até ao momento não se sabe nada. Não se registaram feridos, e os nossos zelosos eurodeputados não foram amputados de nenhum membro. Graças a Deus.
- Agora que Trump já quase anunciou a sua equipa governamental, prosseguem as análises de todos os ângulos sobre que o levou à maior maioria de sempre na América. Citado por Teresa de Sousa (aviso já que não temos parentesco embora o apelido seja o mesmo), referindo um homem que eu aprecio sobremaneira, Fareed Zakaria, que no Washington Post reflectiu sobre o discurso das “políticas identitárias” que eu chamo de moda, depois de invocar os erros dos democratas, afirma: “Olharem para as pessoas quase só através da sua identidade racial ou étnica ou de género, não os deixa ver a realidade tal como ela é.” Assim é, com efeito. Todavia, quem acerta na muche, é a nossa jornalista: “O problema não está em que estas preocupações não sejam justas, que são. Está em que, se somos todos iguais, também somos todos diferentes.”
- A coisa está preta. Fazer política neste querido e infeliz país, é semear ódio por todo o lado. Que o diga esse direito que está acima de todos os outros: o acesso à saúde. Que foi completamente destruído pelos socialistas e quem não se lembra do ministro que começou por tudo fazer para ser ministro e depois vacilou numa valsa mal dançada com sindicatos, médicos e enfermeiros. Aquilo era uma bagunça diária, um tremendo desencontro entre a realidade e a propaganda. Chegou Montenegro e a ministra da saúde, Ana Paula Martins, as coisas a pouco e pouco começaram a amainar, com diversos acordos alcançados, decerto contra os patrões dos sindicatos e dos partidos. Ultimamente o desastre do INEM que vem muito de trás, rebentou e no Parlamento foi uma festa de acusações da parte das esquerdas sem responsabilidades e do PS que lá esteve e nada fez para solucionar a situação dos técnicos do INEM que, de resto, debandaram em força no tempo de António Costa. Das palavras da excelente ministra, percebeu-se que deve estar cansada e pensa abandonar a pasta, deixando os arruaceiros a falar sozinhos. Pois eu daqui, peço-lhe, cara Senhora, que não se demita. Defronte esta chusma de doidos varridos e imponha o saber e competência, reduzindo-os à sua força democrática. Que algum leitor ou leitora, leve este meu pedido à competentíssima ministra, que ainda por cima é equilibrada, sabedora e dialogante. Como me dizem que tenho muitos leitores entre a classe médica, que algum aceite esta incumbência.
- Ora, nem a propósito. Ontem fui ao meu Centro de Saúde. Saí daqui cedo, com o croché na mochila, e sentei-me a trabalhar num café perto do Jardim da Estrela até às onze e meia quando tinha consulta. Praticamente só para mostrar os exames que tinha feito há dois meses. Como tudo estava em ordem, fiquei à conversa com a médica que tem substituído a minha cara Dra. Vera Martins de regresso no início do ano após o nascimento de uma menina. Esta clínica, Dra. Luísa, é uma jovem empenhada na sua profissão e nos seus doentes. Disso se falou e às tantas, ela desabafa: “O que mais me custa, quando chego a casa e revejo o meu dia de trabalho, é pensar que não sei se os medicamentos que prescrevo aos doentes que vejo resultam ou não, porque muitos deles nunca volto a vê-los.” Percebi a profundidade das suas palavras, o seu interior, e emocionei-me a um ponto que senti as lágrimas inundarem–me os olhos. Disse-lhe “a senhora (ela mais parece une jeune fille rangée) nem imagina como isso me toca! É por pessoas assim que eu apoio e louvo o Serviço Nacional de Saúde. A senhora é magnífica.” E abalei para não me expor mais. No caos de egoísmo e luta pelos valores materiais em que o mundo se tornou, encontrar um ser humano com esta dimensão, é um tesouro imenso que me obriga a não desesperar da humanidade. Ela é a semente que germinará da ganância e da indiferença humanas.
- Depois, de súbito, a casa regelou. Então, acendi a salamandra que une a sala de jantar à cozinha, e pus o edredão na cama. Assim começou o Inverno por aqui. Há tanto frio, o vento que passa é gélido, que me espanta esta inusitada invasão.