domingo, outubro 27, 2024

Domingo, 27.

Não resisto em assinalar o texto de António Barreto de ontem no Público. Sou lisboeta, nascido e criado, com excepção de uma parte da minha adolescência passada em Coimbra, é aqui que me fiz quem sou. Também tantas e tantas vezes me tenho referido à minha terra com tristeza, ao Chiado onde continuo a ir tropeçando em toda a espécie de lixo que a modernidade e o turismo trouxeram, a desumanização e a desordem que parece ter dado o mote a uma cidade sem projectos nem beleza, entregue às loucuras promocionais e políticas dos últimos autarcas e, sobretudo, presidentes de câmara.

Lentamente, os lisboetas adaptam-se e habituam-se a tudo: ao lixo nas ruas, à erva dos passeios, à calçada levantada, aos buracos nas ruas, aos abrigos rodoviários desfeitos, aos edifícios em ruína deliberada, ao estacionamento em segunda fila, às filas de carros evitáveis e às filas inevitáveis de cidadãos diante dos serviços públicos. Os lisboetas habituaram-se aos monumentos em ruínas, às casas abandonadas, às fachadas históricas deformadas e à publicidade luminosa de parolo e pechisbeque. Os lisboetas habituaram-se ao desmazelo, à fealdade e à sujidade. Tal como se habituaram ao pobre, ao sem abrigo e ao pedinte. 

Pior do que tudo, os lisboetas habituaram-se à desigualdade, à miséria, à imigração explorada, aos trabalhadores estrangeiros ilegais, aos alojamentos imundos, aos bairros segregados e aos novos guetos étnicos. 

Lisboa tem hoje a mais, sem previsão nem ordem, turistas, imigrantes, ilegais, pobres, comerciantes e outras populações errantes. Lisboa e Portugal podiam ter tudo o que têm, e muito mais, se fosse melhor, se estivesse previsto, se houvesse políticas e regras.

De repente, por causa de um incidente desastrado e fatal, em que um agente da polícia matou um cidadão, os lisboetas acordaram para uma Lisboa difícil, segregada, desmazelada, ilegal, drogada, explorada e pronta para a violência. 

         - Depois do dia de ontem de uma tristeza infinita, o de hoje acordou cheio de vigor, limpo, anunciando nas extremidades o Outono que acabou de chegar. Uma ligeira ponta de frio insinua-se pelas taliscas da manhã, não fere, não subjuga, espoja-se nos espaços, esfriando-os.