Terça, 20.
Faleceu Alain Delon aos 88 anos. Participei com ele num momento de humor quando o actor telefonou à Annie e eu atendi estando ela ausente de casa. Não volto ao assunto já aqui espaçado noutra página. A França elogia o desaparecido como só ela sabe fazer, com Macron a falar de “um monumento nacional”. Vi alguns dos seus filmes, mas nem de todos gostei. Por exemplo, no Leopardo dirigido por Visconti ou no papel do barão Charlus em A La Recherche du Temps Perdu, Diz-se que em grande medida o seu êxito foi devido à beleza de homem que era. Ele responde que nunca se dera conta de atrair mulheres e homens como afirmavam os media. Conservador, com ideias feitas, gaulista, amante da arte talvez por adorador do dinheiro, da riqueza e, curiosamente, da solidão. Era na realidade um solitário, e enquanto tal morreu na sua propriedade de Douchy não longe de Paris, guardado por seguranças, dedicado aos seus cães que considerava mais que os seus semelhantes, os três filhos divididos e quase sempre longe dele, uma governanta chinesa que eles acusavam de ser oportunista e outros quejandos existenciais que provam que o ter muito não é sinónimo de felicidade nem de coisa alguma. Mandara construir uma capela na propriedade e é lá que decerto será sepultado. Agora é um entre os demais. Paz à sua alma.
- Há ainda dois livros que não foram arrumados nas estantes: Memórias Minhas de Manuel Alegre e Un hosanna sans fin de Jean d´Ormesson. O primeiro é incontestavelmente um grande poeta e, do meu ponto de vista, nunca se devia ter metido na política. Tal como Mário Cláudio ele queixa-se dos homens e mulheres do metier e isso a mim confrange-me e interroga. Veja-se esta passagem, pág. 193: “Pelas circunstâncias da minha vida, fui sempre um escritor solitário. Nunca pertenci a nenhum grupo, a nenhuma corrente, a nenhum café literário. Estive dentro do poder político, mas nunca do literário, que é o mais sectário de todos. Quase não pude partilhar o que escrevia. A maior parte das vezes, tal como na cela da PIDE, em Luanda, dizia em voz alta, para mim mesmo.” Sem me comparar a qualquer dos dois, tive nos anos de início algum relevo e edições esgotadas, muitos críticos e jornais a elogiar o meu trabalho, o Diário Popular atribuiu ao meu primeiro romance, A Rutpura, o prémio anual revelação. Nem por isso porém, o ego se me ateou por um segundo, prosseguindo eu como se nada fosse, a escrita tomada por sagrada indiferente ao que se escrevia sobre mim. Hoje sinto uma liberdade imensa e desmesurada. Escrevo como quero e o que quero, não bajulo ninguém, sou livre e consagro os dias unicamente à leitura e ao acto de escrever. Digo como Saramago: “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam.” Esta página, sem nunca ter tido publicidade em lugar algum, é disso prova.
- A obra de Jean d´Ormesson, dos muitos livros que li, foi crescendo para mim de importância. Recordo-me que o primeiro não me interessou; mas mais tarde descobri o que há de époustouflante na pessoa e na obra. Este que levarei à biblioteca de cima, foi publicado post-mortem e constitui um repositório de pensamentos que sucintamente se expõem. “Dans le bonheur, dans le plaisir, dans l´amour, la vie est une bénédiction.” ”Opposés sur bien des points, chrétiens – catholiques, protestants, orthodoxes... – et musulmans – sunnites, et chiites – partagent une même conviction: meilleure et plus belle, il y a une autre réalité que celle où nous vivons.” “Ce qui va marquer les hommes en train de se hisser au-dessus de ces primates qui s´étaient hissés au-dessus de la matière, c´est l´orgueil.” “Un monde sans Dieu serait trop injuste, trop triste, trop inutil.” E muitas mais passagens haveria a anotar., não fora este escrito ir já longo.
- Pela manhã, cedo, reguei. Antes de vir a Piedade já só em peregrinação, aparei os ramos secos da Syca que plantei ao pé da piscina. Depois apanhei figos e assim se resumiu os trabalhos lá fora - o calor não permite aventuras.