Sábado, 11.
Às sete da manhã estava no mercado dos pequenos agricultores do Pinhal Novo. Às oito prosseguia de máquina roçadora nas mãos a devastação do mato em frente à casa, de seguida fui regar, tudo sem o mínimo cansaço. A maioria dos portugueses, estaria ainda entre lençóis e muitos, sobretudo os que nos desgraçam a vida e nada sabem do esforço quotidiano, sonhavam com a lotaria do Parlamento Europeu. Aliás, se bem penso, os nossos ditos gestores e políticos, são teóricos dorminhocos que não sabem nada de nada. Tomemos o João que faladou anos a fio na Assembleia da República. Tanto ele como a minha querida Marília, não sabem cozinhar mandando vir do restaurante todos os dias as refeições; não sabem pôr a roupa na máquina e vão dá-la à lavandaria que a lava e engoma, e assim por diante. Se eles fossem pobres, ou pelo menos gente normal tecendo nos dias as dificuldades do viver da maioria dos portugueses, compreenderiam que é fácil ser comunista e de esquerda quando as reformas são para esta exuberância burguesa em tudo contrária às teorias que impõem aos demais. Toda a nossa excelentíssima esquerda é deste calibre. São uns pobres patetas, que levam uma vida apartada da luta que nos empolga e renova em nós os ímpetos vivos da própria existência. Eles são seres ociosos, que acreditam no seu trabalho construído no paleio de formação odienta, que muitas vezes não dura uma hora e quando a ultrapassa deixa-nos na lama da desgraça saindo eles sem o mínimo salpico. Lenine e Marx adorados pelos comunistas e Gramsci pela viúva do BE.
- Ando a arrumar gavetas e de todas saltam memórias do passado. No caso uns quantos números de A Seara Nova do tempo em que jovenzinho acreditava que era pela via da esquerda – e só por ela – a salvação do país se fazia. Mal eu concebia como fora enganado e nem imaginaria afinal que havia várias esquerdas, várias ditaduras, e que a melhor delas era a que se vivia e vive na Rússia, China, Coreia do Norte, Cuba, etc.. Vou despachar esta aldrabice para casa do João Corregedor que colecciona sonhos para ele verdades que (pagará?) com a vida. Gastei um tempo a folhear a revista e anoto a vergonha de haver sublinhado a grande maioria dos artigos. Muitos dos escritores que nelas participam, trabalhei lado a lado com eles nos jornais, sentei-me à mesa da Brasileira, assisti a comícios depois do 25 de Abril em que eles invocaram a URRS como exemplo de democracia.
- Já nessa altura, estamos em 1971, pela pena de Abílio Teixeira Mendes, a saúde era analisada. O SNS foi – e bem – uma conquista da democracia. No entanto, apenas por comparação, retenho que a população de Lisboa rodava 1.611.887 assistida por 3435 médicos, isto daria 469 médicos por habitante. Hoje a Ordem dos Médicos tem inscritos cerca de 55.976 médicos. No Porto, por exemplo, o número de habitantes era de 1.314.794, assistidos por 1773 médicos, é só fazer as contas.
- Raul Proença foi outro ilustre político a utilizar a revista. Num artigo intitulado As Aberrações da Democracia, ele dá o exemplo, espécie de lugar comum, que, como se sabe, tomba para os dois lados. “Só quando não houver nem ricos nem pobres, a humanidade verá multiplicar-se à superfície da terra as fontes de generosidade e de sacrifício. A questão económica é, pois, capital na medida em que é uma questão moral – na medida em que o planeta se puder vir a converter numa mansão inteiramente habitável para os que têm sede da bondade e da beleza.” Aqui surge o país do Sol dourado - a URSS. Este sonho, que por natureza nunca se poderá realizar, será aproveitado por toda a espécie de ditadores que vergarão o povo a ideais fantasiosos que lhes permite dominar e estar perto daquilo que eles sabem nunca chegará à totalidade dos seus escravos.