Sexta, 28.
Recebi a notícia com consternação. O nosso amigo Senhor Castilho faleceu na sequência de uma pneumonia seguida de uma bactéria que contraiu no hospital. Vai fazer-nos falta, o nosso capitalista ao já pequeno núcleo de tertulianos que desde o antigo regime se reúne na Brasileira. A pouco e pouco, quase em segredo, todos se vão. Castilho, em verdade, nada tinha a ver connosco, sendo um homem rico, toda a sua conversa repousava na economia, no deve e haver, nas recordações dos vultos de antanho que ele conhecera e com quem acamaradara. Mesmo assim, gostava de nos aturar, encolhia os ombros aos nossos desassombros ideológicos opostos aos seus, era um cavalheiro à moda antiga, cordial, educado, sóbrio. Repousa em paz, queridíssimo amigo.
- O estado do SNS está patente na forma como vírus e bactérias esperam para nos atacar. Não estamos a salvo em nenhum lado, mesmo nos hospitais onde era suposto estarmos protegidos. Vou domingo com imenso pavor ao Gama Pinto para ser operado à catarata do olho esquerdo. Felizmente, nunca fui pessoa de hospitais, tendo estado internado uma única vez na minha vida. De resto, não me recordo de ter entrado em qualquer unidade hospitalar, salvo o ano passado para chegar à conclusão que o derrame de sangue teve origem numa anomalia no canal direito do nariz. Que triste país o nosso, onde a riqueza está escandalosamente de um lado, enquanto a mancha enorme do outro vegeta na vida à espera da morte. Na realidade, a morte, é para a maioria um alívio.
- Porque não temos gente à altura. Os políticos, salvo raríssimas excepções, são conceptualmente medíocres. Há neles uma sofreguidão pacóvia pelo poder, pela importância que este lhes confere, porque sem ele não passam de uns pobres idiotas. Sem ideias, sem futuro, sem estudos, pouco ou nada cultos, os ideais repisados, roídos de ódios, em pescadinha aplicados, sem margem para compreender o mundo na diversidade e conhecimento de hoje, é na arruaça que se impõem. Em vésperas de eleições, não se ouve uma proposta séria, apenas a revolta por Luís Montenegro não querer debater com aquela súcia de esquerda que não traz absolutamente nada de novo à vida de cada um de nós, apenas repete à exaustão slogans, promessas loucas a que os portugueses distraídos aderem, não percebendo que eles podem tudo prometer dado que nunca chegarão ao poder.
- Tenho imensa ternura por estes vultos, novos e velhos, solitários que abancam em meu redor e mergulham na leitura do livro. De tão atentos às suas páginas, não dão pelo que se passa nesta sala do rés-do-chão da Fnac onde me encontro. São ilhas de um deslumbre sem fim. Isolam-se para ir mais longe espreitar a realidade outra que se esconde da maioria daqueles que julgam viver plenamente na gritaria, no espectáculo degradante que contagia mas não perdura. Olho-os do fundo da minha infinda curiosidade, tento através do que passa nos seus rostos, adivinhar quem os compenetra, quem os detém, quem lhes absorve as horas nesta tarde ensolarada corrida por uma leve brisa que limpa as dores e edifica os dias. Quem lê nunca está só, embora a leitura exija o silêncio seu companheiro. É como o crente, com Deus nunca se sente só ou abandonado. O silêncio é o lugar de divinização do Senhor. Estamos ombro a ombro com Ele. Estamos, por assim dizer, submergidos na Eternidade.
- A mínima coisa que faço na quinta, deixa-me satisfeito e realizado. Ontem, andei, enfim a queimar os dejectos dos desbastes. O espaço em torno da casa,, está coberto de erva alta e o conjunto desagrada-me muito. Não há quem venha cortar a erva, aparar o relvado e assim. Entristece-me o que vejo em volta, mas enquanto tiver as dores lombares não me habilito a tal trabalho. Ontem, na piscina, tendo uma faixa só para mim, prossegui na recuperação e fui ao ponto de exagerar ficando na água uma hora inteira em exercício.
Acabo de receber uma chamada do João Corregedor, incitando-me a comprar o Expresso que traz na capa da revista a minha saudosa amiga Isabel da Nóbrega, com este título “Toda a história da mulher que Saramago apagou dos seus livros.” Irei ler com toda a atenção, a mesma que durante muitos anos escutei a grande e inovadora escritora que ela foi.