Segunda, 22.
A vida chama-nos de tanto lado, do interior de nós como do que nos circunda – sombras, círculos de flaches em chama, vozes melodiosas ou duras como pedras, olhares que raspam os nossos e nos encandeiam, imagens, murmúrios, coisas segredadas, quase inaudíveis, corpos brancos de cera alva, êxtases perdidos no espaço, e toda esta florescência que traz em si o uivo da dor que nos expõe ao inacessível...
- Fui a Lisboa almoçar com o Paulo Santos. Encontro marcado na brasileira sob calor insuportável, sem o bê-á-bá dos velhinhos tertulianos. Logo ali trocámos livros: eu ofereci-lhe o número 25 de Os Fragmentos do Silêncio ilustrados pelo Carlos Rocha Pinto; ele a sua última obra apresentada quinta-feira no palácio de Oeiras, com exposição do autarca, que logo no início disse não saber quem o meu amigo era, nem que obra era aquela que falava de um pintor que ele, naturalmente, desconhecia: Claude-Joseph Vernet.
- Descemos ao Cais do Sodré a pé por um mundo onde eu há muito não punha o olhar, transformado numa zona para turista, tudo muito rasca, pobrezinha, como pobres são os turistas que nos visitam. Toda a cidade é a imagem de António Costa que no turismo apostou todas as moedas. O resultado é a revolta que cresce por todo o lado; os portugueses depauperam, as “contas estão certas” (dizem), mas os nacionais vêem cidades e vilas transformadas em caixotes de lixo, ruas entupidas, lagartixas ao sol nas esplanadas, um café e um pastel de nata por almoço e quem sabe por jantar, a descaracterização a inundar pessoas e a malha urbana.
- A mensagem gay está por todo o lado, tomou conta dos locais, presta-se a todo o espectáculo degradante em nome da liberdade de género, como se para abafar a costeleta fosse preciso tanto... Bref. Assim, a rua principal interior do Cais do Sodré, onde eu antes, deixando o jornal, ia noite dentro, em grupo com os meus colegas aos bares de putedo que ali se somavam uns aos outros. Hoje a fauna é outra, a rua está pintada de cor-de-rosa, os pares desfilam, de leque, vistosas e indisciplinadas, distribuindo gritinhos suaves entre eles. O Paulo quis oferecer-me o repasto e eu, educado como sou, escolhi o prato mais barato e ainda assim pela módica quantia de 20 euros! Os empregados vêm da Tailândia e não sabem uma palavra de português. Estamos tão saloios, tão ridículos, tão convencidos de tudo o que nos reduz a zero!
- Ah! Os barões da CP estão de novo em greve com os consequentes transtornos para os passageiros. As greves antes eram o último recurso, hoje são o primeiro; as ordens emanam dos sindicados que cumprem as estratégias dos partidos. O abuso que prejudica milhares e milhares de pessoas devia ser revisto.